segunda-feira, 30 de março de 2015

O indefensável indefeso



Este é o rosto do pesadelo para os familiares e amigos das vítimas do acidente do voo 9525 da companhia de baixo custo Germanwings, que na terça-feira da semana passada se despenhou com 150 pessoas a bordo, entre passageiros e tripulação. Ou seriam antes 149 vítimas, mais o homicida-suicida que os conduziu até à morte , cruzando os céus como um piloto dos infernos com a missão de levar consigo o maior número possível de alminhas, todas as que encontrar no caminho dos danados que Lúcifer lhe mandou percorrer, escolhendo-o pessoalmente e a dedo para o efeito? Pode ser que seja um retrato como este, ou pior, que muitos pintam de Andreas Lubitz, e não será arriscado apostar que quanto mais próxima for a ligação com alguma das vítimas, maior é o ressentimento, e mais agravado o desaforo. Entende-se tudo o que possa dizer em jeito de desabafo, que é algo que dizem que alivia, e que faz bem - mais mal não pode fazer, certamente.

Quando o tempo sarar as feridas e este episódio for arquivado no já (infelizmente) amplo arquivo dos episódios trágicos e lamentáveis, as referências a Lubitz não serão do cariz daquelas que normalmente se lêem nas lápides tumulares nos cemitérios, e que apesar da sua temática taciturna e deprimente, redimem-se pela natureza de homenagem ao ente querido contida na mensagem, e que interpretamos como um prelúdio de eterna saudade. De Lubitz ninguém terá saudades, mesmo que isto não seja verdade. A impossibilidade de perdoar quem cometeu um acto imperdoável leva a que se interiorize todo e qualquer sentimento de comiseração ou dó, evitando a todo o custo exteriorizá-lo, e ficar à mercê dos justiceiros de pacotilha, para quem o sangue derramado só pode ser vingado com ainda mais sangue derramado, e chamam a isto "justiça". Como quem não deve não teme, aproveito para expressar a minha compaixão pelo homem que todos se apressaram a julgar, usando para esse efeito tudo e mais alguma coisa que apanharam dos media para usar como pregos para crucificar o que nem tem uma ponta por onde se pregar. Foi mau, teve um comportamento horrível, e não está cá mais para pagar por isso. Acabou-se, finito, kaputz, e não é por estar a falar de fora que o faço com "frieza", e pode haver quem esteja a pensar qualquer coisa como "se fosse com a tua família queria ver se pensavas assim". Claro que demoraria mais tempo a assimilar a tragédia se me dissesse respeito directamente, mas é por isso que as feridas cicatrizam. Se temos um golpe a sangrar e por causa disso nos é facultada a simpatia alheia, não vamos abrir esse golpe quando começar a fechar só para perpetuar esse estado de coisas, só porque nos faz sentir especiais, ou um objecto de atenção e estima. Tudo tem um limite, nem que esse limite seja imposto pela saturação, pelas marés que vão e vêm.

Não estou aqui a fazer de advogado do Diabo, ou a branquear o acto hediondo cometido por Andreas Lubitz, mas sendo ele e só ele o único responsável pela conduta desastrosa e o acto de egoísmo que o levou a não considerar que aquelas pessoas que ele tinha por obrigação transportar em segurança não tinham culpas do cartório, fosse qual fosse a razão da sua amargura, para quê perpetuar o ódio, se daí não se vai tirar qualquer satisfação? Nem sequer de vingança. Sim, claro, está no direito de se matar, se for essa a única saída para a sua aflição, uma vez que tentou tratar-se, ou pelo menos tudo aponta nesse sentido, mas a sua angústia era maior que a vontade, mas devia fazê-lo sem prejudicar inocentes, isto é dos livros, mas o que querem dele, agora que ficou reduzido a cinzas? Fico aliviado por saber que não tinha filhos, pois se por um lado temos uma crueldade que se manifesta atirando um avião contra uma montanha, por outro lado temos a que culpabiliza inocentes pela morte de outros inocentes. Para que a culpa não morra solteira, vamos encontrar um magala jeitoso para casar com ela, e se ele se recusar, obrigamos-lo. Tenho pena dos seus pais, que deixaram de ser um casal normal para ficarem conhecidos pelos "pais do assassino". Estou a exagerar? Sabem tão bem quanto eu que é mesmo assim, e mesmo quem se abstenha de tomar a parte pelo todo vai pelo menos ficar com sérias reservas em relação às pessoas que se calhar antes até tinha em boa conta. No fim fico a pensar se não seria melhor se na altura em que cometeu aquele acto irreflectido e irresponsável, não teria sido melhor para Lubitz ter berrado "Allah Akbar", "Euskal Herritarrok" ou outra coisa que lhe sacudisse a água do capote. Sempre era um comportamento mais em conformidade com o mundo que deixou, levando com ele quem agora não pode ficar do lado da fora a julgá-lo.

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