segunda-feira, 2 de setembro de 2013

No escurinho do cinema, parte VI: cinema português


É fácil falar mal do cinema português: é quase como bater em mortos. Há quem associe isto a um certo fatalismo próprio da nossa lusitanidade que nos leva a falar mal do que é nosso. Nada disso, o cinema português é mau, mesmo. Temos um clima maravilhoso, lindas praias, gente simpática, uma gastronomia riquíssima, fazemos boa música, bom teatro, muita coisa boa, mas se há algo que não conseguimos fazer são bons filmes. Em suma: o nosso cinema é uma merda, e era melhor que não existisse. Ficava sem uma coisa para falar mal, mas não tem importância. Cinema português não, já chega, já cheira mal.

Por incrível que pareça, já tivemos cinema de qualidade. Durante os anos 30 e 40, e enquanto a Europa se levantava da II Guerra, em Portugal fazia-se filmes. Foi o tempo dos grandes clássicos, a idade de ouro da sétima arte portuguesa, actores de elevado calibre, argumentos com pés e cabeça e produções ambiciosas. Sim senhor, um espanto. O pior foi a passagem para a modernidade. Não sei o que se passou, mas não deve existir um filme português nos últimos 60 anos que se consiga ver do princípio ao fim sem uma garrafa de Pepto-Bismol ao lado. É mesmo muito mau. Doentio.
Os nossos actores conseguem fazer telenovelas e teatro – e temos excelente teatro – dando credibilidade aos personagens que encarnam, mas quando chegam ao cinema, é como se entrassem em “tilt”. Ficam perdidos, como se não soubessem o que estão ali a fazer, em que dia estamos ou como se chamam. Os argumentos também não dão uma grande ajuda, e mesmo que a ideia seja boa, o cinema português tem o condão de a arruinar. No outro dia estava a ver o filme “Gente feliz com lágrimas” - é uma mini-série e não uma longa-metragem, mas é um bom exemplo - , baseado no romance homónimo de João de Melo, e nem queria acreditar como podiam ter transformado um livro mais ou menos decente numa cagada em três actos. Incrível. Devia existir um anti-prémio para isto.

Se temos bons actores e bom material, talvez o problema seja dos realizadores, quem sabe? E pensando bem talvez seja mesmo isso. Dos nomes que me vêm agora à cabeça não quero mencionar nenhum para não insultar as pessoas em causa, mas há uma excepção que é impossível não referir - a seu tempo. Uma das queixas destes realizadores portugueses quando fazem uma enorme cagada que depois chamam “filme” é a falta de apoios. Claro que estou a falar de dinheiro, grana, pilim, maçaroca. Na falta de investidores privados – e porque raio ia alguém investir naquela trampa? – viram-se para o Estado, nomeadamente para o IPACA – Instituto Português da Arte Cinematográfica e Audiovisual. Os que fazem um filme mau, queixam-se que a culpa é do IPACA, os que fazem um filme sofrível dizem que “podiam ter feito melhor, não fosse pelo IPACA”, e não ouço nenhum dizer que “fez um bom filme, APESAR do IPACA”. Talvez porque nenhum tenha feito um bom filme? Eureka!

O realizador português de referência é o centenário Manoel de Oliveira. Até simpatizo com o senhor, mas deve ser por causa da sua longevidade e resiliência, e não pelos filmes que realiza. Oliveira conta no seu currículo com filmes que são ora demasiado longos, demasiado artísticos, ou demasiado inspirados na escola francesa – nada contra o cinema francês, mas “hello?”, somos portugueses? Recorre sempre aos mesmos actores, que são bastante mauzinhos, e para dar um toque mais comercial, socorre-se de alguns estrangeiros, como Catherine Deneuve (aí está…), ou John Malkovich, que é um tipo porreiro que alinha em tudo o que seja “diferente” - contando que lhe paguem o cache, lógico. “Oliveira é um realizador premiado em festivais internacionais”, argumento frequentemente utilizado pelos que se orgulham com banalidades como o cão português na Casa Branca. Premiado sim, com menções honrosas. Toma lá que foi por teres cá vindo,foi porreiro da tua parte. Palmas de Ouro, Oscares ou Ursos de Ouro é que nem vê-los.

Os filmes de Oliveira sofrem do mesmo problema que a maioria do restante cinema português: planos demasiado longos e escusados, com pretensões a um realismo que sinceramente não se entende, longos silêncios (vai ser fácil fazer um filme sobre o presidente Cavaco Silva), interpretações deprimidas, e tudo com um som terrível! O que raio se passa com a nossa sonoplastia? Quando se quer fazer uma comédia descamba para a palhaçada, se for um melodrama dá para cair para o lado de tanto sono. Se for uma daquelas “histórias da vida real”, sobre droga, prostituição ou outro mal da sociedade, a tendência é para se pintar tudo de negro, os personagens são todos ora desgraçadinhos ora maus como as cobras, e faz-se o possível para “chocar” as audiências com cenas de mau gosto tal, que mais valia que os deixassem dormir em paz. No filme “Os Mutantes”, de Teresa Villaverde, por exemplo, a personagem principal dá à luz numa estação de serviço em pleno dia, sem qualquer tipo de assistência e a esvair-se em sangue, e dá urros de dor tamanhos que seriam escutados nos Himalaias. Só quando abandona o lavabo pelo próprio pé (?), depois de ter deixado o recém-nascido no chão, chega um tipo assim muito intrigado com a cara da moça, que aparentava ter estado a chorar. Só lhe faltava perguntar: “está tristinha a menina? Quer um lenço?”. Quer dizer, tenham dó.

Estes realizadores portugueses estudaram no estrangeiro, e estagiaram com cineastas conceituados. Será que não aprenderam nada? É assim que se dirigem os actores? Personagens uni-dimensionais que se comportam exactamente da mesma maneira do princípio ao fim do filme, não vá o burro do público português não entender logo à primeira os traços do seu carácter. Actores que não sabem demonstrar emoções, fazem caretas em vez de expressões faciais, e se levam um tiro olham para o chão procurando o melhor lugar para cair. Os diálogos são mastigados e a entrega é uma desgraça: ninguém, mas ninguém neste planeta fala da mesma forma que a maioria dos actores portugueses nos filmes. Se for preciso dizer um simples palavrão como “merda”, sai a medo e ainda ficam a olhar para um lado e para o outro, não venha aí a professora da quarta classe dar-lhes uma reguada. Quando João César Monteiro realizou “Branca de Neve”, um filme sem imagem e com os actores a ler os textos, não estava apenas a insultar o seu público; estava a representar a totalidade do cinema português. Todos os filmes são como “Branca de Neve”, só que este pelo menos assume.
Não me levem a mal, pois na verdade isto dá-me imensa pena.

Adorava que o cinema português tivesse uma qualidade mais próxima do norte-americano, do inglês, do italiano ou do japonês. Olhemos para o exemplo da Espanha, mesmo ali ao lado: o que nos falta para termos realizadores da qualidade de Pedro Almodovar, Fernando Trueba ou Manuel Amenábar? Já sei que a Espanha é seis vezes maior que Portugal, e quem sabe se o IPACA espanhol é também mais generoso, mas se fizéssemos qualquer coisa com um sexto da qualidade de um Almodovar, já seria muito bom. Se calhar o António Silva deixou no cinema português uma maldição como a que Bela Guttmann deixou no Benfica. Talvez nem todos concordem com este ponto de vista, nem eu esperava unanimidade de opiniões, mas para aqueles que ainda acham que no cinema português “até se fazem algumas coisas boas”, destas três uma: estão a ser bondosos, são ultra-nacionalistas, ou têm péssimo gosto. Ou então estão a brincar, como fez o João César Monteiro. E fez bem.

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