Fim de semana pleno de emoções, com o tempo ameno do Outono em todo o seu esplendor. Para digerir o banquete, nada como uma "bica" bem tirada, na forma do artigo de quinta-feira do Hoje Macau. Boa semana de trabalho!
I
Quando em finais dos anos 70 o líder do PC chinês Deng Xiaoping operou as reformas económicas que tiraram a o país do marasmo em que se encontrava, deram-se de imediato algumas transformações no tecido social. A ala dura do partido único criticou-o, dando como exemplo o aparecimento de alguns vícios do decadente sistema capitalista, como os cosméticos e os desfiles de moda. Deng respondeu aos críticos com uma citação que entrou para a galeria das mais célebres: “são moscas que entram quando se deixa janela aberta”. Em Macau assistimos também a significativas mudanças nos últimos dez anos, especialmente desde que a China implementou a política dos vistos individuais, que multiplicou o número de visitantes do continente. Entre os gastadores e os bem intencionados que passam para este lado pela fronteira das Portas do Cerco, que são ainda a grande maioria, felizmente, misturam-se alguns menos escrupulosos que vêm a Macau facturar em vez de gastar: carteiristas, assaltantes, agiotas, traficantes, especialistas no conto do vigário, toda a espécie de escumalha. O resultado foi o aumento da pequena criminalidade, desde roubos em plena luz do dia, furtos ao domicílio, residentes e turistas honestos enganados pelos artistas da fraude e os mestres da decepção. Se no caso dos roubos simples não nos resta senão depositar a nossa confiança nas autoridades, no que toca aos tais contos do vigário podemos fazer um pouco mais para evitar que esses espertalhões riam por último. Nem todos somos tão ingénuos ao ponto de cair em alguns truques, e mesmo os mais elaborados levam-nos a desconfiar que trazem água no bico. Se somos abordados pelos “artistas” e não caimos na ratoeira, tanto melhor, que bom para nós, mas temos o dever de os denunciar para que outros mais crédulos não sejam vítimas dos inúmeros esquemas, desde a rábula do filho sequestrado, até à do amigo detido em Zhuhai por se ter envolvido com prostitutas, passando pelo dinheiro e outros valores a serem abençoados pelo mestre de “fong-soi” para “evitar uma grande desgraça”. Como bons cidadãos e cumpridores da lei, não chega virar as costas e pensar que não é nada connosco, e que o problema é dos outros.
II
Fui no Domingo almoçar ao restaurante Porto de Macau, na ilha da Taipa, que serviu nesse dia as suas últimas refeições. Não preciso sequer de acrescentar “passo a publicidade” quando falo do Porto de Macau, pois não é publicidade nenhuma falar de um sítio que já não existe. O restaurante encerrou por não conseguir suportar o aumento absurdo da renda proposto pelo proprietário do espaço para a renovação do contrato. Este é um truque que vem sendo cada vez mais utilizado em Macau: querem correr com os arrendatários, propõem-lhes um aumento da renda descabido, por vezes dez vezes superior ao actual, e eles são obrigados a sair, de braços caídos e cabeça baixa. Era mais sincero enxotá-los com uma vassoura. Não vou dramatizar a questão dizendo que o Porto de Macau era o melhor restaurante português do território, mas pelo menos em termos de oferta era sem dúvida um dos mais originais, e vai deixar saudades. Era um local agradável onde se estava bem, onde se comia melhor, e era-se recebido sempre com simpatia. Este açambarcamento dos espaços comerciais por parte de quem tem milhões para investir está a destruir o pequeno e médio comércio, e a descaracterizar a matriz original da cidade, a de casinha pequenina, de lar acolhedor onde o patrão está sempre à porta para nos receber. Em vez disso vamos sendo transformados num enorme “shopping”, onde loja sim-loja não se vende exactamente a mesma coisa. A Macau do futuro ameaça tornar-se num entreposto comercial para turista ver. É esta a tal cidade internacional e centro de entretenimento e lazer de que tanto falam?
III
Mudando de assunto ou talvez não, assisti no outro dia a um dos serviços noticiosos de Portugal que temos o privilégio de assistir através das transmissões da RTPi, onde se perguntava aos portugueses o que esperavam do Natal que agora se aproxima. Entre as lamentações da praxe e o habitual queixume de quem todos os anos diz que “este vai ser o pior Natal de sempre”, vi algo que me deixou orgulhoso. Quando perguntam aos austeros cidadãos o que mais desejam para si e para os seus nesta quadra festiva, dizem “saúde”, em vez de dinheiro, que é provavelmente o que lhes faz mais falta agora, durante este enorme aperto provocado pela crescente austeridade que sufoca o país. Podemos ser pequeninos, pobrezinhos, e já perdemos a conta das vezes em que damos tiros no próprio pé, mas ainda temos dignidade. E isso é algo que não tem preço, e não cabe em qualquer sapatinho ou meia pendurada na chaminé.
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