quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Ordenamento desordenado


A questão do reordenamento dos bairros antigos é um assunto que me diz respeito directamente, pois vivendo aqui no Bairro da Praia do Manduco, não estou nada, mas mesmo nada satisfeito com o tal do “ordenamento”. Já aqui tivemos leitores a expressar a sua angústia pela aparência faveleira da cidade vista do topo, mas isso deve-se às tais de “obras ilegais”. Essas obras, que por não serem legais e portanto sem qualquer tipo de planeamento ou inspecção, são uma autêntica merda. O maior problema são as coberturas de zinco e de chapa que tapam os telhados, e que depois fazem Macau assemelhar-se a uma cidade qualquer da América Latina pobre, com edifícios luxuosos de um lado e barracas do outro.

Mas com o que se passa lá em cima, até posso eu muito bem. O problema é o que se vê lá em baixo, na rua, à porta das casas, nas lojas. Pavimentos feios e sujos, escadas decadentes, ruelas tortas e esquisitas, roupa pendurada, motas por toda a parte. Mesmo nas zonas onde existem prédios de quatro andares, não há crianças a brincar na rua, faltam parques e recreios, faltam espaços verdes. Por incrível que pareça, há ruas que têm centenas, senão milhares de residentes, e não há um café, uma patisserie ou um ponto de encontro onde se possam sentar tranquilamente a ler a jornal. Há casas de pasto sim, barulhentas, sujas, que cheiram a fritos e a molho de caril. Há umas com mesas na rua onde algumas pessoas sem camisa se embebedam, uma delas ao lado de dois latões do lixo.

E não me venham dizer “ó Leocardo se quiseres cafés e esplanadas vai lá para Portugal” ou outras parvoíces, porque os bairros de qualquer cidade civilizada que se preze têm locais de lazer e convívio para os seus residentes. Durante uns tempos funcionaram à noite uns bares ali na zona dos lagos Nam Van, uma ideia que não deu resultado – nenhuma ideia deste tipo resulta. Toda a gente acha que “é uma parvoíce” pagar 20 patacas por uma cerveja que custa 3 no Supermercado. E em casa “estão sempre muito mais à vontade”, a ganhar bolor e a estupidificar-se com o entretenimento televisivo de Hong Kong.

O problema passa também pela especulação imobiliária, que se não é travada a tempo, pode colocar praticamente toda a habitação digna desse nome em Macau nas mãos de ricaços da China e de Hong Kong. É impossível a um negócio que pague dez mil patacas de renda por uma lojinha velha e pequena enfiada na Rua da Alfândega sem ter um volume de negócio que o justifique. Os negócios familiares, cujo comerciante é ao mesmo tempo o proprietário da loja, ainda vão sobrevivendo mesmo que só vendam meia dúzia de asas de galinha frita (que é o que normalmente vendem...) ou duas camisolas por dia, pois não estão a "correr contra a renda", por assim dizer. Já nem falo do arrendamento de estabelecimentos comerciais no centro da cidade, cujas rendas andam na ordem das centenas de milhar de patacas.

O novo mercado até foi uma coisa boa em termos de instalações e higiene, mas ainda penso que o antigo era melhor. É complicado andar ali à procura das secções “da galinha”, “do peixe” ou “dos vegetais” como se andasse ali num hospital à procura das especialidades. Era mais giro como antes, com a malta toda junta, e era só levantar a cabeça para ver onde eram as coisas. Isto tudo por causa do tal parque automóvel, o que não se percebe muito bem. Que tipo de negócios justificam um silo automóvel público nesta área? Nem sequer há aqui serviços, tirando talvez o Conselho de Consumidores. Foi por causa do Conselho de Consumidores?

Aqui a malta do bairro anda é de mota, e nem é preciso olhar para nenhuma estatística; basta observar onde deixam os utilitários durante a noite: à porta dos prédios, em cima dos passeios, no meio da rua, à porta das lojas, dentro dos pátios, em todo o lado. O mais triste mesmo é ver alguns estabelecimentos comerciais em ruína, cheios de pó e lixo, com recibos da conta da luz de 1995 colados nas portas de madeira apodrecida. Nessa tal coisa do reordenamento deviam tentar limpar a porcaria toda antes que se começasse a pensar em demolir, construír, ou urbanizar, enfim, a “reordenar”.

Em todo o caso, vou ficar atento à questão da vinda do metro ligeiro, que se diz ir funcionar como “panela de pressão” para a questão do tráfego, e parece que vai haver pelo menos uma paragem aqui em baixo no Chunambeiro. Era interessante que a zona do Manduco fosse beneficiada com isto, uma vez que não há qualquer possibilidade de ter tantos autocarros a passar numa zona de ruas estreitas, comércio e escolas. E quem diz autocarros diz camiões e carrinhas, que não poucas vezes se metem a carregar, descarregar e atrapalhar ali na zona do Lilau, mesmo em horas de saída de crianças da escola. Exprimentem passar à hora de almoço pelo Lilau quando está em obras. Uma aventura inesquecível, e sempre é bom para ainda não apanhou uma moca de pó e fumos de escape.

Já agora a Travessa do Abreu, enfiada aqui na Rua do Padre António entre edifícios residenciais, duas escolas e vários centros de explicação ainda dá muito jeito a quem quer vem da zona da Praia do Manduco, sem precisar de dar a volta pela Barra toda. O problema é que inicialmente esta artéria estava vedada ao trânsito, então os veículos passavam ilegalmente, mas passavam na mesma. Alguém com um pouco de inteligência resolveu então forçar a lei, o que causou um coro de protestos, e toca de fazer a passagem legal, pelo menos para os motociclos. Passam ali milhares de pessoas a pé por dia, vários idosos e crianças, e no fim da travessa existe uma curva cega que não permite ao peão ver os veículos que vêm da esquerda. São decisões destas que me fazem perguntar: então como é que põe ordem nisto tudo?

23 comentários:

Anónimo disse...

Oh Leocardo,mas também ninguém mandou-te ir viver para o Bairro da Praia do Manduco.

Leocardo disse...

Não é muito diferente nos outros bairros. Depois falamos melhor disso.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Concordo 100%.

Este foi um dos melhores posts do Leocardo nos ultimos tempos.
Cheio de verdades e toca em pontos chave que tornam realmente a qualidade de vida em muitas partes desta cidade uma autêntica merda só comparável às favelas e bairros de lata de países subdesenvolvidos. E isto numa terra onde abunda dinheiro!!

Falou-se o ano passado tanto no "plano de ordenamento dos bairros antigos", mas sinceramente pouco mais ouvi falar depois disso.

Gostava sinceramente de saber o que foi feito desse plano? É para avançar? Está ainda a ser estudado? Está à espera do metro ligeiro para avançar?

Algum leitor deste blog que saiba do assunto importa-se de esclarecer-nos?

Leocardo disse...

Sei que a comissão existe, e que se reúne com alguma frequência. Contudo não lhe sei dizer qual foi a última vez que se reuniram nem que decisões foram tomadas. E já agora obrigado pelo seu comentário :)

Cumprimentos.

Anónimo disse...

" desta cidade uma autêntica merda só comparável às favelas e bairros de lata de países subdesenvolvidos" opa tu sabes lá o que é uma favela e bairro da lata,se nunca viveste lá?Os portugueses de macau,queixam muito mas estão em Macau a ganhar muito mais dinheiro que os portugueses de Portugal e ainda se queixam,deviam voltar para vossas aldeias e vilas em Portugal para ver o que custa a vida em Portugal.

Anónimo disse...

Não me diga?! É preciso viver num bairro de lata para fazer uma ideia de como será? Se calhar o anónimo das 17:53, nunca viu documentários, telejornais, revistas, reportagens sobre os bairros da lata... vive em que planeta? ... ou se calhar, já viveu num desses bairros? Essa sua conversa, só demonstra dor de corno que sente por também não se poder queixar destas "coisinhas" dos portugueses que vivem em Macau, que querem melhor as condições de vida deles e dos outros, é por isso que existem "leocardos"!

Anónimo disse...

Olha, esse anónimo das 17:53 ainda não percebeu que a malta de Macau está cá precisamente para não morrer à fome em Portugal. Claro que nem todos ganham bons ordenados, até há quem se sujeite em viver no... Bairro da Praia da Manduco! O que faz a inveja. Haja Deus!

Anónimo disse...

Os portugueses são residentes tal e qual como os chineses, ó anónimo das 17:53. Se queres ir por aí, para os chineses que vieram da China continental a diferença entre o que ganham aqui e o que ganhariam no continente é ainda muito maior. Ainda por cima alguns andam sempre em manifestações e a entregar ao governo petições sem sentido, por tudo e por nada, enquanto os portugueses se vão limitando a dar opiniões. Para variar um bocadinho, porque não dizes também que esses deviam voltar para as suas aldeias e vilas, onde o governo da República Popular lhes "dava o arroz" se se manifestassem por tudo e por nada, como fazem aqui? Diz lá então o que é que te dói... Se é xenofobia para com os portugueses, também tens bom remédio: vais ao Consulado de Portugal, devolves o passaporte português e passas a utilizar o chinês.

Anónimo disse...

Eu dor de corno porque?Tenho bom ordenado em Portugal,tenho cá a minha vida,e estou feliz por isso,mas já vivi em Macau e sei perfeitamente que nada é perfeito neste mundo.

Anónimo disse...

Ah sim, com o dinheiro que Macau tem graças ao casinos, que afinal trouxeram uma péssima qualidade de vida aos residentes, devido aos aumentos das rendas e dos bens de consumo, nada justifica que haja bairros degradados, um hospital publico cheio de problemas e gente a passar fome. Será que temos de "comer e calar" para não incomodar os coitadinhos que vivem em Portugal? Se não lutam por uma vida melhor, problema deles...

Anónimo disse...

Pronto, já percebi que o anónimo das 17:53, fala com "conhecimento de causa" porque já viveu em Macau e "sabe como é". Muito estranha a revolta dele, para quem "está bem" e "ganha um bom ordenado". Esquisito, não é? ... aquele desabafo...

Anónimo disse...

Curioso como se pode manipular o sentido de uma afirmação com a subtil eliminação de uma palavra, para logo depois desatar a disparar em todas as direcções.


Eu disse "partes desta cidade uma autêntica merda..", o anónimo das 17:53 escreveu apenas "desta cidade uma autêntica merda..". São coisas completamente diferentes. Mas enfim...

Eu digo e repito, sinceramente acho que o aspecto de alguns bairro antigos de Macau assemelham-se a autênticos bairros de lata. Se não concorda é porque não conhece Macau ou nunca cá viveu.

E eu não preciso de ter vivido num bairro de lata para saber como é. Tal como você não precisa de ver o seu cérebro dentro da sua cabeça para saber que ele está lá, não acha?

Quanto ao resto do que escreveu sobre a vida em Portugal e isso tudo, eu respondo-lhe seguindo a mesma lógica (sua).

Aqui vai:

"Os portugueses de Portugal,queixam muito mas estão em Portugal a ganhar muito mais dinheiro que por exemplo os africanos de Angola ou Moçambique e ainda se queixam,deviam ir as aldeias e vilas em Africa para ver o que custa a vida."

E depois você poderia responder que esses africanos até nem se deviam queixar porque há outros na Etiópia e na Somália ainda piores. Depois podiamos continuar com o Zimbabue, ou saltar para o Taiti, Coreia do Norte, etc etc e ficavamos aqui a noite toda entretidos.


Meu amigo, se não posso criticar o que está mal na cidade onde vivo porque você vem logo argumentar que há outros sítios ainda piores, então neste mundo só têm legitimidade para criticar, aqueles que vivem na maior miséria e desgraça do país absolutamente mais pobre deste mundo.

Acha que faz algum sentido?

Anónimo disse...

Olhe lá
o anónimo das 17:53, há quanto tempo não vive em Macau para saber se a vida não custa a ganhar aqui? Sabe quanto custa a renda num buraco qualquer? Nunca menos de 8000 mil patacas (800 euros). E os bens alimentares? Tudo tem aumentado e olhe que eu este ano quando fui de férias a Portugal, podia comer uma refeição decente a partir de 5 euros e aqui se for a um restaurante português é de 90 patacas para cima. Vá-se catar desgraçado!

Anónimo disse...

Não acho nada esquisito no comentário das 17:53,ele ou ela apenas disse o que é verdade,que os portugueses de Macau ganham muito mais dinheiro agora em Macau e tem melhores condições de vida do que se estivessem em Portugal.Se emigraram para Macau é lógico que não estavam felizes com a vida que tinham em Portugal.

Anónimo disse...

"e aqui se for a um restaurante português é de 90 patacas para cima." Mas alguém te obrigou ir comer num restaurante portugues em macau???È claro que é mais caro comer num restaurante portugues em macau do que comer num restaurante português em portugal,oh espertalhão.Quando comes em restaurantes internacionais em macau ou em qualquer parte do mundo também é mais caro do que se comesses lá naqueles países de origem.Porque que não vais comer em restaurantes chineses em macau?Sai sempre mais barato do que ires comer num restaurante internacional em Macau.

Anónimo disse...

Em Macau paga-se uma bela refeição por 50,60 patacas em restaurantes chineses.Comida internacional é mais caro como é lógico.Restaurantes portugueses em Macau nem ponho os pés,são caros e com pouca qualidade comparado com os restaurantes portugueses de Portugal.È como comparar comida chinesa de Portugal com comida chinesa de Macau,Hong Kong e China,não tem nada a ver.

Anónimo disse...

Por acaso gosto mais da comida portuguesa em Macau do que em Portugal e também gosto mais da comida chinesa em Portugal do que em Macau. Talvez porque prefira comida de fusão. Posso, ou tenho de mudar de gostos?

Anónimo disse...

Que grande revolta que para aqui vai!

Anónimo disse...

o leocardo introduziu um tema cuja opinião concordo em geral!! de facto, é revoltante e injusto que um governo tão rico não consiga melhorar a qualidade de vida destes bairros, onde vivem muitas pessoas e residentes de Macau, que têm o direito de usufruir do dinheiro que o governo tem... esta coisa do reordenamento é mesmo revoltante... dpx de tantos anos de discussao, ainda nao se viu obra feita... como o governo vai mal... mesmo com estas "merdas" todas, continuo a amar Macau e a achar Macau uma cidade especial e linda...

Anónimo disse...

ó Leocardo se quiseres cafés e esplanadas vai lá para Portugal!

Anónimo disse...

"E não me venham dizer “ó Leocardo se quiseres cafés e esplanadas vai lá para Portugal” ou outras parvoíces". E pronto, há quem não resista a ser parvo. É da natureza.

Anónimo disse...

Vamos por pontos:
- Certos leitores têm muita piada. Se um português residente em Macau ganha o seu ordenado e não liga ao resto, é um mercenário que só vem para cá sacar dinheiro e tirar emprego aos de cá. Se se interessa pela terra e comenta o que considera estar mal, devia era voltar para Portugal. Um raciocínio deveras interessante, que mostra bem a inteligência de quem o profere...
- Macau é uma terra especial por diversas razões, mas tem muitas e muitas ruas e bairros feios como tudo. Feios, sujos, degradados, que só oferecem qualidade de vida a quem tem padrões muito baixos. É óbvio, está à vista de todos, mas tenho que fazer de conta que nada disto existe, porque, senão, devia voltar para a "minha terra", segundo certos leitores;
- Se é para andarmos nestas argumentações básicas do "vai para a tua terra", então sugiro que os Muitos milhares de chineses e macaenses que vivem em Portugal dêem o exemplo e voltem para as sua terras. Teria pena, mas, assim, ceros leitores já teriam, finalmente, legitimidade para continuarem a mandar certas bocas...
- Finalmente, há que assumir de uma vez por todas que o que vale a Macau é ter tanto dinheiro. Mal distribuído, é certo, mas muito dinheiro. Sem isso, acho que pouquíssimos forasteiros viriam para cá viver. É que, quanto ao resto, há muito melhor em muitos outros lugares. E é pena que assim seja!

Anónimo disse...

Não se esqueçam das putas, que é uma das coisas em que Macau tem qualidade para ombrear com qualquer parte do mundo. E isso também traz cá muita gente.