Governos um pouco por todo o sudoeste asiático estão a seguir a linha de censura autoritária exercida pela China na internet, de forma a manter os dissidentes políticos em cheque. Vietname, Birmânia, Tailândia, Cambodja e Filipinas estão a investir na monitorização da actividade online, bloqueando websites estrangeiros considerados “críticos”, e silenciando dissidentes. No Vietname, o Partido Comunista convida o cibernauta para ser seu “amigo” na versão oficial do Facebook, contando que o utlilizador forneça todos os seus dados pessoais. Na Birmânia a dissidência política pode ser silenciada cortando simplesmente o acesso à internet no país inteiro. Na Tailândia, os webmasters podem ser detidos por coisas que nem sequer escreveram ou pensaram, se permitirem no seu website comentários injuriosos para a monarquia.
Os governos asiáticos adoptam cada vez mais as medidas utilizadas pela China, famosa pela toda poderosa “Great Firewall”, e tudo indica que a tendência seja para tornar o controlo mais rígido. Cinco bloggers da região falaram sobre as restrições que encontram actualmente, e de receios futuros, numa reportagem para o jornal britânico The Guardian.
Raymond Palatino, o deputado mais jovem de sempre do parlamento filipino e editor do site Global Voices, afirma que os governos, além de censurarem conteúdos, começam a usar o argumento da moralidade e da decência para censurar o acesso à informação e silenciar as vozes incómodas. “Vemos os governos a usar a desculpa da moral pública como razão para censurar conteúdo na internet. Eles usam a pornografia, por exemplo, como desculpa para tornar a censura ‘aceitável’ perante a opinião pública”. Há mais de uma década, George W. Bush terá dito qualquer coisa como: “Imaginem como será quando a internet se alastrar pela China. Imaginem a forma como a liberdade se vai espalhar pelo país”. Mas em vez de servir de catalizador para a democracia, a internet tornou-se noutro campo de batalha contra a dissidência. Palatino considera que alguns governos usam a internet “para seu próprio proveito”: “Estão a aprender formas de impedir a população de usar a internet para criticar o poder. Em vez de ser uma ferramenta para dar poder à população, a internet cai nas mãos de um governo repressivo e autoritário”.
Com uma população de mais de 600 milhões, o Sudoeste asiático tem cerca de 123 milhões de utilizadores da internet, mas a penetração da tecnologia varia entre os 0,2% na Birmânia e em Timor-Leste e os 80% no Brunei ou 77% em Singapura. Mas a China, com 384 milhões de utilizadores, é a lider na região Ásia-Pacífico. Nas Filipinas a legislação contra o cibercrime levaria a censurar qualquer coisa considerada “imoral” ou “indecente”. Palatino diz que “as leis são deliberadamente vagas de modo a que possam ser utilizadas para fechar qualquer website considerado subversivo”.
O governo do Cambodja visa controlar o acesso à internet em todo o país, a para tal apontou uma empresa pública de comunicações como único servidor autorizado. Os websites serão todos inspecionados, e a pornografia será filtrada, segundo fontes governamentais, mas a oposição teme que os sites que criticam o governo sejam também bloqueados. Kounila Keo, blogger cambodiana, diz que o seu blogue previlegia os temas “que lhe são próximos”, como sejam os direitos das mulheres e crianças, e outros assuntos que não sejam cobertos pelos media locais, pesadamente regulamentados. Apesar de dizer que se sente “livre” de escrever o que quiser, olha para esta nova tendência como “preocupante”: “Observo que o esforço do governo para fechar qualquer website que quiser é ainda infrutífero, mas temo que isso seja apenas uma questão de tempo. O Cambodja pode cair no efeito dominó da região”. O acesso à internet no Cambodja é ainda caro, especialmente fora da capital Phnom Phenh, e a proposta do governo de os portais de internet no país não vai melhorar o acesso à web. “O plano é um aviso aos bloggers e aos pensadores livres do Cambodja, que devem ficar alerta se este plano for levado para a frente”, concluíu Kounila.
Na Tailândia, a centenária lei que pune o crime de lesa-majestade, ou difamação da monarquia é aplicada frequentemente, e serve para acabar com qualquer debate sobre a família real ou o papel da monarquia no país. Chiranuch Premchiaporn, editra do website de notícias em inglês
Prachatai.com, enfrenta uma pena de 70 anos de prisão por ter “permitido” que o rei fosse insultado online. A acusação está relacionada com cinco comentários de um total de mais de 200 publicados a propósito de uma entrevista com um homem tailandês que foi multado por se ter recusado a ficar de pé no cinema durante o hino nacional. Premchiaporn, mais conhecida por “Jiew”, não foi a autora dos comentários, mas de acordo com as autoridades permitiu que ficassem publicados “mais tempo que o permitido”, um “tempo” nunca definido pelas autoridades, nem antes, nem depois da acusação.
Em liberdade perante o pagamento de fiança, diz-se assustada com a possibilidade de ir para a prisão: “Não penso só em termos de quanto tempo vou ter que passar na minha cela. A minha vida inteira é uma incerteza. Não posso fazer quaisquer planos devido a esta acusação. É muito duro viver assim”, disse Jiew. As leis demasiado rigorosas e os castigos severos têm um efeito dissuasor quando se faz comentário político em blogues ou fórums na Tailândia. “Penso que o maior problema nos media tailandeses é a auto-censura”, disse Jiew, que concluíu: “Quando iniciámos o Prachatai acreditávamos nos ideais do direito à informação, e de como a informação não devia ser toda concentrada apenas numa fonte, ou num grupo de pessoas”. O Prachatai está bloqueado na Tailândia devido ao decreto de emergência de Maio último, por altura da sublevação dos camisas vermelhas, leais ao ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra.
No Vietname os cibernautas podem tornar-se “amigos” do Governo na versão local do Facebook (bloqueado no país). Uma versão experimental do
go.vn foi lançada em Maio, mas a versão final estará pronta até ao final deste ano. As aplicações são em tudo semelhantes ao facebook original. Os utilizadores podem actualizar a informação pessoal, publicar fotografias e links, e mandar mensagens uns aos outros. O site dá acesso a links de notícias, artigos sobre o fundador da nação, Ho Chi Minh e outros heróis revolucionários, e os membros podem ainda entreter-se com jogos previamente aprovados pelo regime (num dos jogos o utilizador pode juntar-se a uma milicia que combate a globalização do capitalismo). O website é monitorizado de perto pelos serviços de segurança, e se para alguns a vantagem da utilização da internet é o anonimato, no Vietname isto é praticamente impossível: para se juntar ao go.vn, os utilizadores precisam de fornecer nome completo e número de identificação. O Governo vietnamita espera ter 40 milhões de utilizadores registados no site – metade da população actual do país – dentro de cinco anos. O optimismo deve-se sobretudo à forma implacável com que os dissidentes são perseguidos no país: recentemente quatro bloggers foram condenados a penas de 16 anos de prisão por publicarem artigos em que discordem das medidas do governo. Por enquanto o go.vn tem apenas alguns milhares de seguidores.
A Birmânia tem o pior registo no que toca à liberdade de expressão e na internet na região. Todos os sites com a extensão .mm (Myanmar, nome com o qual o país foi rebaptizado em 1989) e e-mails são monitorizados de perto pela Junta Militar no poder, e os websites estrangeiros foram simplesmente banidos. Mas no cybercafés da maior cidade do pais e antiga capital Rangum usam servidores proxy para ludibriar a censura e aceder aos sites proibidos. Sem capacidade de competir com a tecnologia “pirata”, o governo corta simplesmente o acesso à internet durante os tempos de crise, com o aconteceu há 3 anos durante a Revolução de Açafrão, iniciada por monges budistas. Na altura a Junta culpou um cabo submarino pela interrupção do serviço.