Decorreu durante este fim-de-semana a 33ª edição da Festa do Avante!, um festival organizado pelo orgão de comunicação oficial do Partido Comunista Português (PCP), o jornal Avante!, assim com um ponto de exclamação no fim. Para quem é menor de 80 anos e não sabe o que “avante” significa, quer dizer “em frente, adiante”. Este “em frente” é no sentido de levar a cabo a revolução, no objectivo de alcançar o socialism, a ditadura do proletariado, etc., etc.,etc. toda essa conversa de chacha que há muito passou do prazo de validade. Eu nem diria que cheira mal, pois passado o período crítico da decomposição dos ideais comunistas, já nem cheira.
O Avante!, irmão mais novo do soviete Pravda (que quer dizer “a verdade”, ah ah ah) é um jornal que terá sido fundado há uns 70 ou 80 anos, sei lá, não estava lá nesse dia e não me interessa. Durante a ditadura do Estado Novo, o PCP ficou remetido à clandestinidade, e o Avante! era considerado “literatura subversiva”, e por isso proibido. As “formiguinhas” da resistência comunista faziam chegar o jornal ao seu público às escondidas. Uma vez ouvi um desses traficantes do Avante! dizer que dobrava o jornal ao ponto de caber dentro de uma caixa de fósforos. Isto porque o Avante! era feito naquele tipo de papel irritante, semelhante àqueles guardanapos de café que não absorvem nada, e que chega a ser dramático quando são a única coisa que temos à mão para limpar o cu. Apesar de ser um jornal cheio de retórica xéxé, em que nem os tipos que a escrevem acreditam, é preciso respeitar o historial do Avante!, bem como o do próprio PCP.
A Festa do Avante! começou a ser realizada em inícios dos anos 80, numa altura em que ainda existiam comunistas a sério. Para acolher a festa optava-se por um concelho cuja câmara pertencesse ao PCP, e passou por Almada, Loures ou Marinha Grande. Foi então que no início dos anos 90 o partido, num gesto muito capitalista, adquiriu um terreno na Quinta da Atalaia, na Amora, concelho do Seixal, e este passou a ser o quartel-general da festa. Todos os anos em inícios de Setembro, logo depois das férias e da praia, é altura da Festa do Avante!. A romaria dos festivais de Verão fecha com chave de ouro lá no Seixal, que fica apenas a um pulinho de Lisboa.
Até à queda do comunismo e o fim da União Soviética, a Festa do Avante! era uma espécie de Expo alternativa, com barracas exibindo o que se fazia para lá da misteriosa Cortina de ferro. Era uma oportunidade para se conhecerem melhor “os povos socialistas”. Nunca gostei muito desta palavra, povo, que os comunistas usam e abusam. Assemelha-se a polvo, e lembra-me de couves. Dava um trava-línguas engraçado: “O povo come polvo com couves”. O estilo de vida destes, pronto, vá lá, “povos” era sempre apresentado com uma demão de tinta dourada. É claro que na Festa do Avante! vendiam-nos a ideia de que o comunismo era uma maravilha, a RDA era o paraíso, e Stalin foi um gajo super-porreiro. Isso da fome, da miséria, dos “gulags” e da censura eram bocas imperialistas, e os gajos que saltavam o muro de Berlim eram “agitadores ao serviço dos inimigos do povo”.
A Festa do Avante! nunca foi propriamente um “rally” político. A maioria das pessoas que ali ocorre vai a uma festa, e não a um comício. Alguns vão ali à procura de matrioskas, beber uma vodka polaca, comprar umas rifas onde lhes sai um cinzeiro com a figura de Marx ou Lenine, uma camisola do Ché, ou uma bandana com a foice e o martelo. Não sou comunista e considero que a ideologia serviu de pretexto para as maiores atrocidades, mas acho a foice e o martelo super-fixe. Aliás já tinha expressado esse sentimento
neste post: esteticamente é o máximo. Aquela imagem do Ché é também muito gira, pouco importa que o tipo fosse um facínora e um terrorista da pior espécie.
A maior atração da Festa do Avante! é…não, não é o discurso de encerramento do secretário-geral do PCP. São os concertos. A festa teve sempre o condão de apresentar um cartaz de respeito. A primeira vez que os Pogues actuaram em Portugal, por exemplo, foi na Festa do Avante! de 1986. O elenco é muito eclético, com artistas portugueses, europeus, sul-americanos e africanos. E tudo números de reconhecido valor internacional. Nada de Coro do Exército Vermelho ou Canções Patrióticas da China. Aliás, os artistas vão lá actuar porque lhes pagam. Duvido que algum o faça por “amor à camisola”. Bem, é possível que o Luís Portugal o tenha feito, mas o gajo é maluco, e por isso não conta.
À Festa do Avante! vai muita malta jovem. Muita mesmo. Alguns optam por acampar no terreno da Quinta da Atalaia durante o fim-de-semana do evento. Durante três dias e duas noites dormem no chão, não tomam banho, fumam ganzas e apanham pielas de caixão à cova. É uma espécie de Woodstock à portuguesa, este festival comunista. A maioria vai lá para curtir, e arrisco que alguns nem sabem que aquilo é organizado por um partido politico, ou nem sabem o que é o comunismo. Quando é hora de partir, os que resistem até ao fim ouvem o tal discurso de encerramento do camarada-mor com uma broa tal que mal entendem o que o senhor está para ali a dizer. “Proletários de todo o mundo uni-vos! Iá meu, fixe!”. E viva a Festa do Avante! !
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