O Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, Fernando Chui Sai On, foi esta tarde à Assembleia Legislativa apresentar as Linhas de Acção Governativa para o ano de 2014, o último do seu mandato. Durante as próximas semanas e até 6 de Dezembro, serão os secretários das respectivas tutelas do Executivo a apresentar as LAG relativas à área da sua responsabilidade. A primeira será Florinda Chan, responsável pela pasta da Administração e Justiça, e o último vai ser Lau Sio Io, secretário para as Obras Públicas e Transportes. E com este papo-furado repleto de cargos e pastas escritos por extenso e na íntegra, enchi o número suficiente de chouriços para completar um parágrafo. E sem dizer nada de remotamente interessante! Viva a arte da retórica oca, onde as palavras são como as cerejas e saem com a mesma cadência e quantidade das caganitas do recto de um coelho.
E o que interessa aqui, no fim de contas? O que se aproveita daquilo que o chefão foi ali dizer no hemiciclo? Olha, vamos ter mais dinheiro, por exemplo. Os cheques vão passar de oito para nove mil patacas para os residentes permanentes e vai-se manter a maminha dos vales de saúde. Ficamos duplamento aliviados. Primeiro porque vai continuar a haver dinheiro de borla, contrariando o princípio quase sacrossanto da economia de que "não existem almoços grátis", e que o aumento do valor dos ditos cujos é "só" de mil patacas. Fossem os cheques de 12 mil, como pretendia o deputado José Pereira Coutinho, e amanhã tinhamos os papo-secos e os grelos a sofrer um aumento de 200%, alegadamente devido à "inflação", ao "aumento do preço do transporte", e "à valorização do renminbi face ao dólar Americano. Ufa, que alívio, só nove mil patacas. Depois de saber isto passou-me de imediato a prisão de ventre que me afligia há dois dias. Ainda bem que contei até cem e ainda tive tempo de forrar o tampo com tiras de papel higiénico.
Além disso ficámos a saber que sim, o Governo vai continuar com o programa de aperfeiçoamento contínuo destinado à população, que nunca mais aprende, bolas. Depois fica ponto assente que a mão-de-obra local vai continuar a ter prioridade sobre a não-residente. Tradução: vai ser cada vez mais difícil arranjar alguém para passar a ferro, o pequeno e médio comércio vai continuar a ser obrigado a fechar as portas por falta de pessoal, e os grandes empreiteiros vão continuar a recorrer aos trabalhadores ilegais e outros expedientes para conseguir acabar as obras a tempo. Assim, e como há poucos dias ficámos a saber que nos primeiros dez meses de 2013 o Governo duplicou as receitas obtidas no ano inteiro de 2012 e gastou pouco mais de metade do orçamento previsto, vai continuar a apoiar isto e aquilo, subsidiar aqui e acolá, e o que sobrar vai para as contas da malta lá na "offshore" das Ilhas Virgens Britânicas. Da malta quer dizer, eles, entenda-se. O hospital público é necessário como o caraças, sim, sim, claro, está já a sair, mas entretanto tomem lá mais um prato de azeitonas. O preço do imobiliário está pela hora da morte? Digam-nos lá algo que ainda não soubessemos. A gente vai pensar no assunto, mas esperem sentados, não vão criar raízes enquanto esperam de pé. Enquanto escutava a sempre-mesmice que é a apresentação das LAG, lembrava-me do refrão daquele tema antigo do grupo brasileiro Engenheiros do Hawaii, "Terra de Gigantes": "já escutámos tudo isso antes".
Chui Sai On está no final do seu primeiro mandato como Chefe do Executivo, e não adiantou se faz planos de se recandidatar para o ano. Pfff...que mistério, que misto de dúvida e incerteza que paira como uma nuvem negra no ar. Quando Chui não diz que nem não nem sim, faz lembrar aquele pai de família que chega a casa num dia de Dezembro com um pinheiro de dois metros de altura atrás das costas e pergunta aos filhos: "adivinhem o que pai tem aqui? Querem a mão direita ou a esquerda?". Mas mesmo sendo esta a quarta vez que o actual CE vai ao hemiciclo apresentar as LAG, ainda parece muito pouco à vontade. Aquilo chateia, pá. Que grande seca, chegar ao pé daqueles gajos e ter que ler aquilo tudo. Quando chega Novembro, lá vai um elemento da sua equipa lembrá-lo que está na altura das LAG, e ele desabafa: "outra vez? para quê?". Passam-lhe aquelas folhas todas para a mão e protesta: "não bastava dizer que é o mesmo do ano passado e mais isto, isto e isto?". Nós portugueses, habituados à galhofeira que são os nossos políticos, reparámos que o chefe usou um sem número de vezes a palavra "talento", o que nos pareceu uma curiosidade engraçada. Se amanhã comentarmos esse facto com um colega chinês ele responde: "ai disse? e depois?".
E depois é a vez dos secretários irem ao castigo. Vai lá um de cada vez, dizer praticamente a mesma coisa que diz há treze anos, a maioria deles, e aturar os deputados. Uns estão "combinados" mas mesmo assim são uns chatos, outros só fazem perguntas parvas, e outros são uns malcriados, e fosse isto ali ao lado iam mas é presos até que aprendessem a ter respeitinho por quem trabalha para o povo. Felizmente para o amanuenses em causa, as últimas eleições deixaram menos desses "melgas" sentados na AL. É preciso manter a compostura para não lhes dizer das boas. Por exemplo, quando um deles pergunta: "sr. secretário, para quando o novo regime que regulamenta a cor da casca das melancias do Mercado do Patane em dias de tufão?", dá vontade de responder: "outra vez essa pergunta? já lhe disse o ano passado que não sei! é surdo?". Os secretários são coadjuvados pelos directores e por uma equipa de juristas, que parecem estar a tirar notas, mas na verdade estão a jogar Sudoku. Para os intérpretes é uma festa, pois são pagos à hora e basta pegar nos textos do ano anterior e mudar uma ou duas linhas. Ah, as LAG...a concretização de uma daquelas partes mais chatas desse piquenique que é administrar a RAEM.
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