De todas as listas concorrentes às eleições do dia 15, a lista 10 ganhou o prémio de originalidade na escolha do seu nome. Associação para a Promoção da Democracia, Liberdade, Direitos Humanos e Estado de Direito de Macau (Ideais de Macau) é um mimo. Faz lembrar aquelas músicas com nomes tão compridos que demora semanas até que os fãs consigam pronunciar o título correctamente. O nome desta lista 10 não fica nada a dever ao tema “The Glorious Liberation of the People's Technocratic Republic of Vinnland by the Combined Forces of the United Territories of Europa”, dos Type O Negative, pelo menos em originalidade.
Apesar da caldeirada que os senhores da lista 10 cozinharam, juntando no mesmo tacho valores tão prezáveis como a democracia, a liberdade, os direitos humanos e o estado de direito, dificilmente chegarão longe, pois ninguém os conhece, e esses terrenos são há muito debravados pela Associação do Novo Macau Democrático, que nem lhes deve sequer dar qualquer importância. Mesmo assim tiro o chapéu a quem se lembre de apelar ao voto dos amantes destes ideiais, em vez de se lembrar de um grupo específico de eleitorado que lhes valesse os 7 ou 8 mil votos que elegessem um deputado.
Já aqui abordei este tema, o da falta de abrangência de algumas candidaturas ao hemiciclo, onde os deputados eleitos deviam supostamente defender os interesses de toda a população, e não apenas dos seus eleitores, da sua “clientela”. Como eleitor, sinto-me defraudado por estarem lá representados sectores que não só não me dizem nada, mas que em última instância podem opor-se aos meus princípios, ou interferir com os meus interesses em deterimento dos seus. Com a excepção desta simpática lista 10, o já referido Novo Macau e mais uma ou duas listas que terão poucas ou nenhumas hipóteses de eleger um deputado, nenhuma se assume no contexto de uma plataforma que inclua todos os eleitores e residentes de Macau.
Os sectores ditos tradicionais são os que mais sofrem desta espécie de “eleitoradismo” – é como o racismo, mas em vez de se discriminar uma raça ou defender a superioridade de uma delas sobre as outras, é feito com o eleitorado. Do que me serve votar nos operários se não sou operário? Do que vale votar nos “kai-fong” se não têm nada para me oferecer? Sendo eu funcionário público, e não votando na Nova Esperança, apoiada pela ATFPM, serei um “traidor”? É que não me interessa votar em quem defende os meus interesses. Quero votar em alguém que defenda os direitos de toda a população, e com cujos ideais me identifique minimamente. Que me dê a mão mas não se esqueça dos outros.
Falta-me referir as listas onde dentro deste “eleitoradismo” existe ainda uma forte componente regionalista. Imaginemos esta situação: vou muito bem a passear pela zona da Areia Preta, e dou de caras com elementos da lista do deputado Chan Meng Kam, que assumidamente procura o voto dos cidadãos oriundos da província chinesa de Fujian, com uma grande diáspora no território. Os elementos da lista vão entregando folhetos a quem passa, menos por mim. Está na cara que não sou originário de Fujian nem fukinense de segunda ou terceira geração, e portanto não lhes interesso para nada. Nem que eu considerasse votar nesta lista, eles passavam bem sem o meu voto, e se calhar até preferiam que eu não me incomodasse. Até são capazes de me entregar um folheto, mas apenas se eu insistir, e ainda hesitam, e depois sorriem como quem diz “o que é que este ‘kwai-lou’” quer da gente?” Talvez esteja a exagerar, e o meu voto seria bem-vindo para qualquer uma destas listas onde não me incluo como eleitorado-alvo, mesmo que eles ficassem sem entender as minhas intenções.
Há quem já tenha piscado o olho a outro eleitorado que não o da sua base, como é caso o deputado Pereira Coutinho, presidente da ATFPM e eleito para duas legislaturas com o apoio dos funcionários públicos e alguma comunidade portuguesa que com ele simpatiza, além de algum eleitorado mais inocente, que vê em Coutinho um tipo que depois dá jeito quando é hora de renovar o passaporte no consulado. Todos estes menos os enfermeiros, que passaram para o lado de Melinda Chan com o “dedinho” de Jorge Fão, ex-presidente da ATFPM e tocador de concertina na opera de David Chow juntamente com Francisco Manhão, e com quartel-general na APOMAC. Esta “cisão” que tantos momentos lamentáveis de troca de galhardetes tem proporcionado divide os reformados e pensionistas, um eleitorado ainda respeitável em número, que se divide em apoiantes de Pereira Coutinho, e anti-Pereira Coutinho. Não fossem eles já velhinhos e um debate mais aquecido terminava à chapada, com cadeiras de rodas e muletas pelo ar.
Coutinho tem ultimamente “ido a todas”, e não há manifestação, marcha, protesto ou fila dos correios para adquirir a última edição de selos comemorativos onde ele não esteja. Basta que haja um ajuntamento popular, e lá está o Coutinho, uma espécie de “emplastro”, mas com um ar mais sóbrio e politicamente consciente. Coutinho apoia os “gays”, os defensores dos animais, e até os agentes imobiliários que ficaram “à rasca” com a nova legislação que lhes lixou o esquema da especulação. Só não se junta às criancinhas da cresce quando vão comprar bolachas ao supermercado porque eles ainda não votam. Outra “piscadela”, mesmo que tímida, foi a de Angela Leong, que apelou ao voto do eleitorado português, recordando “tudo o que o marido fez pela nossa comunidade”. Mas esperem lá…qual marido? Bem, o melhor é calar-me. Prefiro deixá-la com um “obrigado, mas passo”. Pelo menos foi simpática a senhora, e pode ser que um dia vote nela, quando estiver a trabalhar num casino e não tenha outra escolha.
Tirando estas raras excepções, os restantes candidatos não querem saber de mais ninguém senão do eleitorado pertencente às associações que as compõem. E depois há ainda o obstáculo linguistic; como a maioria do material de campanha é escrito em chinês, o eleitorado que não domine o idioma é perfeitamente dispensável, pois mais de 90% dos eleitores recenseados são…chineses. Filipinos, indonésios e quejandos não votam, e os que têm capacidade eleitoral contam-se pelos dedos das mãos, e mesmo esses estão-se nas tintas e provavelmente nem estarão inscritos nos cadernos eleitorais. Os portugueses, bem, alguns votam, mas são um nicho de “mercado” com que os candidatos (com excepção de Pereira Coutinho, claro) passa bem sem o apoio. Mesmo o NMD, que apoio abertamente e os meus leitores sabem disso, discrimina-me quando vou ter com eles e peço qualquer um dos seus hilariantes panfletos ou magazines. O bom do Au Kam San hesitou uma vez em entregar-me uma revista porque “estava em chinês”. Isto foi antes de sermos formalmente apresentados.
Só que aqui é que as listas se enganam. É natural que os candidatos pratiquem “eleitoradismo” contra os trabalhadores não-residentes – apesar de algumas usarem os que têm a seu cargo para os ajudar na campanha – mas com os portugueses o caso muda de figura. Sem uma lista de matriz portuguesa e com o único “português” remetido para nº 3 do Observatório Cívico de Agnes Lam, existem uma fatia importante do eleitorado “orfã”, chorosa, desejosa de ser pegada ao colo e mimada. Este grupo vale mais que os 800 votos do fiasco da “Voz Plural” há quatro anos. Não se iludam com este resultado, pois deverá existir qualquer coisa como 3 mil votos há espera que alguém leve. Portanto façam um favor a vós mesmos: seduzam-nos, assediem-nos, abordem-nos na rua, convidem-nos para jantares, aliciem-nos com “lai-sis” e outras ofertas, e por vocês cá esperamos.
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