terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Você disse..."bom senso"???



Existisse uma aplicação no "Blogger" que desse para colocar algumas imagens num altar igual ao dos santinhos e cheio de velinhas com muita gente devota à sua volta, esta era uma delas. E já sei que estão a pensar que já estou a começar a armar-me em parvo, e não respeito ninguém, blá blá blá, mas desta vez juro que estou a ser 100% sincero, genuíno e puro. Se me quiserem beber tenham cuidado, e juntem um galão de água por cada colher de chá de pó de Leocardo, tanta é a pureza que por aqui vai. Mas vejam lá se não é como estou a dizer: na imagem estão duas pessoas boas, que não querem mal nenhum a ninguém, antes pelo contrário, e que batalham com todas as forças para levar a bom termo os seus objectivos - e convido qualquer um a desmentir em parte ou na totalidade isto que estou aqui a dizer. O que torna esta imagem tão especial é o facto de estar alguém tão bom, e que por ser quem é, assim tão bom que até ofusca o sol do meio-dia com os raios de bondade e "recebe aprovação unânime" pela sua capacidade de gestão e resolução de problemas, agracia com o devido reconhecimento outra pessoa que tanto lutou por uma causa tão justa como é a criminalização da violência doméstica. É sempre um pequeno milagre quando nasce um novo crime. Esperem um momento enquanto enxugo uma lágrima em forma de pérola que acabou de descer pelo meu rosto de querubim. Pronto, já está.

A irmã Juliana Devoy tem sido o rosto dos outros rostos que têm o azar de amiúde fazer de saco de pancada: as vítimas de violência doméstica. Eu até diria que ela é a maior autoridade no assunto, e sabe melhor do que ninguém o que é a violência doméstica, mas não posso, porque se eu mentir o Menino Jesus vai ficar triste, e eu não quero que isso aconteça, e a irmã quererá muito menos que eu (acho...). É que a relação marital da irmã Juliana Devoy não é a mais convencional, a mais comum, aquela que tanto eu como o leitor ou a leitora conhecem, de pessoas com pessoas, entendem onde eu quero chegar? Ainda bem, que não me está a apetecer chamar ao assunto entidades que tanto podem existir, como muito bem serem produto da manipulação dos homens para exercer poder e influência sobre outros homens igual a ele. Adiante. Mas apesar de quem a irmã escolheu amar não ter por hábito chegar-lhe o hábito ao pêlo, reconheço que tem muito mais autoridade para falar no assunto que a maioria de nós, pelo menos em Macau. No centro Bom Pastor, onde auxilia vítimas desta tal violência doméstica que vai agora passar a ser crime público, terá escutado relatos horríveis de combates de boxe conjugal, onde um dos lutadores recebe instruções para deixar o outro ganhar por KO, sem poder sequer levantar um dedo, ou pedir que lhe batam "com jeitinho". Não duvido por um único instante que a irmã Juliana Devoy sabe do que fala, e é pelos caminhos do bem que ela vai, e foi pelo bem das vítimas da violência doméstica que lutou pela criminalização destes actos barbáricos. Ponto assente. A propósito parece que os abusos sexuais a menores foram também criminalizados, e agora só falta castigar os animais irracionais que maltratam os outros da sua espécie, e pode ser que finalmente Macau passe a ter animais mais ou menos racionais.

Mas tanto progresso faz-me doer o cabelo, portanto vamos ficar apenas pela violência doméstica. Já que deixei bem claro que as intenções da irmã Juliana Devoy são as melhores, gostava também de renovar as fortes reservas quanto a esta lei, e que mantenho desde início. Não é tanto pela lei propriamente dita, quinta essência de qualquer sociedade moderna e civilizada. O problema não o objecto, mas o conjunto de abjecções que daí pode resultar, e que me levam à objecção do conceito de "violência doméstica" a que esta lei se aplica. Isto porque seja quem for, onde for e com quem estiver e independente se chove ou faz sol, em Macau "violência doméstica" é aquilo que a irmã Juliana Devoy vê: mulheres que de tanta porrada que levaram são confundidas na rua com imigrantes do Quénia. E "mánada". Se a Mariazinha parte os pratos todos nos cornos do Zezinho é porque "ele andava a pedi-las, o malandro", mas se o Zezinho empurra a Mariazinha para esta não lhe arrancar aquele bocado do braço onde os seus dentes ficaram agarrados, ou que o cegue com as unhas de tigresa-princesa, isto é "violência doméstica". E o que é que tem se a pobre vítima tentou decepar o mangalho daquele bandido com um daqueles facalhões japoneses que com um único golpe cortam ao meio uma lata de polpa de tomate das grandes? Ele que se vá meter com alguém do seu tamanho, pá! Se calhar o safado andava a pedi-las, pois andou com outras lambisgóias, e naqueles dois minutos que foi à rua com o pretexto de comprar cigarros foi fazer uma orgia, e desconfio que até começou a fumar aos 14 anos já com isto em mente, o...o...premeditador da violência doméstica! Depois leva doenças para casa, que passa para a sogra, para a filha e para a empregada, enquanto a coitadinha da mulher anda aí a roçar-se aos cantos, à míngua, a tem que pedir aos amigos que encarecidamente lhe dêm um sushi de pila por trás e à bruta com molho Bachamel na cara toda, para ela não morrer de fome, coitadinha. Monstros! Prisão com eles, já!

Conclusão: a mulher é o "sexo fraco", e nada a fazer. E quem tem a culpa? Bom, eu prometi que não O trazia para este assunto, mas...quem? O, sabem, o "O" e não o "o"? Esse mesmo. É que no livro da Genesis, da compilação dos maiores êxitos do divino a que deram o de Bíblia, diz que o homem dominará a mulher, mas não porque Ele queria assim, que disparate, onde é que já se viu tal coisa? Aconteceu, pronto, foi...hmmm...culpa do outro. Dos outros. Olha, é como em Macau, onde a culpa nunca é de ninguém. A omnipotência é de tal ordem que até na impotência é omni-impotente. Mas já chega de disparate, que este livro já toda a gente leu e releu, e quem não leu viu o filme: "Se nos ama e é todo-poderoso, porque deixa que nos aconteçam coisas horríveis?". A irmã também já leu esse livro e viu o filme, bem como leu muitos outros livros e viu filmes de sobra para saber que o argumento da "mulher submissa e dependente do marido" já não colhe entre as mulheres, e nem sequer em Macau, de tão exigentes que se andama a tornar, as finórias. Por isso, quando lhe falam da eventualidade desta lei dar cocó, opta por outro exemplo: "um pai que dá uma palmadinha no filho que se portou mal, isto não é violência doméstica". Não? Então, no que é que ficamos, é para bater ou não é? Opá já sei, não vamos agora ficar aqui a discutir o que é mais ou menos força, senão já parece um concurso de braço-de-ferro, e não quero que venham para aí aqueles tipos gordos de bigode, cheios de tatuagens, montados numa Harley com casaco de cabedal.

E é então que a luz divina acende a aura angelical da irmã Juliana Davoy, e que a leva a apelar "ao bom senso das autoridades". Ah, irmã, irmã...ponha os olhos que o Criador há-de sentar ao lado dos Seus enquanto os meus são devorados pelos vermes famintos nesse outro anjinho aí ao seu lado. Imagine lá você que aqui há dias ele foi obrigado a apresentar desculpas pelo excesso de "bom senso" que fez com que uma criança de um ano de idade fosse proibida de entrar em Macau por ter o mesmo nome de um conhecido activista, e que consta de uma "lista negra", que ao contrário da lei que criminaliza a violência doméstica, ninguém sabe do que consta, e por isso ainda existe o benefício da dúvida (será?). Agora imagine a irmã que o sacana do puto anda tão mal sintonizado que o pai lhe resolve "endireitar a antena" um bocadinho, para apanhar melhor os canais. Entra a polícia, mas os SAFP, o CCAC, o GPDP e o Santo Ofício por ali dentro, teje preso, e mesmo que o miúdo diga que andava a pedi-las, nada feito: "AHH...LEI DIZELE NÉ? NÃO PODI ENTÃO NÃO PODI. E TU SELE VITIMA, CALALO!".Vai ser bonito, vai. "Bom senso", irmã Juliana Devoy, é uma qualidade das pessoas de bem que merecem coisas boas, como esta lei, que tem por fim a protecção dos mais fracos, portanto é do bem. Mas não sei se estamos preparados para tantas "coisas boas", sabe? Quando Ele lhe pede para ter fé nos homens de boa vontade, se calhar o melhor ver onde põe o pé, que esse caminho é pouco iluminado e as águas por onde se navega são turvas. Só pelo sim, pelo não, entenda-se. Um bom ano para si, e desculpe não dizer aquilo que se diz nestas despedidas, pois tenho a certeza que nem é preciso eu pedir, que Ele a abençoa na mesma. Amen.

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