domingo, 10 de novembro de 2013

Luso-o-quê?


Para fecho de emissão de fim-de-semana deste Bairro do Oriente, nada como vos deixar com o artigo da última quinta-feira do jornal Hoje Macau. Tenham uma semana de trabalho produtiva, e divertida, dentro do possível. Vemo-nos amanhã no mesmo sítio, e à hora do costume. Um abraço do tamanho do mundo.

I

Realizou-se durante o último fim-de-semana mais um Festival da Lusofonia, um evento sempre muito aguardado pela nossa comunidade, que o encara como uma espécie de Santos Populares fora de época. Foram três dias de animação, de convívio e de alegria que coloriram o Largo do Carmo na Taipa, e que trouxeram à zona das casas-museu milhares de visitantes e curiosos. Nos últimos anos tenho tido o privilégio de levar ao Festival pessoas que nunca lá tinham estado antes, e é sempre com curiosidade, e até algum nervoso miudinho, que observo a sua reacção. Os portugueses identificam-se mais facilmente com o ambiente, que pouco ou nada difere das feiras em Portugal, mas apresentar a um estrangeiro a nossa cultura, a nossa História, a gastronomia ou a música é como levá-lo à nossa casa. Queremos que ele goste, que se sinta à vontade, e que no fim elogie, e diga que gostou muito. Para quem conhece mal o nosso passado de super-potência mundial, de povo que deu novos mundos ao mundo, estranha um pouco todo aquele colorido, o paradoxo de ter numa só avenida os cheiros e os sabores de cinco continentes, de gente tão diferente e ao mesmo tempo tão igual, unidos por um vínculo comum: a língua portuguesa. E é por isso que se chama “Festival da Lusofonia”, se bem que a designação fica para segundo plano na hora de rever os amigos e brindar com as cervejolas que ajudam a empurrar as bifanas, o queijo e o chouriço. Fico muito bem sem saber qual é o sentimento de quem depara pela primeira vez com todo este mundo lusófono de que tanto nos orgulhamos. Quem mal sabe onde fica Portugal, certamente estranhará este aparato, esta convivência entre seres humanos que a olho nu não teriam nada em comum. Se o sentimento que passamos a quem nos olha de fora é de respeito, ou apenas de espanto, não os deixamos indiferentes. Podemos não ter feito grande coisa pela Lusofonia, ou não ter aproveitado em pleno o seu potencial, mas pelo menos fizemos qualquer coisinha, que umas vezes bem e outras nem tanto, vai perdurando e deixando a sua marca no mundo.
II

O outro lado da Lusofonia, o lado mais sério, é o da finança, o do comércio, o do investimento. Na hora da verdade, em que de nada vale o facto de sermos uns tipos porreiros, termos uma gastronomia riquíssima e organizarmos as melhores festas, qual é o peso da Lusofonia na economia mundial? Os ingleses têm a Commonwealth, sendo que “wealth” se traduz para “riqueza”, e nós a Lusofonia, e esta “fonia” é a língua, é falatório, “and talk is cheap”. Nós aqui em Macau olhamos para isto da Lusofonia como uma oportunidade, pois estando inseridos no contexto da grande China, a segunda maior economia mundial, olhamos para a actual RAEM como um local ideal para fazer de ponte entre os mandarins e os países onde se fala português. É com essa convergência em mente que Macau se posiciona como o local ideal para sede do Fórum para a Cooperação Económica entre a China e os Países de Língua Portuguesa, mas que valor isto tem, além do simbólico? O que ficam a ganhar Portugal ou Macau, sabendo que para a China é irrelevante que exista uma língua comum entre países onde interessa investir e outros que nem por isso? Países como o Brasil, com um mercado de quase 200 milhões de consumidores, ou Angola, rico em recursos naturais, olham para a Lusofonia como uma feliz coincidência, e já deram provas de que para negociar com a China não precisam de qualquer plataforma, ainda para mais tratando-se de uma onde o ponto comum é o idioma. Na hora do conhaque, todos brincam, porque não? Mas se for para falar a sério, a língua pouco importa, e a música não é o fado, o samba ou o kuduro, mas o doce tilintar do cifrão.

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