terça-feira, 5 de novembro de 2013

Quem somos, realmente? Parte XIII: a preguiça


Nós, portugueses, temos imenso jeito para a preguiça. Fosse a preguiça um desporto olímpico, e trazíamos sempre uma ou duas medalhas para casa. Só que a maioria dos desportos olímpicos implicam esforço físico, que é cansativo, e por isso raramente subimos ao pódio - dá-nos preguiça, enfim. Mais do que um desporto nacional praticado de norte a sul por anti-atletas de todas as idades e condição social, a preguiça é uma filosofia. Reparem na quantidade de provérbios que temos dedicados à preguiça: "Nascemos cansados e vivemos para trabalhar"; "Se o trabalho dá saúde, trabalhem os doentes"; "Se a preguiça é a mãe de todos os vícios, o trabalho é o pai dos calos"; ou a minha favorita, "Mais vale uma mão inchada que uma enxada na mão", a conclusão de uma célebre anedota sobre alentejanos.

Por falar em alentejanos, estes são os supra-sumo da preguiça. Fosse a preguiça uma arte marcial, e eles eram cinturão preto em enésimo "dan". Correcção: não seriam nada, pois para obter um cinturão preto é necessário competir, e isso é uma daquelas coisas que dá trabalho, e o trabalho é o maior inimigo da preguiça. Dizer que os alentejanos são especialmente preguiçosos, ao ponto de "acordarem mais cedo para ficar mais tempo sem fazer nada", é uma presunção falaciosa. Quem são os restantes portugueses para chamar os alentejanos de preguiçosos? Diz o roto ao nu: porque não te vestes tu. Se os alentejanos são os campeões nacionais da preguiça, foi porque fizeram mais por isso. Ou antes, foram os que fizeram menos por isso. Não mexeram um dedo e ganharam um título. Temos muito a aprender com eles.

Falando a sério, os portugueses até não são tão preguiçosos como isso. Se não desse muito trabalho, até enumerava alguns povos mais preguiçosos que nós, mas estou com preguiça. Os nossos emigrantes, por exemplo, dão provas de valor lá fora, deixam-nos orgulhosos, são empreendedores, activos, trabalhadores, ou recorrendo novamente à sabedoria alentejana, são como o caracol: "aquele animal irrequieto". O problema deve ser mesmo o nosso país, que nos torna preguiçoso. O que falta a Portugal em recursos naturais sobra em preguiça. Fosse a preguiça líquida e subterrânea, bastava fazer um buraco no chão e jorrava como petróleo. Quando o capataz da EDP encontra os operários a dormir no serviço, eles explicam-lhe que estavam a cavar uma vala para fazer passar os cabos, mas deram com um lençol de preguiça em bruto. Ficamos indefesos perante a fraqueza da preguiça, e a única forma de a combater é não reagir, virarmo-nos para o lado e dormir.

Não quer dizer que sejamos fracos, moles ou dorminhocos, nada disso. O que acontece é que preferimos guardar as energias para fazer coisas mais divertidas que trabalhar, como dançar, comer, beber e fazer todo o tipo de farra. Duas horas de trabalho podem parecer uma eternidade, mas doze horas de forrobodó passam tão depressa que até parecem cinco minutos. O mesmo tipo que está de baixa há um mês por causa de dores nas costas, passa a noite inteira aos pulos no arraial lá da vila. E depois? É preciso não confundir as coisas. Diz-se que esta "preguicite" - uma doença contagiosa - é típica dos países mais quentes, onde o calor, a comida, as mulheres de roupas leves convidam mais à cantoria e ao bailarico do que ao trabalho. É por isso que os países do norte da Europa e os norte-americanos trabalham tanto: não têm nada melhor para fazer.

Recordo-me de uma história que contou o ex-presidente da câmara do Porto, Rui Rio, durante um programa de Herman José em que foi o principal convidado. Um dia enquanto estagiava numa empresa alemã, fez uma pausa para ler o jornal, e os seus colegas alemães riram-se, julgando que "estava a brincar". Estes gajos são mesmo assim: quando acabam o seu trabalho e ainda lhes sobra tempo, vão buscar mais trabalho. Acabou o trabalho daquele dia, começam a fazer o trabalho do dia seguinte. É isto que eles chamam de "ética profissional", mas nós chamamos de "obsessão". Para nós chega a ser pecado começar a trabalhar nos primeiros trinta minutos depois de chegar ao serviço, enquanto eles mal chegam e já estão a velocidade de cruzeiro. Os últimos dez minutos do dia são reservados à contagem decrescente até à hora da saída, mas os gajos continuam a trabalhar a todo o vapor, como se estivessem a desarmadilhar uma bomba.

Quem diz os alemães, diz os ingleses, os holandeses, os suíços, os canadianos e aquela malta esquisita da Escandinávia: ficam ali fechados todo o dia a trabalhar porque lá fora o tempo está uma merda, e não dá para mais nada. Quem vai fazer um barbeque à chuva? Como é que se pode sambar na neve? E as mulheres, como é que exibem um decote ou se metem numa mini-saia com temperaturas de zero graus ou menos? Há economias em países quentes que são um sucesso, como a Austrália ou a Nova Zelândia, mas os seus colonizadores eram oriundos do norte da Europa - é genético. Podem ser ricos, mas são uns infelizes. Esquecem-se de viver, e no fundo até têm inveja de nós, os preguiçosos militantes. Em vez de nos andarem a cobrar a dívida, deviam antes pagar-nos mais, e agradecer. Porquê? Porque assim trabalham, são felizes assim, e pelo menos há alguém que se diverte.

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