quinta-feira, 26 de março de 2015

Pum, pum! Rasta man!

Uma selecção caribenha, no intervalo entre uma sessão de "jamming" de "rocksteady" e outra de "ska".

O campeonato mundial de futebol de 2018, como a maioria deve saber será disputado na Rússia - outra vez, se os próprios russos não acabarem com o mundo antes disso. Faltam mais de dois anos, é verdade, mas a fase de qualificação que vai apurar os 32 finalistas teve já o seu arranque, e os mais informados terão consciência desse facto, pois no início deste mês realizou-se a pré-eliminatória da zona asiática que ditou o afastamento de Macau às mãos do Cambodja, outra selecção que nem em sonhos induzidos por um opiato dos mais fortes consegue chegar à Rússia - para jogar o mundial, entenda-se, pois ir só por ir, qualquer um vai, mesmo que não seja uma perspectiva muito animadora. Do outro lado do planeta jogou-se também uma pré-eliminatória com o mesmo propósito: tirar do caminho os países a mais que existem um pouco por esse mundo fora, e que depois se vão filiar na FIFA e querem jogar a qualificação para o mundial, como gente grande. Depois da apresentação das selecções da CAF - Confederação Asiática de Futebol - hoje vou-me debruçar sobre os países da CONCACAF - Confederação da América do Norte, Central e Caraíbas. Isto promete.

O que os americanos ficam a pensar quando ouvem a palavra "soccer" - o "nosso" futebol.

As zonas da UEFA ou da CONMEBOL (América do Sul) de qualificação para os mundiais são muito menos penosas que as restantes. A zona sul-americana é composta por dez associações, com 4 a garantirem a qualificação directa e mais uma através de um "play-off" intercontinental, onde normalmente conseguem ter sucesso. Posto isto, desses dez países apenas a Venezuela nunca se qualificou para um mundial, mas o facto do "baseball" e do basquetebol serem os dois desportos mais praticados e seguidos pelos venezuelanos ajuda a explicar esta ausência - e mesmo assim têm melhorado bastante nos últimos anos. Enquanto isso na UEFA existem 54 associações que disputam 13 vagas, e pode-se dizer que das 13 selecções que garantem uma presença na fase final do campeonato do mundo há outras tantas ou mais que teriam qualidade para lá estar. Estou em crer, e não sou o único, que há selecções europeias que raramente ou nunca se qualificam na sua zona geográfica, mas que seriam presença assídua nos mundiais se disputassem uma vaga numa das outras zonas, com a Ásia (AFC) e CONCACAF à cabeça para ilustrar este exemplo. Na AFC existem 47 associações espalhadas pelo maior continente do planeta, tanto em área como em população, e destas pouco mais que meia dúzia têm argumentos para discutir uma das quatro vagas directas, e poder sonhar com a quinta, mesmo que não seja realista vencer a equipa sul-americana com que realizam o "play-off" intercontinental a duas mãos.

Uma das primeiras equipas do México, que já fazia os adversários tremer de medo - literalmente.

Aqui na CONCACAF a situação é mais ou menos idêntica, e apesar das (muitas) diferenças entre as duas regiões, em matéria de ambições futebolísticas as semelhanças são evidentes. Enquanto na Ásia o problema não passa tanto pelo elemento humano, havendo gente com fartura em países como a India, Indonésia, Tailândia e Filipinas, que mesmo assim nunca participaram num mundial, na CONCACAF o problema é exactamente esse: a dificuldade em reunir dúzia e meia de cidadãos válidos com idade entre os 20 e os 40 anos que saibam dar um pontapé num a bola, para formar uma equipa de futebol. Honrosa excepção feita ao México, é claro, que fora da América do Sul é o país do Novo Mundo onde se leva o desporto-rei mesmo a sério, e o único da CONCACAF com hipotéticas ambições de poder chegar ao topo - são actualmente campeões olímpicos e bi-campeões mundiais de sub-17, tendo sido finalistas vencidos na última edição da prova, em 2013. Os mexicanos têm praticamente garantida uma das vagas desta Confederação para o próximo mundial da Rússia, e falando da concorrência têm os Estados Unidos e a Costa Rica como as únicas selecções que lhe podem bater o pé, e recentemente as Honduras, que participaou nas duas últimas fases finais do mundial.

A selecção cubana que esteve no mundial de 1938, em Itália. A ténue linha que separa "equipa" de "conjunto".

Fora disso há outras que têm no seu currículo pelo menos uma participação, mesmo que não seja nada para contar aos netos um dia. São os casos do Haiti, El Salvador, Jamaica e Trinidad e Tobago, que não passaram da fase de grupos dos mundiais para que se qualificaram, ou do Canadá, onde o futebol consegue ser ainda mais desprezado do que nos Estados Unidos, mas que em 1986 surgiram no mundial do México para perder todos os encontros e não marcar qualquer golo. Recuando ainda mais no tempo, o mundial de 1938 contou com a selecção de Cuba, o que só se explica por na altura Fidel Castro ter 11 anos de idade. Mesmo assim suspeita-se que aqueles cubanos fossem na verdade uma banda de "salsa", e que tenham ido até à Itália de Mussolini em digressão para promover o seu novo disco "La Rumba Facista", e que após uma desistência de última hora foram convidados para jogar no torneio. Dos que estiveram "quase" lá mas ainda não se estrearam no maior palco do futebol mundial, temos o caso da Guatemala, ou mais recentemente o Panamá, que tem dado cartas - em suma, uma maioria de nações mais conhecidas pelo "rasta" ou pelos golpes militares para derrubar "el presidente" eleito pelos pobres e pelos "macoñeros subservivos", e colocar no lugar dele o outro que a "los gringos gusta mas".



Nesta pré-eliminatória não se nota muito a presença das "guerrilhas" ou dos "rastafari", pois a triagem começa a ser feita pelos destinos de férias de sonho e paraísos fiscais - tudo nações onde há mais cágados que pessoas. O primeiro jogo foi disputado "ontem", no ontem deles, e confesso a minha ignorância quanto aos fusos horários caribenhos, e foi entre o Belize e as Ilhas Caimão, na cidade de Belmopan, no Belize. A partida terminou empatada sem golos, e é caso para dizer que "No Belize ninguém atinou com a..."balize". Ah, ah, ah! Ahem, pois. Falando um pouco a sério, o jogo terminou sem golos, apesar do capitão belizense (belizenho? belizano? é assim mas é beliz?) Elroy Smith ter desperdiçado uma grande penalidade. Reparem na forma espectacular com que o nº 8 bate o castigo máxima, e na recarga ainda mais formidável. Elroy Smith é a grande estrela (?) do Belize, e joga no mui competitivo campeonato das Honduras, no União Platense. Se calhar a culpa é do próprio Belize, pois o homem chega ali, descontrai-se, mama uns "Long Island Ice Tea" e desaprende. Reparem como os jogadores das Ilhas Caimão celebram o "não golo", que nestas paragens onde o futebol é o que é, eles consideram precioso e dão mais valor; deviam vê-los cada vez que era marcado um canto a seu favor, e como dançavam eles. A segunda mão joga-se dia 29 nas Ilhas Caimão, ou seja, um dia destes. Quem por acaso estiver por George Town para resolver assuntos relacionados com a sua conta "offshore", pode dar um pulo até ao Truman Bodden Sports Complex e ver em acção craques do calibre de Benjamin Cupid, Jedd Ebanks ou Joshewa Charlery, dando tudo por tudo pelo sonho de serem eliminados apenas na próxima eliminatória.



Lembram-se daquela canção dos Beach Boys que fez parte banda sonora do filme "Cocktail", onde participava aquela bicha doida do Tom Cruise, "Kokomo"? Uma parte da letra era qualquer coisa como "Aruba, Jamaica, ooh I want to take ya/ to Bermuda, Bahama, come on pretty mama...". E nem de propósito, aqui está o jogo entre as tais "Bermuda" e "Bahama", ou em português "Bermudas" e "Baamas", que mais parecem nomes de artigos que constam de um lista de compras num supermercado em Albufeira durante o mês de Agosto - "um par de bermudas e gel de banho "Baamas" com aroma de maçã verde". A partida realizada no Estádio Thomas A. Robinson em Nassau, capital das Baamas, terminou com uma vitória das Bermudas por 5-0! É caso para dizer que ganharam tão à vontade que até parecia que estavam nas Baamas - e estavam mesmo. Agora perguntam-me vocês: "o que tem a selecção das Bermudas que a das Baamas não tem?". Ora aí está uma excelente pergunta, e a resposta é fácil: jogadores profissionais. Isso mesmo, pois as Bermudas contam com alguns jogadores que alinham no futebol inglês, com destaque para Nahki Wells, avançado do Huddersfield Town, que joga no Championship, o segundfo escalão, e que marcou um dos golos do seu país natal, de grande penalidade. A segunda mão realiza-se também daqui a uns dias nas Bermudas, e sinceramente não sei qual é o sentimento dos jogadores das Baamas em relação à perspectiva de visitar o arquipélago que dá nome a um famoso "triângulo" onde acontecem coisas estranhas, alegadamente envolvendo extra-terrestres e tudo. Mais estranho do que isso seria ver as Baamas passarem para à fase seguinte, onde jogariam com a Guatemala.



Agora esta demonstração de arrogância da parte dos nicaraguenses - quem mais? Estes tipos que têm a mania que são "a Argentina da CONCACAF" disputam esta eliminatória como se fosse a última antes do mundial da Rússia. Bem, para eles poderá ser a penúltima, mas muito antes dos russos começarem a pregar os espigões para montar a tenda, pois a seguir defrontam o Suriname, que não é uma pêra-doce, como é esta...esperem um segundo. Já está: "Anguilha". Peço desculpa pela interrupção mas cada vez que dou com uma palavra que nunca ouvi antes em 40 anos de vida preciso de revê-la umas cinco ou seis vezes, para ter a certeza que não confundo com outra coisa. Neste caso podia sair uma "braguilha" ou uma "conquilha", mas já lá vamos. Percam com quem perderem, os pedantes da Nicarágua vão sempre dizer que foram eliminados "pela equipa que viria a ser eliminada por outra que perdeu para aquela que se qualificou, e que na Rússia ficou no grupo da outra que viria a sair no quartos-de-final frente à semi-finalista que perdeu para a finalista vencida" - e apenas por causa deste ínfimo detalhe não foram eles os campeões do mundo. Reparem como jogam num estádio com dimensões semelhantes aos de um país dos primeiros 120 lugares do ranking da FIFA, de como o público vibra, e como têm jogadores com nomes decentes, casos de Luis Galeano, Alejandro Tapia ou Marlon López, que até não ficam nada mal quando imprimidos nas camisolas. Anguilha não merecia isto.

Enguias. Ou golfinhos, tanto faz, é tudo peixe de qualquer das formas. Uh...bem, deixem para lá...

Esta "Anguilha", que é mais um daqueles paraísos fiscais das Caraíbas porque só dessa forma conseguem que alguém pronuncie o nome do país numa circunstância qualquer, foi baptizada pelos espanhóis, que lhe quiseram dar o nome de "enguia" ("anguilla" é enguia em castelhano, por supuesto). É talvez por isso que no brasão nacional do país aparecem três golfinhos a saltitar, e o território é hoje um protectorado britânico e membro de pleno direito da "Commonwealth" - é apenas natural e lógico, atendendo à sua História. Não sei se os habitantes deste magnífico território de que nunca tinha ouvido são os anguilhanos, as angulhas, anguilhenses, anguilhinos ou outra cautela mas com terminação diferente, mas se não acertei, peço desculpa aos 13,452 habitantes de Anguilha, e dos quais uma percentagem vai certamente assistir ao jogo da segunda mão deste duplo embate com a Nicarágua no dia 29 e The Valley, capital da Anguilha. Os 1067 habitantes desta "cidade" já deixaram saber que os nicaraguenses são bem vindos, desde que "não façam muito barulho e não chateiem muito". Já agora pediam também aos jogadores da equipa adversária para que na eventualidade (muito provável) de marcarem um ou mais golos, que comemorem com uma coreografia ao jeito do "calipso", ou que usem uma das balizas para simular os passos de um "limbo". Daquela forma, aos berros e todos cabeludos, é que não pode ser.



Golos para todos os gostos tivemos na partida entre as ilhas de S. Cristóvão e Nevis e as também ilhas Turcas e Caicos, ambas elas mais conhecidas por serem...isso mesmo: paraísos fiscais. Aliás essa deve ser a sua única razão de existir, ou caso contrário já tinham sido usadas para testar bombas nucleares, até se tornarem áridas e inabitáveis. Quem esteve no dia 23 (outra vez, um dia destes) no Warner Park em Basseterre, capital de S. Cristóvão e Nevis, não deu o seu tempo por perdido, pois a equipa local deixou o adversário em "caicos" (eh, eh) com uma goleada de 6-2! Ena pá! Como tudo tem uma explicação - menos a origem do universo e o sentido da vida - também este desnível entre duas equipas com o mesmo "background" (ou seja, nenhum...) tem uma explicação. Enquanto os jogadores da equipa visitante jogam na sua quase totalidade no vulcânico mas pouco competitivo campeonato turquense-caicense, S. Cristóvão e Nevis conta com alguns profissionais na sua equipa, incluindo Harry Panayiotu, um jovem de 20 anos que pertence ao plantel do Leicester City, da Premier League inglesa. Provavelmente o rapaz nunca tinha ouvido falar deste cu de judas atirado lá para os Sargassos, mas sendo eke nascido em Inglaterra, filho de pai cipriota, e com uma auto-estima que o leva a não acreditar ser capaz de representar o seu país natal ou o do seu pai, aproveitou o facto da família da sua mãe "ter raízes em S. Cristóvão e Nevis" para abraçar aquela pátria desconhecia por completo e que ainda pouco sabe. A qualidade do vídeo com o resumo da partida diz muito sobre a qualidade da mesma, mas a julgar pelo entusiasmo do comentador de serviço, em S. Cristóvão fumam-se coisas boas.



E despeço-me com um jogo que só deu um golo mas que teve vários motivos de interesse: Barbados - Ilhas Virgens Americanas, que terminou com uma vitória dos visitantes pela margem mínima, mas teve duas grandes penalidades desperdiçadas pela equipa da casa. Os Barbados, que talvez por causa da frondosa capilaridade facial, que lhes causava comichão, falharam dois "penalties" que poderiam ter mudado o rumo do encontro. Do encontro não, da História! Assim sendo, as virgens americanas saíram de Bridgetown ainda virgens, e se fossem suecas ou russas talvez cantasse outro galo - era só as bolas terem entrado. Os adeptos de Macau desta mini-liga dos paraísos fiscais devem estar curiosos quanto ao desempenho da sua selecção preferida: as Ilhas Virgens Britânicas. Ora bem, estas só jogam hoje (ou amanhã, dia 26 de lá, pronto) frente à selecção da Dominica (não confundir com a República Dominicana, que "dessa ouviram falar", já sei). E fiquem descansados que os dois jogos serão realizados em Roseau, na Dominica, e não se arriscam a que apareça um "domingueiro" qualquer lá pelo Offshore Incorporations Centre em Road Town, Tortola, a meter o nariz nas vossas sociedades que detêm a titularidade dos imóveis mais caros situados no centro histórico de Macau. Seus marotos. Ficarei atento e darei conta do resultado desse jogo, assim como do desafio entre Curação e Montserrat, que encerra a primeira mão desta pré-eliminatória. Em jeito de "game preview", vou adiantando que Curação é a mesma que dá o nome ao "mixer" com que se faz o Banana Daiquiri e outros "cocktails", e que era uma colónia holandesa antigamente conhecida por "Antilhas Holandesas", e entretanto dividida em duas nações independentes, este Curação, e ainda S. Maartens. Montserrat era uma pequena ilha que esteve para desaparecer há vinte anos devido à erupção de um vulcão, e a população chegou mesmo a ser evacuada. Como é possível constatar agora passado todo este tempo, e com a ilha ainda à tona de água e sem rios de lava a correr sobre a sua superfície, Montserrat continua a existir, e ao ponto de ter uma selecção de futebol e tudo, vejam só.

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