sábado, 7 de março de 2015

Cada vez mais longe (para ficar mais perto)


Escrevo estas modestas e inconsequentes linhas na noite de Sábado, e quando forem publicadas será Domingo de manhã, 8 de Março, data em que se assinala mais um Dia Internacional da Mulher. Não sei por onde começar a respeito dessa efeméride, mas penso que deveria dizer qualquer coisa? Parabéns e felicidades? Boa sorte? E não, não estou a tentar armar-me em engraçadinho ou a fazer-me de parvo, e alguns devem estar agora a pensar "como costume" (é a vossa prima, ó palonços/as). Estou a falar a sério, e seu eu fosse mulher considerava este "destaque" humilhante, desnecessário e inútil. Sei que a maioria (será?) das mulheres não pensam da mesma maneira que eu, e que vêem no Dia da Mulher "uma oportunidade para sensibilizar para os problemas que muitas mulheres enfrentam, as mães que trabalham, as esposas agredidas pelos maridos, outras forçadas a entrar no mundo da prostituição, blá, blá, blá", já parece um disco riscado. Tudo bem, têm razão, mas por essa lógica assinalar este dia legitima todos os outros em que as mulheres são abusadas ou discriminadas - e não pensem que aquelas que são vão ter hoje alguma paz e sossego, só porque é o dia "delas". Nope, aquilo é a doer, e muitas das senhoras que falam fazem-no de barriga cheia, e perdoem-me a sinceridade. Discutir este assunto da discriminação pelo género é um pouco como discutir o racismo, com uma diferença fundamental: ao contrário do "racismo", que não passa de uma invenção parva com segundas intenções, o machismo existe mesmo. Vejam com nem coloco a palavra entre comas, pois este machismo é como a água do Luso, tão natural como a sua sede. Mas já lá vamos.

Estava há bocado aqui a escrever e a pôr a leitura em dia, e passava na TV aquele programa do Júlio Isidro cujo título não me recordo, mas onde ele convida um entrevistado que foi figura pública no tempo do Matusalém, e os que ainda se recordam, julgam-nos já falecidos - não sei o programa se chama "Olha, este ainda está vivo?", mas era um título que lhe assentava como uma luva. Contudo, no programa que estava a passar ontem e que me fez prender a atenção por instantes era convidada Maria Antónia Palla, escritora e jornalista, e uma das primeiras mulheres a entrar na redação do Diário Popular. Incidentalmente, é ainda mãe de António Costa, sim, esse, o primeiro que nos vem à cabeça das dos milhares de António Costas que existem na Terra. Curioso como o presidente da câmara de Lisboa e líder "chuchalista" é um projecto que Maria Antónia Palla, mulher muito à frente do seu tempo (no seu tempo, entenda-se...) desenvolveu em com Orlando Costa, também ele um consagrado escritor, homem inteligentíssimo e com descendência que passa pela antiga realeza brâmanica de Goa! Com tão distinta linhagem, começo a pensar que António Costa é adoptado. Mas epá, tomates para o gajo, que a senhora sua mãezinha, apesar de ter mais de 80 anos, consegue bater o filhote em quase tudo. Para começar é muito mais graciosa. É o que dá, as más companhias com que o filho anda: Sócrates, Mário Soares...enfim, kagemos neles.

Maria Antónia Palla foi ainda opositora ao Salazarismo e combatente anti-fascista, como era qualquer pessoa com o mínimo de educação, cultura e bom senso que não tivesse ainda fugido do país. Foi a primeira pessoa, atenção, PESSOA a defender publicamente a legalização do aborto, e por conta disso esteve a contas com a censura - estávamos em 1976, dois anos depois da chegada da "democracia". Interessante, ah? Foi na série de documentários "Mulher", apresentado pela própria, e onde afirmou que "o aborto não é crime". Pronto, digamos que tecnicamente estava enganada, e se moralmente esse julgamento pertence a cada um de nós, aos olhos da lei a prática do aborto era crime sim, e houve mulheres que estiveram presas por fazer aborto, ou por cumplicidade no aborto alheio. Tempos difíceis, e quem "lixou" a Maria foi a maternidade Alfredo da Costa, cuja direcção apresentou queixa contra a apresentadora por "prática ilegal de medicina". No fim levou "apenas" com uma acusação de atentado ao pudor, de que foi finalmente absolvida em 1979, e o seu caso judicial viria a servir de pedra basilar ao projecto legislativo que hoje temos, e que permite a interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas após a concepção. Foi uma pioneira, a Maria Antónia Palla, raçuda, uma feminista a sério. E era feminista sem ser lésbica, e não fiquem chocados com isto que estou aqui a afirmar, pois se este preconceito existiu - e ainda existe, mesmo que de forma residual e hoje tenhamos muito mais tolerância - é porque em muitos casos era mesmo verdade. Não que as lésbicas me incomodem, mas torna-se um pouco chato quando as únicas mulheres que tinham coragem de bater o pé e fazer pela vida eram também elas..."homens". Sim, para ser homens só lhes faltava os "tomates" no sentido literal, pois no sentido figurado tinha um ali um belo par deles, e no sítio.

Actualmente com 81 anos (não lhe dava mais que 79 e 11 meses), Palla lançou em Outubro passado uma autobiografia a que deu o sugestivo título "Maria Antónia Palla - Viver pela liberdade". Deve ali contar um sem número de episódios interessantes da sua já longa vida, e respeitável carreira como mulher das letras. Uma curiosidade interessante que deixou escapar na conversa com Júlio Isidro prende-se com o facto de no seu tempo não se ver com bons olhos a vinda de mulheres para a carreira do jornalismo. Porquê? Porque assim os homens "não ficavam à vontade". E e o que quer isto dizer? Que com uma mulher à volta não podem dizer caralhadas ou referir-se a esta ou outra fulana como "aquela p...", coçar o escroto quando lhes apetece, arrotar, ou até dar um traque de vez em quando e fica tudo bem, pois está-se "inter pares", tudo isso que os homens fazem - pelo menos não formamos filas de quilómetros nos lavabos públicos, como fazem as mulheres que demoram por lá meia hora a fazer sabe-se lá o quê. Com uma mulher no ponto chega a ser preciso tomar banho todos os dias, para não denunciar a nossa natureza de badalhoco, comum à natureza humana no género masculino, e sobretudo "ter tento na língua", como se as mulheres fossem feitas de vidro, e desmaiam quando escutam uma profanidade. E "last but not least", como é que dava para falar das escapadelas pelos atalhos ocultos do casamento, entre outros temas de conversa marcadamente masculinos? Vou adiantando que não sei se é verdade nem me interessa, mas segundo as telenovelas, as mulheres também partilham entre elas as suas "aventuras" romântica, e em alguns casos, pasme-se, as facadas que dão no matrimónio. Deve ser por isso que as mulheres têm tendência para se odiarem umas às outras.

A Maria Antónia Palla foi a primeira jornalista "a sério" em Portugal (há por cá muito boa gente que devia olhar para este exemplo), uma das primeiras a entrar numa redacção de um jornal. Não foi a primeira, e já antes se tinha destacado uma tal Maria Virgínia de Aguiar, que foi despedida depois de ter contraído uma doença das mulheres: a gravidez. Ai não é doença? Pois não, dizem que não é, ou é apenas quando "dá jeito". É especialmente em ocasiões como o Dia Internacional da Mulher que se debate temas e se discute questões como a "igualdade entre géneros". Meus amigos, e neste caso em especial, minhas amigas: atentem à própria semântica da expressão. Igualdade? Entre géneros? Estamos aqui a falar de dinheiro, é isso? É dinheiro que vocês querem? "Ah lá estás tu, não é isso, e tal". Então o que é, afinal? Querem ter também uma pila, é isso? Ah...acesso igual ao mercado de trabalho, etc.,etc.. Hmmm...talvez para chegar lá fosse necessário converter as vossas camaradas que acham que não precisar de tirar o cu da cama de manhã cedo e ir bulir é que é vida - e sabem que mais? Têm toda a razão, e quem ainda não percebeu que só trabalha quem não pode mais, um dia vai-se converter também a esta escola de pensamento muito na moda, não se preocupe. Perguntem à jovens chinesas, que quando questionadas sobre "que qualidades deve ter um marido", 80% responde "dinheiro, para eu não precisar de trabalhar".

O machismo na sua forma pura e dura, ou "dura só às vezes, que vão sendo cada vez menos", do tipo Zézé Camarinha e afins, é não só uma palermice como ainda tem o seu "je ne sais quoi" de rabichice. Quem é que gosta de passar o tempo sempre na companhia de homens, que têm pelos e cheiram a cavalo? A testosterona, que no seu ponto óptimo - que é péssimo, passo o paradoxo - produz o mesmo efeito da bagaceira. É por isso que me assusta essa tal conversa da igualdade de géneros, e discriminações positivas e o diabo a sete. Claro que existem no mundo mulheres que são tratadas abaixo de cão, e de certeza que são muito mais que aquelas que correm por prados e bosques de cabelos ao vento, em plena liberdade. Mas é curioso como são as que têm menos razão de queixa que vêm neste dia falar pelas outras, as que comem caladas e não se atrevem a piar, mesmo que baixinho. Nem um "mas..." chega a sair daquelas boquinhas de pardalinhas sem que paguem pelo atrevimento com uns dentes a menos, ou um olho roxo. É que por mais simpatia que a causa feminista mereça da minha parte, tenho a noção que nas sociedades onde as mulheres são abusadas, os problemas não começam nem acabam nesse em particular. Uma mulher, ou homem, no fundo qualquer pessoa com o mínimo de bom senso guarda uma reserva quando aborda um problema sem conhecimento de causa. Foi o que eu quis mais acima com aquele "falar de barriga cheia". Acho graça como as mulheres pensam que só elas são vulneráveis às agress­ões, quer físicas, quer psicológicas, e que à conta disso tenham chamado a si todo o protagonismo na questão da violência doméstica. Afinal somos homens e mulheres, ou super-homens e mulherzinhas?

Não me levem a mal se eu acho que assinalar algo como um dia dedicado à condição é meter as mulheres no mesmo saco que os idosos, deficientes e outros marginalizados e inadaptados. Ou inimputáveis, como no caso das criancinhas, que têm o "seu" dia também, a 1 de Junho. E como se pode falar de igualdade partindo daqui, de marcar um dia para recordar que são diferentes, não no bom sentido, de que são bonitas, portáteis e cheiram bem, mas no sentido de que são inferiores, e precisam de festinhas, e já agora um ossinho para ir roendo enquanto conspiram contra os malvados que não lhes fizeram nenhum mal - mas podem fazer, ah!, vejam o exemplo das que são pisadas, torturadas, espancadas, traficadas, e tudo isto longe, muito longe da nossa (vossa) realidade. É o mundo que temos, enfim. Foi você que pediu. Mas deixem lá, se realmente isto vos diz assim tanta coisa, então feliz Dia Internacional da Mulher para vocês, e se vos faz felizes, permitam-me que acrescente: "obrigado".


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