domingo, 8 de fevereiro de 2015

Julgar o livro pela capa


Fim-de-semana produtivo, este aqui no blogue, pois deu-me para reafirmar o meu comprometimento com este espaço que me tornou uma, ahem, "celebridade", dentro do género. Esta semana o artigo de quinta-feira do Hoje Macau debruça-se sobre um caso que prometo ficar atento aos desenvolvimentos, e que me toca de um jeito especial. Era interessante que outros fossem procurar saber mais sobre este assunto, que se tratando de justiça, diz respeito a todos nós. Uma boa semana para todos.

Tenho por hábito nestas minhas crónicas dirigir-me a todos, homens e mulheres, de todas as idades e sem distinção de cor, credo ou condição social, mas hoje queria começar por lançar um desafio aos cavalheiros. Olhem à vossa volta e digam-me o que vêm, o que fizeram da vossa vida. Pensem em tudo o que conquistaram, aquilo que dão como garantido: nos vossos bens, nos amigos e na família, as coisas que vos fazem felizes. Pensem na mulher e nos filhos, ou na namorada, conforme o caso, ou se nenhum destes dois se aplica, pensem pelo menos em vocês próprios, no potencial que a vida vos confere no pleno gozo da liberdade. Agora imaginem que de um dia para o outro perdiam tudo isto, como se tivesse vindo um furacão arrasador, impiedoso, chegado sem aviso. Sim, perdiam tudo, até a liberdade. Impossível? Tocar com a língua no próprio cotovelo, isso é impossível. Em Macau ficar literalmente na merda de um dia para o outro não só é possível como ainda parece fácil – basta um dia menos bom, uma decisão menos feliz, uma sequência de mal-entendidos, e a juntar a tudo isto uma pitada de azar. Parece até demasiado fácil, mas não devia ser.

H., português, 34 anos, é um exemplo de como o mundo se pode desmoronar de um dia para outro. O jovem empresário de que muitos devem ter já ouvido falar pelas piores razões veio para Macau em busca do seu sonho, da mesma forma que nós, cada qual à escala que projecta os sonhos. Em pouco mais de dois anos o sonho tornava-se no mais horrível dos pesadelos: H. foi acusado do crime de violação, e condenado a cinco anos de prisão. Confrontados com crimes desta natureza, que implicam normalmente uma conduta violenta e mexem com a dignidade humana, pouco mais nos importa, desde que se faça justiça. Perante a forma com que este crime é tipificado, dos seus contornos desumanos que nos causam asco e revolta, pouco importa a motivação do seu autor – tendo isso ficado provado em tribunal, nada resta senão aceitar as regras, e deixar funcionar a máquina do Direito e respeitar o primado da lei, condição sem a qual não usufruíamos das protecções e garantias que tanto prezamos – ou será tudo assim tão simples?

O crime pelo qual H. foi condenado, e de que aguarda agora decisão do recurso interposto pela sua defesa, não foi, nem nunca será, mesmo que confirmada a sentença, aquilo que a maior parte de nós entende como uma mera violação, o saciar da vontade perversa de um predador sexual. O pouco que soubemos da imprensa em língua portuguesa não nos permite ter certezas quanto à natureza da relação que existia entre o alegado agressor e a vítima, mas o facto de existir entre ambos uma coabitação e de se ter argumentado pormenores sobre aspectos da vida íntima de ambos já dá a entender que nada disto é puramente acidental, ou que se trata de um encontro casual onde há uma interpretação errada de vontades, gestos ou intenções. Quem se imagina a partilhar o mesmo tecto com alguém no âmbito de um relacionamento do qual existe um historial de vivência, fotografias em conjunto, afirmações de compromisso, amigos em comum, em suma, tudo o que dá a entender uma cumplicidade como tantas outras que existem entre gente que se ama, acabaria assim, nas barras dos tribunais com uma das partes a ser condenada como um vulgar criminoso, um usurpador da virtude alheia.

Interessou-me este caso, pois não consegui entender o que leva a que algo que um dia é tido como elemento integrante de uma relação amorosa, como todas, as nossas, a dos casais nossos amigos, das famílias em geral, venha no dia seguinte a ser julgado como um crime. Ficando a saber um pouco mais do que a maior parte da opinião pública, fiquei com a impressão que afinal este é um risco que todos nós corremos. Quem é irresponsável ao ponto de cometer a inconfidência de divulgar os detalhes mais sórdidos da sua intimidade? Quem falta desta forma ao respeito com o companheiro ou companheira com quem partilha uma vida em comum? Já alguma vez alguém parou para pensar como seria se levássemos o que se passa no leito entre a pessoa com que o partilhamos à consideração de um colectivo de juízes? Sinto que foi isto que se passou no caso de H., e que o levou a passar o último ano e meio atrás das grades, que o fez perder a sua empresa, a mobília da casa, e até o seu cão e fiel companheiro, quem sabe a maior vítima desta querela entre humanos.

Não vou ousar questionar a justiça, ou a forma como foi produzida a sentença, mas não posso deixar se sentir que não se atenderam a factores que vão muito mais além do simples crime e castigo, e que se fez juízo com base em meras suposições, e a certo ponto até em palpites. Numa altura em que Macau se prepara para criminalizar a violência doméstica, os tribunais têm que estar preparados para atender não só ao essencial mas também ao acessório. Um dia de conflito não pode neutralizar meses ou anos de harmonia. Uma agressão, por mais dura ou censurável que seja, não deve ser julgada sem ter em conta a cumplicidade que existiu entre o agressor e a vítima. Claro que não se pode deixar passar em claro, e é para isso que o sistema se dota de medidas preventivas e punitivas, mas é preciso não esquecer os factores dirimentes e atenuantes. A justiça não se pode resumir ao que vem nos códigos. Assim era fácil, fazia-se tudo pelo livro, dispensando o factor humano.


1 comentário:

Anónimo disse...

A liberdade interior, que é bem mais importante do que a liberdade exterior, consiste em possuir um coração puro que não cede a influências e a pressões. A independência é, antes de mais, seguir uma lei própria, ser autónomo nas decisões e opções que vamos fazendo e que configuram a nossa vida. Não é fácil em muitas situações ser livre e independente, todos nós conhecemos exemplos disso mesmo, mas é indispensável e devemos contribuir para que outros o consigam ser.

Pe Vasco Pinto de Magalhães, in "Não há soluções, há caminhos"

Forca Hugo
Esperemos que o advogado dela, um tal Leal,e os 2 padrinhos macaenses, 1 na PJ e outro, advogado, com DNA na Segunda instancia, deixem de usar o sistema judicial como forma de Vinganca Privada para prejudicar um homem inocente, tribunal de Lynch como aconteceu na primeira instancia.
Haja justica e verdade.
Paeabens pela dignidade e coragem e sentido de cidadania Leocardo.
Em Portugal durante 200 anos morremos pelos direitos constitucionas e essa nobre lei Suprema a Constituicao da Republica Portuguesa. Em Macau onde Ilustres Chineses dizem que quem nao respeita a Lei Basica deve ser cuspido e tratado como um rato.. Entao ? Os senhores acima referidos, a PJ, o MP, a Juiza nao o dizeram neste caso... pelo contrario, cagaram para a Lei Basica... Porque?