Chegámos à Páscoa, avizinha-se o 1º de Maio, e falta pouco para o Verão. As férias convidam à mudança de ares, e muitos residentes optam por desopilar de Macau e gozar as férias noutros países e regiões. Os nossos co-expatriados planeam já o regresso a Portugal para matar saudades, e quem ainda não comprou as passagens arrisca-se a apanhar os preços da “high-season”, e ser mais uma vez enrabado e mal pago pelas companhias aéreas. O que se afigura como inevitável para que se deixe a RAEM a muitas milhas é mesmo viajar de avião. E isso, e vocês sabem muito bem do que falo, tem sempre muito que se lhe diga.
Não conheço ninguém que goste de andar de avião, especialmente se as viagens são longas e feitas em classe económica – o que é frequente, com excepção de diplomatas e alguns empresários. O medo de voar está sempre presente, apesar de alguns aceitarem o desafio melhor que outros. Os “voadores frequentes”, já mais habituados, não sentem tanto a pressão, mas para quem só viaja de avião uma ou duas vezes por ano, sentei sempre aquele desconforto de uma criança que vai ao dentista. Durante grande parte da existência da humanidade voar foi um privilégio apenas ao alcançe dos pássaros, e uma eventual tragédia pode ser entendida como o preço a pagar pela ousadia.
Mas porque é que as pessoas têm medo de voar? Estatisticamente é a forma mais segura de viajar, dividindo as horas de vôo pelo número de casualidades. Morrem muito mais pessoas por ano em acidentes de viação, e mesmo de comboio, autocarro ou barco. Só que enquanto estes meios de transporte primam pelo contacto com o superficial da terra e do mar, o avião “anda lá em cima”. É complicado aceitar que deslocarmo-nos a dez mil pés de altitude é mais seguro que fazê-lo com os pés bem assentes no chão. Ninguém entra num automóvel com o mesmo medo de morrer com que entra num avião. Fazem-se seguros de viagem quando se viaja de avião, mas não para quando se viaja de autocarro. Porquê, expliquem-me, se é mais seguro?
O problema é a publicidade. Um acidente de avião é sempre notícia, e nem dez horas de telejonal chegavam para dar conta de todos os acidentes de automóvel que colhem vidas diariamente um pouco por todo o mundo. Um avião que se despenha significa normalmente a morte de todos os passageiros. Existe 99,9% de possibilidade de morrer numa acidente de avião (os restantes 0,1% foram negociados pelos crentes, que acreditam em milagres). Um acidente de viação ainda goza do factor “sorte” – existe uma percentagem maior de sobreviver. Não há cinto de segurança que nos valha quando um avião se despenha a milhares de metros de altitude a centenas de quilómetros por hora. É inevitável: um avião que cai é uma perspectiva mais fatalista que um carro que se despista.
A ficção e mesmo alguma realidade transposta para o cinema não ajuda muito a ultrapassar o medo. Os malucos dos americanos divertiram-se durante os anos 70 a fazer filmes sobre tragédias aéreas, sendo “Airport ‘77” o maior exemplo de sucesso – escusado será dizer que este filme e outros do género não são exibidos durante vôos comerciais, por razões óbvias. Há cerca de vinte anos tivemos a película “Alive”, a história verídica dos sobreviventes de um vôo que resistiram nas montanhas dos Andes alimentando-se dos cadáveres dos passageiros mortos. Ocasionalmente aparece um filme qualquer de acção que decorre a bordo de um avião, com terroristas que assassinam os pilotos e outros enredos de dar a volta ao estômago, e no conforto do sofá ou da cadeira do cinema até serve de “diversão”. Agora imaginem-se a bordo do avião condenado, e não tem assim tanta piada. Já sabemos que um acidente aéreo é um caso sério, e não precisamos de ser lembrados disso em terra.
Mas não há que o negar, voar é cada vez mais seguro, apesar das tais companhias aéreas cobrarem uma pequena fortuna por um serviço mediocre – mas isso é outra história. Passam-se meses sem que haja uma notícia de um acidente de aviação, os tais que terminam quase sempre um frio e seco “não há sobrevivientes”. Brrrr. As pessoas que não conseguem esconder o nervoso miudinho quando voam recorrem a tranquilizantes ou ansiolíticos, ou bebem desenfreadamente, antes ou durante a viagem. Os fumadores podiam puxar incessantemente do cigarro durante a viagem para reduzir a ansiedade, antes que os ditames higienistas proibirem o fumo em todos os vôos comerciais. Muitos concordarão comigo quando digo que o pior da experiência é a turbulência – quando aquilo tudo abana. O pior é que não há forma de constatar a seriedade da situação. O pessoal de bordo mantém sempre aquele calma irritante que não deixa revelar qualquer sinal de preocupação, mesmo que o pior esteja em vias de acontecer. Isto é gente que está preparada para morrer. São uns sádicos, enfim.
Não faço ideia como se comportam os passageiros de um vôo que esteja condenado à tragédia, ou da sua reacção quando tomam consciência disso. Essa é uma das coisas que não sabemos nem queremos saber. O mais frustrante deve ser a sensação de que se pagou para ser levado da forma mais rápida de um sítio ao outro, e não só não chega lá vivo, como não se recebe o dinheiro de volta. Não há nada mais injusto. Perante a notícia de um desastre aéreo, poucos imaginam a tarefa dos profissionais que vão ao local do impacto e se deparam com um cenário de destroços, corpos carbonizados, um cheiro abominável, a mais humilhante forma de partir deste mundo – dos ares e pelos ares. E depois há as agências de seguros que levam as mãos à cabeça, mas não por razões unicamente humanitárias. Os sacanas.
Como diz um amigo meu, “o destino está traçado” quando embarcamos num avião. De facto é mesmo assim, e nos tempos que correm ainda nos podemos abstraír de pensamentos negatives com a gama de filmes, músicas e outras formas de entretenimento à nossa disposição durante as horas que passamos a bordo daquele pássaro de metal que cruza o infinito. Dizem que a decolagem a aterrizagem são os momentos mais sensíveis, mas a mim não há sensação mais refrescante quando um avião aterra, quando o trem de aterragem toma contacto com o asfalto da pista. Termina o pesadelo, e estamos prontos para outra.
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