Entre as forças habitualmente mais votadas em eleições para a Assembleia Legislativa encontram-se os chamados “sectores tradicionais”, e nos quais encontram-se dois grandes grupos: os operários e os “kai-fong”, ou a Associação dos Moradores. Estas forças foram durante os tempos da Administração Portuguesa o contraponto ao poder colonial, as associações que defendiam os interesses da população de Macau de etnia chinesa sem ligação ao círculo do poder, empregada no sector primário e secundário. Era a estes que davam apoio, ora com a criação de centros de aconselhamento, supermercados, cantinas, creches, asilos, centros de lazer e outras actividades, e faziam de ponto de contacto entre a população sem voz e o Executivo.
Os operários, cuja fusão de várias associações originou a UPD (União para o Progresso e Desenvolvimento), concorre desde 2001 às eleições directas para a Assembleia Legislativa, e a sua figura de proa tem sido Kwan Tsui Hang. Nascida em Macau e filha de operários, Kwan começou a trabalhar ainda muito jovem para ajudar ao orçamento familiar, e também desde jovem desenvolveu interesse pela actividade sindical. Licenciou-se em Sociologia e é desde 2001 a representante da classe do operariado na AL, sendo sempre reeleita desde então, e levando consigo o nº 2 da sua lista: Leong Iok Wa em 2001 e 2005, e Lee Chong Cheng há quatro anos. É actualmente a força mais votada depois da Associação do Novo Macau Democrático.
Os “kai-fong”, a força que conglomera as associações de moradores dos vários bairros de Macau, são outra das forças tradicionais de referência, sempre a ter em conta no xadrez politico do território. Estas associações têm como finalidade defender os interesses dos residentes e proprietários, tratando das questões relacionadas com o urbanismo, a segurança ou a qualidade de vida dos cidadãos. São uma espécie de conselho de bairro à moda de Macau. Os “kai-fong” são de tal modo organizados que se tornaram na associação de matriz chinesa mais poderosa no tempo da Administração Portuguesa. A sua capacidade de dialogar com o poder central colheu a simpatia da população chinesa, e nas eleições de 1992 foram a força mais votada, com mais de 25% dos votos expressos.
Desde essa hora a sua figura e líder histórico é Leong Heng Teng, actualmente porta-voz do Conselho Executivo, e que teve a honra de ser o último a carregar a tocha olímpica quando esta fez a sua passage pela RAEM, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Pequim. Até 2001 Leong representou os “kai-fong” na AL ao lado de Kou Hoi In, e depois disso aliou-se com a Associação das Mulheres de Macau (AMM), uma instituição tão poderosa quanto controversa, e a sua presidente Iong Weng Ian passou a acompanhá-lo no hemiciclo. Há 4 anos apareceram de cara lavada, com Ho Ion Sang, funcionário do Banco da China como cabeça-de-lista, e Chan Hong, da AMM, como nº 2. O primeiro garantiu facilmente a eleição, mas Chan ficou a pouco mais de mil votos de entrar. Pela primeira vez na sua história os “kai-fong” e os seus aliados ficavam com um único representante na AL.
Falou-se de crise na Associação dos Moradores, e em surdina comentava-se que Leong Heng Teng teria “virado as costas” ao seu eleitorado, deixando o inexperiente Ho Ion Sang para limpar os cacos e tentar arrumar a casa. Com o factor experiência do seu lado, Ho vai tentar recuperar os 2500 eleitores perdidos nas últimas eleições, e para isso conta com a ajuda de Wong Kit Cheong, a sua nº 2. Wong é uma jovem de 31 anos, vice-presidente da AMM, apenas superada pela inabalável Iong Weng Ian, e como muito pêlo na venta. Recentemente esteve no centro de uma polémica ao opôr-se à contratação de enfermeiros portugueses pelos Serviços de Saúde da RAEM, argumentando mesmo que a falta de conhecimentos em língua chinesa “podia causar a morte dos pacientes”. A sua inexperiência e a tendência para o disparate poderão prejudicar as ambições dos “kai-fong”, mas nunca se sabe.
Estes chamados sectores tradicionais, forças políticas com tradição numa terra onde não se faz política, são aos olhos de uma grande parte da população um meio de fazer chegar ao poder vigente as suas reivindiações. Para os eleitores que não se identificam com o sector pan-democrata, nomeadamente com o Novo Macau, e preocupam-se antes com a sua vidinha e com os seus, a tendência é para votar em operários e “kai-fong”. Um defeito ou feitio das eleições de Macau: vota-se em que nos ajuda em vez de se pensar no bem-estar geral.
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