Coincidindo com o anúncio de Chui Sai On que dá conta da persistência na queda das receitas do jogo pelo menos durante os próximos seis meses, o
artigo da última quinta-feira do Hoje Macau debruça-se sobre esse mesmo tema, mesmo que no contexto do valor da "face" na cultura chinesa. Tenham um bom feriado de 8 de Dezembro e obrigado pela companhia.
Na semana passada abordei o tema da “face”, esse valor quase sagrado na cultura chinesa, um dos poucos bens, senão mesmo o único, inquantificável, intransmissível e inalienável. Contas com dinheiro são uma ciência exacta, mas já as contas da “face” remetem-nos para os meandros da metafísica. Se fizer um favor a um chinês e ele quiser recompensá-lo, pode recusar uma vez, por educação, dizendo-lhe que “não tem importância”, mas se ele insistir, é melhor aceder, pois significa que ele lhe está a pedir para você “lhe dar cara” – a “face” dos outros não se guarda, e quanto mais rapidamente a devolver, melhor. E isto de “dar cara” tem muito que se lhe diga, pois até neste particular olha-se a quem antes de fazer o bem. Assim há pessoas a quem “não é preciso dar cara”, ou seja, alguém a quem é indiferente o que pensa ou o que diz de quem supostamente lhe fez perder “face”.
Olhemos para nós, cá para dentro da nossa casa, e para a qualidade de vida que temos em Macau. Depois olhemos para os indicadores do Banco Mundial, que nos dizem que a RAEM tem o quarto maior PIB “per capita” do mundo, à frente de países como a Suíça, a Austrália e o Canadá. Não vivemos tão bem como os suíços, os australianos ou os canadianos, longe disso, portanto onde são aplicadas as 60 mil patacas mensais que segundo o Banco Mundial cada residente produz é uma incógnita, mas não vemos quase ninguém a fazer essa pergunta. Por outro lado persiste a animosidade quanto ao número cada vez maior de trabalhadores não-residentes (TNR), cuja maioria aufere rendimentos dez, quinze ou até vinte vezes inferiores aos números do PIB “per capita”. Nem os TNR entram na equação do Banco Mundial, nem os residentes de Macau se importam que se façam “contas de mercearia” na hora de distribuir a riqueza, mas ai dos filipinos, indonésias e afins se por acaso o Governo lhes atribui um subsidio extra de 100 ou 200 patacas (a serem pagas pelo empregador, lógico), que não se livram do habitual “voltem mas é para a vossa terra!”, sentença padrão do tribunal popular local.
Ainda dentro desta esfera dos “forasteiros” há ainda outro fenómeno interessante: os turistas do continente, os tais que tornam a via pública impossível de circular à vontade e esgotam o estoque de leite em pó das prateleiras dos supermercados e das farmácias. São um estorvo para os residentes, mas sem eles não tínhamos o tal PIB que outras economias certamente invejarão. No fim da vindima o dinheiro ganha sumiço, e são os residentes quem mais sofrem com a maré de visitantes. Conclusão: a culpa é destes últimos, e o facto de existirem terceiros que lucram estupidamente com isto e não precisam de andar na rua ou comprar leite em pó é irrelevante; não se trata aqui de uma questão de milhões ou de centenas de patacas, mas de quem beneficia – como se atrevem em vir de lá de não se sabe de onde para nos enganarem numa pataca que seja? É que a estes não é preciso “dar cara”.
Os taxistas, uma espécie de novéis “maus da fita” cá do burgo, também conhecidos por “corsários do asfalto” pela forma despreocupada com que cobram tarifas criminosas pelas corridas, e ainda inflacionadas conforme a urgência do utente (se não passassem de uns pindéricos armados em espertalhões, eu até diria que leram Maquiavel), são um dos grupos que mais sai a ganhar neste “jogo da face”. O problema não é de todo recente, e já se falava de taxistas desonestos que “pescavam” clientes e cometiam outras trafulhices praticamente desde a inauguração dos primeiros hotéis-casinos das concessionárias norte-americanas, já lá vão quase dez anos. Acontece que a forma com que se encaram estas questões em Macau – e agora permitam-me que recorra a um pouco de (mau) humor negro – é semelhante à do doente a quem é diagnosticado um tumor maligno, e quando lhe perguntam quando deseja iniciar o tratamento ele responde: “depois do funeral” – foi a mesma coisa com a especulação imobiliária, enfim.
Reparem como a única associação que tem feito alguma pressão para o Governo meter os taxistas na linha partiu da iniciativa de estrangeiros a viver no território, enquanto os locais, mesmo reconhecendo a existência do problema, encolhem os ombros. E onde estão os democratas para convocar pelas redes sociais uma manifestação de vinte mil alminhas que leve o Executivo a procurar soluções de forma convicta, em vez de andar a propor timidamente “medidas” que não passam do papel e não são mais que paninhos quentes? Mais depressa convocam uma manifestação a favor dos direitos dos animais ou dos LGBT – a comparação entre ambos é meramente acidental.
Mas não se pense que os nativos de Macau, vulgo “oumunyan”, são permissivos e mansinhos. Se viajam para o continente, Tailândia ou outro país da região põem as tripas de fora a regatear dez yuan por uma camisola ou trinta baht a mais por uma viagem de táxi que convertida ao nosso câmbio e atendendo à realidade em que vivemos é tão barata que parece quase uma boleia. O que se passa é que os tais taxistas da RAEM são desonestos, mas são dos nossos, “da malta”. Lá fora é outra conversa, e é preciso dar o exemplo, bem como marcar o nosso território. É que até nestas coisas de “espremer o sumo” aos turistas, há que atender ao “pedigree”; .Não se esqueçam que afinal viemos da economia com o quarto maior PIB “per capita” do mundo. Respeitinho, meus meninos, respeitinho…
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