segunda-feira, 5 de maio de 2014

Os sons dos 80: 1984


Hoje vamos recuar exactamente 30 anos, até 1984, e ao contrário do que George Orwell tinha previsto na sua novela de 1949, não viviamos numa sociedade constantemente controlada por uma elite que observava constantemente os nossos movimentos através de um intrincado sistema de vigilância denominado "Big Brother"...ainda. Michael Jackson capitalizou nos Grammy o sucesso que obteve durante o ano anterior, ganhando 8 das 12 nomeações para os principais prémios da música, e isto um mês após um incidente durante a gravação de um anúncio da Pepsi, em que queimou o cabelo, ficando com lesões no escalpe que alegadamente o afectariam durante o resto da sua carreira. Foi em 84 que o "rei" da pop encontrou concorrência de respeito, com Madonna a lançar "Like a Virgin", e Prince a gravar "Purple Rain", dois dos maiores êxitos da década. No entanto o ano tinha começado com uma polémica, quando a 11 de Janeiro Mike Read, DJ da BBC Radio One se recusou a passar o tema "Relax", dos Frankie Goes to Hollywood, alegando que a canção era "indicente". Resultado: o single chega a nº 1 do top-40 do Reino Unido dez dias depois - podiam ter os FGTH melhor publicidade que esta? No Dia de S. Valentim, Elton John casa...com uma mulher! Renate Blauel, uma engenheira alemã, aceita fazer a cobertura à homossexualidade latente do cantor, mas acabaria por se divorciar no ano seguinte. Em Maio o single "Hello", de Lionel Richie, torna-se o primeiro "hit" da Motown a ultrapassar o milhão de discos vendidos, e a 10 de Agosto uns tais Red Hot Chili Peppers apresentam o seu álbum de estreia homónimo. Em Setembro realizam-se os primeiros MTV Music Awards, com os Cars a ganhar o prémio de vídeo do ano com "You Might Think", mas o "show" fica marcado pela extravagância de Madonna, que rebolou no palco, quase mostrou as partes privadas e com isso ganhou mais alguns milhares de fãs. A 21 de Setembro assinala-se um marco na tecnologia, com a primeira fábrica de produção de CDs a iniciar as operações em Terra Haute, no Indiana; o primeiro CD a ser produzido foi "Born in the USA", de Bruce Springsteen. Em Outubro o cantor Bob Geldof, líder do agrupamento "punk" Boomtown Rats estava em casa a curtir uma "pedra", quando fica tocado com as imagens das crianças famintas na Etiópia, e resolve passar a acção, e a 26 de Novembro junta alguns dos cantores mais famosos do Reino Unido e grava o single "Do They Know It's Christmas", que sai a 3 de Dezembro - nascia assim o Live Aid. O ano acaba mal para Rick Allen, baterista dos Def Leppard, que perde o braço esquerdo num acidente de automóvel, enquanto fazia corridas com os amigos. O ano de 1984 foi o segundo melhor em termos de vendas de discos no Reino Unido, depois de 1978. E o que mais se ouviu nesse ano?


Murray Head é um cantor e actor inglês que se celebrizou em meados da década de 70 por ter desempenhado o papel de Judas Iscariotes na produção da Broadway de "Jesus Cristo Superstar", onde assinou também alguns dos temas. Em 1984 voltou a estar nas bocas (e nos ouvidos) do mundo com este "One Night in Bangkok", um tema que contou com a autoria de um verdadeiro "dream team": letra de Tim Rice e do ex-ABBA Björn Ulvaeus, que também compôs a música com a ajuda do seu ex-copanheiro no grupo sueco, Benny Anderson. O single foi um sucesso, chegando a nº 1 em vários países, a nº 3 da Billboard e nº 12 no top-40 do Reino Unido. Quem não achou muita graça foram os tailandeses, que consideraram que a canção "transmite uma imagem errada do país e é desrespeitosa com a religião budista". Juram? Get thai, you're talking to a tourist who knows all the moves among the purists.


A malta da minha geração lembra-se com toda a certeza desta. O escocês Jim Diamond, que foi membro do trio Ph.D. mas em 83 partiu para uma carreira a solo, obteve o seu único nº 1 no top do Reino Unido com "I Should Have Known Better", uma canção de amor que nós malandrecos maldosamente cantarolávamos o refrão como sendo "Chora e não bebe", ou ainda "Cheira-me a m...". Hilariante era ainda o "I-I-I-I-I-I-I-I-I-I Love You" com que o carequinha do Jim brindava a moça a que tinha mentido, e por isso ela resolveu dar-lhe uma tampa. Mas o tipo era um porreiraço, pois depois de ter sido desalojado do topo da lista de singles do Reino Unido em Dezembro de 84 pelos Frankie Goes to Hollywood e o seu "Power of Love", apelou às pessoas que "não comprassem o seu disco", e que "comprassem antes o single 'Do They Know It's Christmas'", do super-grupo Band Aid. Bem, penso que uma opção seria comprar os dois, mas o que o Jim queria dizer realmente era: "I-I-I-I-I-I-I-I-I-I want to help the children". Awwww...


Os The Cars eram uma banda norte-americana de Baltimore, Maryland, liderada por um tal Ric Ocasek, que não cantava: soluçava. Num dos seus raros momentos de "claridade", brindou-nos com este "Drive", do álbum "Heartbeat City", que foi nº 3 da Billboard e nº 4 no top-40 do Reino Unido. Por muito peculiar que um grupo com o nome "Cars" seja mais conhecido por uma canção intitulada "Drive", este é um dos temas indispensáveis dos anos 80.


Tentei andar a evitar pôr isto aqui, mas aí está: Stevie Wonder com "I Just Called to Say I Love You", que como muito boa gente se recorda, passou 20 (vinte) semanas no 1º lugar do top português. Mas o mal não foi nacional; o single foi nº 1 em todos os "charts" onde teve entrada, e vendeu mais de 3 milhões de cópias só no Reino Unido e nos Estados Unidos. Stevie Wonder é um músico bastante talentoso, no activo desde 11 anos, conseguiu o seu primeiro nº 1 na Billboard aos 13, e vários outros durante os anos 70, assinando temas memoráveis como "Supersticious" ou "You Are the Sunshine of My Life". A juntar a tudo isto ganhou 22 Grammies, incluíndo um honorário pela sua carreira, entregue em 1996. Agora um pequeno detalhe: Stevie Wonder é cego praticamente desde a nascença, e isto deveu-se a uma rinopatia causada pelo excesso de oxigénio presente no berçário, quando ainda se encontrava na incubadora. Custa-me portanto a aceitar que tanta gente tenha ido a correr comprar este tema tão lamechas, que foi a banda sonora da comédia "The Woman in Red", porque o coitadinho do ceguinho estava a ligar à menina para lhe dizer que a amava, oh, oh, oh. E isto mesmo sem nunca lhe ter posto a vista em cima. E vejam como ele abana a cabecinha, como se estivesse a tentar apanhar uma colher de papa. Prefiro acreduitar que foi apenas um acesso de mau gosto, nada mais.


No Verão de 1984 John Waite ganhou o jackpot com o tema "Missing You", do seu álbum "No Brakes", que lhe valeram o nº 1 da Billboard e um número 9 no top-40 do Reino Unido. O tema engana, pois "Missing You" significa, traduzindo assim às três pancadas, "tenho saudades tuas", mas o John diz na canção "I ain't missing you at all" - não tenho saudades tuas, de todo. Ai, ai, então no que é que ficamos? Tina Turner gravaria uma versão sua do tema doze anos depois, mas sem o mesmo sucesso.


Nick Kershaw, um inglês de Ipswich, fez furor na primeira metade da década de 80, quando aquele penteado espectacular estava muito na moda, e deixava as miúdas pelo beicinho. Em 83 lançou o single "I Won't Let the Sun Go Down on Me", que não foi além do nº 47 no Reino Unido, mas pelo menos deixou o rapaz como um nome a ter em conta, e as expectativas não foram defraudadas no verão seguinte, com o nº 4 no Reino Unido, e um grande sucesso no resto da Europa. Isso levou-e a relançar "I Won't Let the Sun Go Down on Me", que desta vez foi nº 2 nas ilhas britânicas - eram as "bifas" que andavam distraídas, só isso. Contudo o single deste gajo que me enche as medidas é este "The Riddle", que no fundo é o único que tem substância musical, que me perdoem os fãs (se os há, ainda). "The Riddle" foi nº 3 da tabela de singles no Reino Unido, e o álbum com o mesmo nome foi nº 8.


Uma das modas dos anos 80 que durou cinco minutos e depois toda a gente se esqueceu foi o "break-dance". Tirem agora um minuto para irem rebuscar esta memória do fundo da vossa massa cinzenta, lá mesmo no fundo do armazém (...). Já está? Ok, pronto. Para registar este momento sem importância, foi feito um filme e tudo, "Body Rock", onde aparece um grupo de pessoas a ter estranhas convulsões, alegando ser "expressão corporal" e "dança". Num ano em que "Flashdance" ditava as modas, foram buscar uma espécie de Irene Cara dos pobres, uma tal Maria Vidal, que mesmo assim foi nº 48 da Billboard e nº 11 no top do Reino Unido. Pronto, afinal foi o ano do Live Aid, caridade, coiso e tal...


Billy Ocean, nasceu em 1950 em Trinidad e Tobago, filhos de pais Granadinos (granadianos? granadenses? porra, de Granada, o país das Caraíbas) e foi viver para Londres quando tinha oito anos. Este Ocean não é aparentado com o ex-jogador do Sporting de origem cabo-verdiana, nem podia ser, pois o seu nome de baptismo é Leslie Sebastian Charles, mas seria com o nome artístico de Billy Ocean que gravaria este "Caribbean Queen (No More Love on the Run)", do seu álbum "Suddenly", o quinto da sua carreira e com o qual ganhou finalmente notoriedade. O single foi nº 1 da Billboard e nº 6 no Reino Unido, valeu-lhe em 1985 o Grammy para melhor intérprete dde R&B, e ficou para lavar e durar; para agradar a diferentes públicos, alterou-o para "African Queen" ou para "European Queen", o que no fundo não custa nada: é só mudar uma palavra. Billy Ocean teve depois uma série de singles de sucesso nos anos 80, como "Loverboy", "When the Going Gets Tough (The Tough Gets Going)" ou "Get Out of My Dreams (And Into my Car)", mas depois disso foi sumindo aos poucos, tamb por culpa da idade. Enfim, foi como o outro Oceano, o do Sporting.


Os Scorpions ficaram mais conhecidos entre nós pela balada "Still Loving You", mas o grupo alemão é venerado na América por este "Rock You Like a Hurricane", que tem servido de tema introdutório em eventos desportivos a sério, e outros do tipo "wrestling", "Nascar", lutas na lama e outras merdas dessas. Isto apesar deste single do álbum "Love at First Sting" ter chegado apenas a nº 25 do top da Billboard - mas também para quê comprar o disco, se podem ir ouvir a canção da próxima vez que forem a um rodeio, ou a uma exibição dos "american gladiators"?


E aqui está, como já tinha referido na introdução a este "post", o cantor Bob Geldof, dos Boomtown Rats, teve uma "bad trip" ao assistir a imagens de criancinhas famintas na Etiópia, resultado da grande seca que durou desde 1983 até esse ano, e resolveu ajudar. Para o efeito contou com a ajuda de Midge Ure, vocalista dos Ultravox, e escreveu "Do They Know It's Christmas?", e para interpretar o tema contou com os maiores nomes da música britânica da época, como Paul Young, Boy George, George Michael, Simon Le Bond dos Duran Duran, Bono dos U2, Sting, as Bananarama, e muitos outros. O single foi um enorme sucesso, chegando a nº 1 no Reino Unido, onde vendeu quase 4 milhões de cópias, e subindo ao lugar cimeiro dos tops um pouco por todo o mundo - menos nos Estados Unidos, onde foi apenas nº 13 na Billboard, e em França, onde estranhamente ficou-se por um modesto 34º lugar. Os americanos viriam no ano seguinte fazer a sua contribuição ao projecto Live Aid com o ainda mais ambicioso "We Are The World", e os franceses, talvez envergonhados pela arrogância a que vetam tudo o que é inglês, juntam alguns dos maiores nomes da sua música e gravam também o seu contributo, intitulado "Ethiopie". Bob Geldof seria ordenado cavaleiro pela rainha de Inglaterra devido à sua tremenda generosidade.

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