domingo, 8 de setembro de 2013

A nova estratégia do Novo Macau


Uma das grandes novidades destas eleições para a Assembleia Legislativa prende-se com a estratégia da Associação do Novo Macau Democrático (ANMD), que se apresenta a sufrágio com três listas. A ANMD, cujo líder histórico é António Ng Kwok Cheong, tem sido a força mais votada desde 2001, altura em que se realizaram as primeiras eleições legislativas na RAEM, mas a adulteração do método Hondt, que no caso de Macau penaliza as listas mais votadas, nunca lhes permitia almejar a mais que dois deputados. No método Hondt “normal”, se 10 mil votos permitem eleger um deputado, 20 mil permite eleger 2, e 30 mil elege 3. No sistema de Macau um terceiro deputado depende do dobro de votos do segundo, e para eleger quatro são necessários o dobro dos votos do terceiro. Realisticamente, e usando o número de 10 mil por deputado, seria necessário a uma lista obter 80 mil votos para eleger quatro deputados. Atendendo à dispersão do eleitorado local, esta é uma ambição irrealista para qualquer lista.

Há quatro anos a ANMD cometeu a ousadia de se dividir em duas listas, cada uma delas encabeçada pelos dois deputados eleitos em 2005: Ng Kwok Cheong e Au Kam San. O primeiro foi eleito juntamente com o seu nº 2, Paul Chan Wai Chi, e Au Kam San garantiu o número de votos suficiente para ser também eleito. Com recurso a este “truque”, o ANMD conseguiu o tão ambicionado terceiro deputado. Há quem tenha criticado a estratégia, mas considerando que os resultados foram obtidos democraticamente nas urnas com os votos do eleitorado, não há nada a apontar – ninguém foi obrigado a votar neles, algo de que nem todos se podem orgulhar. As duas listas apelaram ao voto de modo a obter 4 mandatos, usando para tal o lema “1+1=4”. Nem eles próprios acreditavam em tal resultado, mas apontando a um quarto deputado, garantiam pelo menos um terceiro, o que já não seria nada mau.

Em 2009 as duas listas eram “iguais mas diferentes”; de um lado estava Ng Kwok Cheong, um pró-democrata clássico, cristão, de educação conservadora e mais que conhecido do eleitorado. Ng acompanhou-se de Chan Wai Chi, que em 2005 era nº3 da lista única da ANMD, e por razões já referidas, ficou “à porta” do hemiciclo. Do outro lado tinhamos Au Kam San, um “rebelde” conhecido pelas suas posições mais críticas, um ateu que obteve a sua formação num sistema educativo comunista. O seu nº 2 era uma jovem promessa, Jason Chao, então com apenas 24 anos. Não conseguiu ser eleito – longe disso – e poucos o conheciam. Nos últimos quatro anos tudo mudou, e surgiu uma terceira facção da ANMD, mais jovem e irreverente, assente em ideais mais liberais que as duas plataformas concorrentes em 2009, dirigida a um eleitorado que no passado poderia não se identificar ora com Ng Kwok Cheong, ora com Au Kam San.

Jason Chao é natural de Macau, e mesmo antes de concorrer em 2009 ao lado de Au Kam San já tinha dado um ar da sua graça, e os mais atentos já o conheciam, eplo menos de nome. Os últimos quatro anos, que separaram as eleições de 2009 destas do próximo dia 15, foram uma roda-viva para Jason Chao, que se tornou praticamente numa figura pública. O momento chave terá sido o ano passado, quando se assumiu como homossexual – o primeiro politico ou candidato ao hemiciclo a fazê-lo abertamente – e com o apoio da Associação Arco-Iris, a primeira organização LGBT do território, chamou a si uma fatia do eleitorado que outros não ousaram atrair – salvo seja.

Jason Chao foi ainda a face de algumas acções menos ortodoxas do ANMD, nomeadamente a entrega de uma petição ao dirigente chinês Wu Bangguo, que apesar da abordagem pacífica levou a que as autoridades de Macau cometessem um excesso de zelo, chegando a deter Chao, a manifestação exigindo a demissão da Secretária para a Administração e Justiça Florinda Chan, ou ainda mais recentemente a alegada censura da Comissão Eleitoral ao programa politico da sua lista. No caso da manifestação contra Florinda Chan, Jason Chao viu as instâncias judiciais a darem-lhe, embaraçando as forças policiais. Este protagonismo tem servido para denunciar algumas falhas no sistema politico do território, e ajudado a divulgar o seu nome. Era apenas natural que Jason Chao passasse de “tug of war” para candidato do Novo Macau, e poucos duvidam que será eleito no dia 15.

A terceira lista da ANMD, que concorre a estas eleições com o nome de “Liberais do Novo Macau”, conta ainda com outra jovem promessa dos pró-democratas, Scott Chiang, uma cara conhecida que aparece com alguma frequência nos noticiários, normalmente na linha da frente das acções do Novo Macau. Quem não consta desta lista, que concorre com o nº 2 no boletim de voto, mas insiste em aparecer como “apoiante”, é Kam Sut Leng, ou simplesmente Icy Kam, uma professora que assume um papel inédito de “spin doctor” da equipa de Jason Chao. Icy ficou célebre durante a manifestação do último 1 de Maio, onde foi acusada por um responsável educativo meio confuso de ser “demasiado sexy”. Olhando com mais atenção, é caso para dizer que “gostos não se discutem”, mas a docente agradeceu a publicidade. Apesar de ter afirmado desde a primeira hora não ter qualquer ambição política, Icy Kam nunca escondeu o apoio à terceira “face” do ANMD.

Se Jason Chao é o cabeça-de-lista desta nova versão do ANMD, Ng Kwok Cheong concorre pela lista 19, denominada “Associação do Próspero Novo Macau”, uma designação muito “zen”, e onde o líder histórico tem ao seu lado Chan Wai Chi, que procura a reeleição. Au Kam San concorre pela “Associação do Novo Macau Democrático”, o nome original, e tal como fez há quatro anos com Jason Chao, lança uma jovem esperança da política local, o jovem Sulu Sou Ka Hou. Sulu, de apenas 23 anos, é recém-licenciado em ciências políticas, e apesar de ser altamente improvável ser eleito, passa a tornar-se uma cara conhecida do ANMD e possível sucessor da actual numenclatura. Ng Kwok Cheong terá 60 anos no final do próximo mandato, e também Au Kam San e Chan Wai Chi andam na casa dos 50. Das forças mais votadas a sufrágio este ano, é o ANMD que mais opções de futuro apresenta, como Jason, Scott e Sulu.

Há quem tenha lido nesta divisão em três da ANMD uma espécie de ruptura entre os elementos que compõem os democratas. Ao reafirmarem a sua unidade, patente numa fotografia em grupo dos elementos das três listas, os detractores da associação viraram-se para a critica da estratégia eleitoral adoptada, prevendo um desastre com base no número de eleitores e a distribuição dos mesmos pelas três listas. Há quem considere “demagogia” (e nomes piores) a ambição do ANMD em eleger quatro ou cinco deputados, prevendo mesmo que “mantenham os actuais três, podendo mesmo perder um”. Ora bem, isto é uma assumpção interessante baseada em nada, e “demagogia” é sugerir que a estratégia falhará redondamente, esperando que o eleitorado “desista” de votar neles e apostar num potencial “vencedor indiscutível”…mais próximo do poder, claro.

Uma das análises a que tive acesso baseava-se no número de votos obtidos em conjunto pelas duas listas do Novo Macau em 2009: 27.500, mesmo que arredondados para 28 mil. Assim nestes termos e dividido por 3, sem dúvida que não se pode esperar mais do que 3 assentos, e neste caso Chan Wai Chi daria o seu lugar a Jason Chao, mantendo-se Ng Kwok Cheong e Au Kam San, tal como antes. Mas agora o “twist” que coloca esta análise em xeque. A ANMD obteve 17 mil votos em 2001, 23.500 em 2005, e os tais 27.500 em 2009, pelo que a tendência tem sido crescente: quanto maior o número de residentes inscritos nos cadernos eleitorais, maior a votação de Ng Kwok Cheong e dos seus. Os eleitores do Novo Macau são normalmente cidadãos não afiliados com os sectores tradicionais ou profissionais, ou seja, “independentes”, e dificilmente mudam o seu sentido de voto. A estes juntam-se novos eleitores, e seria uma ingenuidade tremenda pensar que a proporção de novos eleitores em relação a 2009 que votarão no ANMD é inferior aos novos eleitores em relação a 2005 ou 2001.

Atendendo a esta simples aritmética, é possível dizer com toda a segurança que o número de eleitores da ANMD ultrapassará os 30 mil, e juntando a isto a novidade que representa a plataforma de Jason Chao, o número poderá chegar aos 35 mil – estimative bastante modesta, diga-se de passagem. Considerando que serão necessários 8000 votos para eleger um deputado (em 2009 eram sete mil), os três deputados estariam sempre garantidos, mesmo que existisse uma grande discrepância entre os votos nas diferentes listas. Portanto, deitada por terra a teoria da perda de mandatos, quais são os cenários possíveis? E é preciso não esquecer que esta é a minha análise, completamente pessoal e sem acesso a sondagens ou intenções de voto:

1) A lista 19 de Ng Kwok Cheong obtem cerca de 20 mil votos, Au Kam San mantém a votação de há quatro anos e é reeleito, e Jason Chao fica perto da eleição, mas falha o quarto deputado, não conseguindo aproveitar a distribuição do novo eleitorado. Este é o primeiro dos três piores cenários.

2) A lista 19 de Ng Kwok Cheong obtem cerca de 20 mil votos, Au Kam San perde votos, fica abaixo da fasquia dos 8 mil e fora do hemiciclo, o que é aproveitado por Jason Chao, que passa a terceiro deputado dos democratas.

3) Ng Kwok Cheong perde grande parte da votação para a lista de Jason Chao, que passa dos 8 mil e é eleito, e Au Kam San mantém o resultado de 2009. Quem fica de fora é Chan Wai Chi, mas os democratas mantêm os três mandatos.

4) A distribuição dos 35 mil votos resulta na plenitude: Ng Kwok Cheong mantém-se acima dos 16 mil, mantendo-se a si e a Chan Wai Chi, Au Kam San e Jason Chao obtêm mais ou menos o mesmo resultado, e ficam acima dos 8 mil. A ANMD conquista o quarto mandato. Esta possibilidade, não sendo de todo impossível, é bastante arriscada, mas será possivelmente o que os democratas têm em mente ao apostar nas três listas.

5) Ng Kwok Cheong mantém-se acima dos 16 mil votos, e Jason Chao arrebata não só o novo eleitorado como parte do habitual eleitorado do Novo Macau, e elege também dois deputados, enquanto Au Kam San “despenha-se” e fica muito abaixo dos 8 mil votos. Assim é eleito um quarto deputado, mas com Scott Chiang no lugar de Au Kam San – muito improvável.

6) No melhor dos mundos, a novidade Jason Chao produz resultados plenos, as três listas ficam perto dos 40 mil votos, Jason Chao e Scott Chiang juntam-se a Ng Kwok Cheong e Chan Wai Chi, matendo-se ainda Au Kam San. O cenário perfeito para o ANMD, se bem que muito difícil de concretizar: ganhar os dois lugares abertos nestas eleições pelo sufrágio directo.

A estratégia é, sem dúvida, bastante arriscada, mas é preciso ter em conta que os democratas não são parvinhos, e terão certamente um ou mais trunfos na manga. Também há quatro anos muitos duvidavam da eficácia da separação em duas listas, e deu resultado. A sua experiência e a forma séria com que encaram as eleições e a importância de ter cada vez mais vozes na AL pode causar uma grande surpresa no dia 15. E depois desse dia vamos estar aqui para analisar os resultados, e ver quem afinal tinha razão.

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