quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

O caminho da verdade (e os outros)



Disse aqui no outro dia que "o meu único compromisso é com a verdade", e isto é apenas parcialmente...verdade. Há quem tirar outra interpretação deste texto, mas garanto que se trata apenas de um daqueles exercícios de expressão igual a muitos que vão encontrar se consultarem o arquivo deste espaço, que no seu oitavo ano de existência conta com 11280 entradas, incluíndo esta. O que fui procurando fazer durante todo este tempo em que tanto o blogue como o seu autor passaram por inúmeras metamorfoses foi basicamente manter um "diário" - qualquer coisa onde registe o que se vai passando em Macau, em tempos a nossa "pérola do Oriente" e hoje RAEM, um território inserido num contexto geopolítico de indecisão, entre o regime totalitário que vigora naquele que é "apenas" o país mais populoso da Terra e as pressões inerentes a essa condição, complicado que se torna gerir o totalitarismo na sua totalidade. Nesta empreitada que tem sido o Bairro do Oriente, evitei a tendência para o poster ilustrado, para o cartão postal, de tantos que Macau já tem. Infelizmente para nós que aqui vivemos, vai sendo possível ao visitante que chega a Macau perceber que já não estamos mais naquele cantinho do sul da China, o jardim na praia, a posse colonial fortificada, tudo isso que esta terra chegou um dia a ser, e que por isso se quedava tão encantadora e pura. O que mudou nestes 15 anos que passaram foi sendo documentado na forma de fotografia, crónica, reportagem, de qualquer jeito, ou através de imagens ou documentários, foi assim que se foi fazendo História. Quando se fala da História, daquilo que fica para que todos os que vêm depois de nós olhar e sentir, a verdade torna-se o único caminho. Ou depende? E que outro caminho ou caminhos existem?

É claro que eu minto, assim como toda a gente mente. Destes "vícios" de que não nos orgulhamos há que tomar a dose certa, exercer uma certa moderação. Os caminhos da verdade e da mentira são meramente transitórios, separados apenas por uma faixa e uma cerca baixinha, e com alguma sorte muda-se de faixa sem que ninguém dê por nada. Podemos optar sempre pelo caminho da verdade - e recordo que falo da verdade do dia-a-dia, a "verdade comum" - mas há sempre uma encruzilhada onde se pode optar pela mentira. E mentir não custa tanto assim, dependendo do tamanho e dos efeitos que a mentira pode vir a tomar. Já todos mentimos para nos protegermos, para proteger alguém, por despeito, voluntariamente ou obrigados, e no fim até nos divertimos, ou não, se ficamos zangados porque nos fizeram mentir sem querer, ou nos arrependemos - e às vezes também pode ser que fiquemos arrependidos de dizer a verdade. Dê por onde der, temos a cobertura do nosso livre arbítrio para equilibrar esse tempero agridoce que é a verdade e a mentira, e uns conseguem fazer isto melhor que outros. Do caminho que escolhermos depende o nosso destino, e a não ser que um deles nos faça pagar um preço demasiado caro, mas diz-se que "enquanto há vida, há esperança", e não é por acaso, pois o único destino que não nos deixa mudar de direcção é o último. Mas então é assim tão simples? Verdade e mentira, mais respectivas consequências. Eu diria que não, mas é pena; antes fosse tudo tão definitivo que bastasse sim ou não. Por vezes opta-se pela alternativa, que inicialmente parece ser apenas uma "terceira opção", mas cujos desvios nos levam por caminhos ínvios, e em direcção a parte alguma.

Convém dispensar deste julgamento que é apenas pessoal, e por isso nunca poderia ser mentira - apenas uma opinião, e pode ser mesmo por aí que podemos começar. Quem exprime uma opinião deixa sair o que lhe vai na alma, quer se concorde ou não com ela, mas por vezes a opinião pode incluir um raciocínio ou uma afirmação baseados em factos que podem ou não ser verídicos ou reais. É uma arte delicada, e não raras vezes assistimos a discussões de um tom mais elevado que uma notícia das mais polémicas, portanto é preciso ponderação de quem emite a opinião, e um mínimo de reflexão da parte do receptor, para que a "digira". Dspensado também deste tribunal está quem mente insconscientemente, por estar mal informado, ser vítima da mentira prévia de outrém ou pura e simplesmente ignorante da verdade ou dos factos no seu todo; aqui pode-se dizer no entanto que todo o cuidado é pouco, e o silêncio é de ouro: há vezes em que o melhor mesmo é não dizer nada do que falar sem ter a certeza da veracidade do que se diz. Finalmente temos a justiça e a política, onde é imposta a existência de uma "verdade", dê por onde der, uma verdade qualquer. No caso da justiça pode dar o caso sas partes em litígio defenderem cada uma aquilo que dizem ser a verdade, ou que querem que tomemos como tal. Neste caso, e devido à inenvitabilidade da verdade, bem como a sua urgência, é preciso escolher a única das hipóteses que melhor se consiga sustentar com recurso ao elemento da prova. Por muito injusto que isto possa parecer, acredita-se mais numa mentira vendo apenas uma parte do que numa verdade absoluta que não seja possível visionar de todo.

Finalmente a política, e a estrutura onde assenta, a retórica, que de tão relativa e volátil que é na sua verdade (ou na falta dela) merece um parágrafo inteiro. Em política pouco importa a quem se apresenta pela primeira vez a um eleitorado que tenha de obra feita, trabalho realizado, provas dadas de competência e honestidade: é aquilo que promete que as pessoas escutam, e a forma como consegue convencê-las de que vai corresponder às expectativas que ele próprio criou; partidos à parte, pode-se dizer que o político "pede a verdade emprestada", e depois pode ou não devolvê-la (normalmente não devolve, ou devolve em muito mau estado. Imaginem o que seria um político 100% sincero:

"Meus caros eleitores, peço que votem em mim porque desejo ser eleito, para que assim possa pelo menos tentar começar a endireitar o país, uma vez que tanto finanças públicas, educação, saúde, segurança e todo o resto cuja funcionalidade depende de uma gestão competente que não existiu, se encontra de pernas para o ar. Para este estado lastimável de coisas contribuíu não só o poder político, ora do meu partido ora dos outros que são apenas outras moscas na mesma bosta, mas também vocês, eleitores que só não desprezo e mando a tal sítio porque preciso do vosso voto. É escumalha como vocês que em vez de estar unida e fazer força na mesma direcção prefere antes paleio, greves, e outros pretextos para ficar a coçar o saco escrotal em vez de arregaçar as mangas e fazer o país andar para a frente. Caso consiga ludibriar a máquina burocrática que perpetua este estado de coisas em nome do clientelismo, e faça alguma coisa por esta treta acima, tudo bem, mas não pensem que me vou pôr em bicos de pés. A única coisa que posso garantir é que tratarei da vidinha - da minha e dos tipos que me fizeram chegar aqui, e não foi por acaso - assim como o outro tipo fará se for eleito, diga o que vos disser, com mais ou menos beijocada e gel da KY. Se acham que a abstenção resolve seja o que for, só estarão a deixar aqueles que ainda acreditam nos contos da carochinha decidir por vocês, que vão sendo cada vez menos, mas tontinhos ao ponto que eles próprios acreditam que se podem juntar à festa. Vão-se lixar e se quiserem votem em mim, ou então no outro, é a mesma coisa f...m-se na mesma".

E que tal, sincero ou não? Aposto que votariam antes em quem prometesse um modelo desportivo da BMW a cada português, se fosse eleito. Como podem ver, a verdade é algo que não se encaixa na política, portanto quem decidir dedicar-se a esta carreira de "actor", mas que requer algo mais que representar, precisa de ter estômago. O mesmo se aplica à religião, mas de outra forma menos directa, e menos suja, também. Pode ser que haja quem se aproveite da religiosidade dos outros para obter benefícios - e mais do que isso, olhem para o terrorismo islâmico - mas aqui tudo depende de algo mais abstracto: a fé. Podemos provar para lá de qualquer dúvida que um político mentiu, basta recorrer aos registos sonoros e videográficos, mas não há maneira de garantir se uma religião diz ou não a verdade. Nenhuma delas, nem as mais "malucas". Depende daquilo que cada um acredita, e a regra de ouro é "respeitar a fé".

Quer a verdade redemptora, quer a traiçoeira mas nem por isso irremediável mentira têm o condão de ser o que são: uma coisa ou outra. Num "mar do desassossego" que se imaginou entre ambas naufraga a arca da hipocrisia, que leva um par de cada espécie de eufemismos, todos com a sua máscara a cobrir a carantonha feia da cobardia, da falta de carácter, da ausência de moral e de princípios. O que e uma "inverdade" senão uma mentira envergonhada? O que quer dizer aquele "depende" na hora de distinguir a verdade da mentira? Depende do quê, de quem se quer enganar? Há quem não goste de ouvir as verdades? Deve ser má rês, a evitar como o vírus da gripe. Se eu não gosto de mentir em proveito próprio ou como mecanismo de defesa, muito menos vou fazê-lo para agradar a um qualquer galifão só porque este faz da sacanice o seu estilo de vida e se as pessoas lhe dissessem na cara o que realmente pensam, ia a correr esconder-se debaixo da cama a chorar. Do que adianta ser hipócrita e falso com alguém para não o aborrecer? Para que continue a viver uma mentira e ao mesmo tempo arrastar-nos para o lamaçal da intriga que ele próprio criou? Vejam como dizer uma mentira e viver uma mentira são coisas completamente distintas; a primeira "é normal", a outra "uma tragédia". Qual é o canalha que consegue viver sabendo que o respeitam apenas por interesse, ou que só impondo o medo é que alguém lhe dá pelo menos os bons dias? Será a bajulação o oxigénio desta gentinha? "Há pessoas que não sabem lidar com a verdade" - isto quer dizer o quê, exactamente, para além do atestado de inaptidão mental que se está a passar a pessoas que ainda assim não conseguem identificar de que retrete chega essa sugestão? E deixem-me acrescentar que como auto-crítica é do mais fino recorte, mesmo não sendo essa a intenção inicial. Há pessoas que de tanto conviver com "yes men" ou de tanto curvar a espinha, esquecem-se que nem todo o mundo é a aldeia dos macacos de onde se ausentaram por momentos para comprar mais bananas.

Acho especialmente engraçados os tipos que se dizem "da paz" mas "não gostam que lhes pisem a cauda". Isto para quem não é um bipede com cauda (e possivelmente um par de cornos, já agora) quer dizer que não gosta que o aborreçam, ou que o incomodem - mas alguém gosta? Ao deixar isto bem claro, o que esta aventesma queria mesmo dizer é que quando lhe fazem festinhas e lhe dão a papinha à boca é mais mansinho que um bezerro de mama, mas só por fora. Por dentro é um desconfiado que suspeita de tudo e de todos e tem razões para tal, pois além de cretino e imbecil, sem escrúpulos, mesquinho, vaidoso, adúltero e corrupto, a pior espécie de patife à face da terra, perdeu a conta aos esqueletos que tem guardados no armário. Temendo que lhe venham pedir contas, escuta atrás das portas, dorme com um olho aberto e outro fechado, e anda armado, mas é tão sovina que o revólver que traz no bolso do casaco não tem balas. No entanto tudo não passa de fachada, pois se alguém o segura pelos colarinhos encardidos do ranço que emana dos poros da pele em catadupa, chora e borra-se pelas calças abaixo, implorando que não lhe façam mal, enquanto promete que paga o que for preciso e ainda inclui a filha virgem de nove anos na proposta. Convém evitar sujar as mãos de peçonha com este tipo de verme, que ainda por cima mal põe as patas no chão vai logo chamar a polícia. Este é o tipo de pulha que cremado e transformado em sabão causaria uma sarna de fazer subir pelas paredes.

Além dos que fomentam a burrice alheia de modo a manter o "status quo" e assim evitar o fim da grande mama, outros há que promovem uma peculiar forma de narcisismo, dando um novo sentido à expressão "temperamento artístico", que aqui passa a "autistico" - no sentido de "fechado no seu próprio mundo", entenda-se, uma vez que temos exemplos de autistas que foram e são geniais. Recorro a esta definição uma vez que outro jeito não se consegue explicar como é que alguem chama a ferro velho e telas de lona mal empregadas que parece terem levado com o gasacho em cima de "arte". Não me levem a mal, até considero que se faz mais ou menos boa arte por aqui, mesmo tendo em conta que o estilo mais apreciado é o "cagandiandandaísmo" (não tem qualquer relação com o "dadaísmo", esta veia artística hipertensa verifica-se sobretudo numa certa produção local, que assume que desde a saída de Camoes da "toca" são eles os guardiões supremos do olho que mais ninguém tem em terra de cegos e amblíopes - falando do ponto de vista artístico, é lógico. Em vez de terem ido estudar qualquer coisa que lhes fizesse dar uso ao corpinho ou adquirissem elasticidade cerebral que lhes permitisse ser os "talentos" que a RAEM tanto precisa. Foram para as Belas Artes para depois fazerem aquela bela merda, e quando inauguram uma exposição e a peça mais requisitada é a placa que indicava a saída começam a fazer birrinha e a queixarem-se que "não têm apoios, não se apoiam as artes". Parece que aqui estão a trocar a relação causa-nexo: não se apoia a VOSSA arte, porque é uma cagada.

E não é apenas nas artes plásticas que há artistas e artolas; a produção musical, por exemplo, inaugurou um mundo que nunca pensei existir. Ainda durante os anos da Administração Portuguesa, ocasionalmente saía um CD de um "artista local", alguém que não sendo propriamente um profissional, aproveitava as facilidades que Macau disponibilizava para ter um registo discográfico. Lembro-me de um caso particular, de uma senhora que lançou um disco de fado que praticamente "toda a gente" comprou, mas ninguém ouviu! É difícil entender este "espírito crítico", ou a ausência dele. Como é que esperam que alguém tenha uma referência da qualidade daquilo que fazem, do que fizeram bem e mal, se tudo "é bom", mas ninguém ouviu? Dá a entender que estão a tratar com um deficiente, que recebe uma ovação de pé por conseguir atar os sapatos. Como é que nos vamos apresentar fora de Macau, perante o mundo das pessoas normais, se há quem se orgulhe de não saber escrever um texto mas tem alguém que o faça por ele? Qual é a barreira invisível que chega a levar até portugueses, pessoas que têm a plena consciência de que em Portugal na grande maioria estas "rasteiras" iam custar a marcação de um "penalty", a juntarem-se à festa da fraude, da desonestidade intelectual, e das verdades múltiplas quando a verdade devia ser apenas uma?

Meus amigos, é por aceitarmos este estado de coisas que o mundo está como está. Cada vez que bajulamos um chefe sacana, há uma criança que morre de fome; cada vez que viramos a cara a uma injustiça há milhares de trabalhadores que vão para o desemprego, e eventualmente para a miséria; cada vez que fingimos que não vemos um cabotino a pensar que engana meio mundo, negamos o acesso à escolaridade a milhares de crianças em países subdesenvolvidos; cada vez que encolhemos os ombros, estamos a fazer o jogo da canalha, que nos "aconselha" a calar, "para nosso bem" e "dos nossos". Alguém ainda se lembra do tempo em que fazer esta simples insinuação habilitava o seu autor a uns quantos dentes partidos antes que acabasse de proferir a ameaça? Hoje temos o mundo ao acesso de um clique num aparelho que cabe dentro de um bolso, e temos mais medo de dizer o que pensamos? E ainda acreditamos que este caminho da ilusão e do faz-de-conta que não viste é aquele que devemos ensinar aos nossos filhos? Não admira que a III Guerra Mundial comece agora a ser considerada outra vez uma possibilidade, pois aparentemente desde a queda dos muros que regredimos, em vez de abrir mais portas que antes de encontravam fechadas.

Não me considero diferente dos outros, mas sinto que há quem se contente com menos do que tinha, porque pensa que de outra forma ganha mais com isso - que "outra forma" é esta, que não é a da verdade ou mentira, sem todos esses "mas", "depende", "isso agora", "logo se vê", "tu é que sabes" e todas essas frases feitas da cartilha dos cobardes, que um dia acordaram e pensaram em juntar-se aos burros, só porque a palha está bem cotada na bolsa? Olho para o que faço no blogue, e sei que as minhas "birras" não caem em saco roto, pois há o contador no "Site meter" que me garante que apesar de assobiarem para o lado, não fecharam os olhos, como vos foi recomendado. Nunca foi minha intenção embirrar com ninguém, e é mentira quando dizem que pego em tudo e mais alguma coisa para "falar mal". Há coisas com que não vale a pena perder tempo, e vocês sabem tão bem quanto eu que a verdade como princípio do que é o essencial, ou o silêncio como resposta às provocações vindas do fundo do poç do mal são a única via do caminho do bem. Não vos vou dizer o que devem fazer, mas pelo menos uma vez só façam uma auto-análise, olhem para dentro de vocês e perguntem: é isto que eu quero?


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