terça-feira, 10 de setembro de 2013

A vez do ex


Salomé pediu a cabeça de S. João Baptista numa bandeja...e nem eram ex-namorados.

Não há nada mais aborrecido que uma relação amorosa que chega ao fim. Por vezes pode ser um alívio para uma das partes, ou para ambos, mas o pior, como sempre, são “os outros”. Quando me perguntam como vai fulana com que andei uns tempos e respondo que já não estamos juntos, fazem uma careta tristonha de palhaço pobre, e depois do habitual “ohhh…”, perguntam “o que aconteceu?”. Ora e o que aconteceu? Nada! Não morreu ninguém, não fiquei maneta, paraplégico e muito menos impotente. Acabou e a vida continua. Como em muitos casos as partes que se separam não se desintegram ou emigram para um país distante de forma a que nunca mais lhes ponhamos a vista em cima, arriscamos a cruzarmo-nos com ele na rua, e isso é o mais embaraçoso. Requer muito sangue frio e uma boa dose de cinismo.

Quando um casal (detesto esta palavra, faz-me lembrar piriquitos) termina um relacionamento, passam a ser o “ex” um do outro. Há quem acredite que os ex podem ficar amigos, mas eu não. Isso não passam de tretas neo-liberais. Amigos são amigos, e as amizades podem durar para sempre. Paixões são paixões, e se eu quisesse ser amigo da tipa, nunca lhe tinha enfiado a pila. Perdoem o meu latim, mas é mesmo assim. Quando a relação acaba e uma das partes pergunta “ficamos amigos?”, a outra devia responder “na, como amante ainda és mais ou menos, mas como amigo deves ser uma merda, e em todo o caso não estou interessado em saber”. Na melhor das hipóteses podem cumprimentar-se quando se vêem na rua, por educação, mas que conversa se pode ter com alguém de que já nos fartámos e demos com os pés? Nem são necessárias muitas simpatias quando nos encontramos. Basta um acenar de mão ou um sorriso amarelo.

Pode ter sido uma rescisão amigável de contrato, sem traições e agressões físicas ou verbais, mas fica sempre algum ressentimento. As mulheres são sempre as mais trapalhonas a lidar com o fim de uma relação, mesmo que tenha sido por iniciativa delas. Como em quase tudo na vida, e as relações amorosas não são uma excepção, uma mulher acha-se sempre melhor que todas as outras, e é sempre a dona da razão. O fim do namoro nunca foi por culpa sua, e mesmo que tenha “chupado um limão”, arranja uma versão dos factos que lhe seja mais favorável; de um dia para o outro o seu príncipe encantado transforma-se num sapo, e aquele fulano que descrevia como se fosse um modelo de roupa interior masculina passa a ser um obeso flautulento com halitose crónica e mau cheiro nos pés. E depois choram, quando não está ninguém a ver.

Como depois de rei morto, rei posto, cada um vai para o seu lado, e mais cedo ou mais tarde encontram outro parceiro. É angustiante ouvir uma mulher falar do seu ou dos seus ex, especialmente porque, e mais uma vez, “o problema era ele”, e nunca ela. Quando oiço uma mulher a lamenter-se das qualidades que mais detestava do seu ex, dá-me vontade de lhe perguntar: “e mesmo assim andavas com o gajo…deves ser parvinha”. Um homem evita falar das suas conquistas passadas, isto é, se quiser levar a nova relação a sério. Os mais fanfarrões não conseguem evitar mencionar o seu historial com o sexo oposto, e normalmente têm tendência para exagerar. Os mais inseguros fazem-no para mostrar que são um grande partido, e que a tipa devia estar agradecida e tratá-lo bem, porque se vacilar, há logo outras três ou quatro que se fazem ao bife. Um erro estratégico, pois mesmo que as mulheres demonstrem que “não se importam” com as suas antecessoras, por dentro são um vulcão prestes a entrar em erupção e expelir lava.

Quando os ex se cruzam e um deles está na companhia de alguém novo, o comportamento é sempre irracional, e para não demonstrar os verdadeiros sentimentos, é preciso muita cara-de-pau. Quando um homem se cruza com uma ex acompanhada do seu novo parceiro, cumprimentam-se, e logo pairam no ar nuvens negras de ciúme. O ex-namorado até se pode estar nas tintas, mas a sua ex fica sempre atrapalhada, pois pensa que o magoou. O novo companheiro faz uma cara feia, pois como já referi, com toda a certeza a namorada já lhe falou daquele tipo com que se acabaram de cruzar, e se calhar até lhe mostrou uma fotografia. Se por acaso cometeram o erro de continuar “amigos”, cumprimentam-se, ela apresenta ao ex o novo inquilino da sua catota, que muito contrariado o cumprimenta. O ex diz “muito prazer”, mas o que está realmente a pensar é “então e que tal, gostas dos meus restos”? É sempre desagradável, este tipo de encontros.

Quando é uma mulher a encontrar o ex com uma nova namorada, é mais ou menos o mesmo. “Same same but different”, como se diz por aqui. Caso os dois ex apenas se cumprimentem, as mulheres olham uma para a outra desconfiadas, como dois cães que se topam à distância. Se metem conversa, conseguem ser tão cínicas e fingidas que apenas elas se apercebem das adagas que dispararam uma à outra com o olhar. O homem, ingenuamente, acredita que ficou tudo bem, em paz, e que “são todos gente civilizada”. Logo que têm oportunidade, ambas vão contar às amigas horrores da outra. A ex fica “com pena” dele, que a perdeu e caíu nos braços da bruxa má, e a actual vai dizer “que o salvou”, e muito segura de si mesmo, desabafa com as suas confidentes: “precisavam de ver o estafermo com que ele andava antes de mim”.

Há uns anos vi o filme “Eternal Sunshine of the Spotless Mind”, que contava com Jim Carrey e Kate Winslet no papel de um casal que depois de se separar recorreu a uma clínica que apagou as memórias que tinham um do outro. Que ideia fantástica, pensei eu. Devia ser sempre assim: quando um homem e uma mulher terminam uma relação, deviam voltar ao estado em que se encontravam antes de se conhecerem. Só que no filme os dois voltavam a encontrar-se, e a apaixonar-se um pelo outro. Que tragédia. E no fundo é um pouco como a vida real, e muitas vezes não conseguimos aprender com os erros. Deve ser porque somos humanos. Que seca!

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