Como já é hábito às sextas-feiras, aqui fica o artigo publicado na edição de ontem do Hoje Macau, para quem ainda não leu. Bom fim-de-semana!
Estamos em pleno mês de Março, a Primavera está prestes a chegar, e daí até ao Verão é um pequeno nada. Fica para trás a pausa que a natureza dá a si mesma, brotam as flores, depois delas os frutos, cumpre-se mais um ciclo e tudo se renova. Vale a pena estar vivo e assistir a tudo isto, sinceramente. Se é obra de um ente divino é um plano muito bem engrandrado. Se é apenas uma mera coincidência, é uma coincidência feliz. Um deleite, em suma. Mas o que dizer do Inverno que tivemos em Macau este ano? Uma delisusão. Um embuste. Sinto-me defraudado. Quero o meu dinheiro de volta!
Este ano faltou o frio. Não tivemos as temperaturas baixas que nos fizessem sentir que estávamos realmente no Inverno. O ano passado tivemos um dos Invernos mais rigorosos de que tenho memória, com um frio de rachar que persistiu até Abril. Passei as passas do Algarve, cheguei a pensar que ia morrer, enfim, fui um mariquinhas a tiritar de frio, com os dentes a bater, produzindo um som semelhante a maracas. Este ano comprei um aquecedor e um daqueles casacões que lembram um colete salva-vidas, convicto que os rigores da estação não me apanhavam desprevenido. E tudo isto em vão. O frio não veio. Foi como planear uma elaborada vingança contra o nosso pior inimigo, e ele não aparecer. Uma injustiça.
Não que o frio me dê algum gozo, fique isto bem claro. Detesto usar quilos de roupa, luvas, cachecóis e outros adereços. Não gosto de dormir vestido, e tal como o comum dos mortais, incomoda-me o choque térmico que se dá ao sair do calor da cama numa manhã gelada. Só que Inverno sem frio não é Inverno que se preze. A sucessão das estações é ainda uma das poucas coisas grátis nesta vida, e exijo o pacote completo. Duas semaninhas de frio algures em Dezembro sabem a pouco, e nem o Ano Novo Chinês nos valeu. As temperaturas amenas até podem dar algum jeito, mas a sensação que fica é que algo não está a funcionar lá muito bem. Temos o tempo avariado.
A população de Macau reage de forma pronta e atenta à chegada do frio. Basta uma ligeira queda de temperatura para que se puxem dos casacos e das botas, em alguns casos com uma certa dose de exagero. Perdoem-me o fetiche, mas as pernas das senhoras ficam muito mais bonitas cobertas de meias (de preferência pretas). E que meias tão bonitas que se podem comprar hoje em dia! A moda ficou a perder com a ausência do frio. O comércio especializado em agasalhos teve prejuízo. Pouco importa que nos tenha sido permitida a ousadia de andar de manga curta em pleno mês de Janeiro – o frio fez muita falta, e pecou pela ausência. Só os turcos daquela lojinha de gelados na Rua da Palha têm razões para sorrir.
Enquanto que a Europa ainda sofre com o frio, a chuva, neve e tudo mais, aqui no Oriente preparamo-nos já para a chegada do Verão das monções. Espera-nos o calor, a humidade, chuva a rodos trazida por um ou outro tufão que muitas vezes passa apenas ao lado. Meses a fio de purgatório climático, suportado pela dependência dos ares condicionados e contas de electricidade astronómicas. É então que mais fico a suspirar pelo Inverno que agora passou sem que tenhamos dado por dele. Pode ser que para o ano apareça em todo o seu esplendor, e justifique o meu investimento no aquecedor e no casaco. Está em dívida comigo, o velho Inverno.
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