sábado, 16 de março de 2013

Bairro do Amor


O programa “Não me sai da cabeça”, um dos melhores da RTPi (apesar da atitude “all over your face” da apresentadora Sílvia Alberto) foi hoje dedicado à canção “Bairro do Amor”, do imortal Jorge Palma, o mais talentoso e completo dos músicos portugueses. “Bairro do Amor” é uma tema lindíssimo, um poema fascinante da autoria do génio, que depois o dá uma musicalidade do mesmo nível. O tema apareceu pela primeira vez no álbum “’Té já”, de 1977, e seria regravado em 1989 para o disco a que também deu o nome (mais conhecido pelo single “Frágil”). O músico gravaria uma terceira versão dois anos depois para o álbum “Só”, onde Palma se faz acompanhar apenas de piano e da própria voz. Só. Em 1993 aparece uma versão ao vivo incluida no disco “Palma’s Gang no Johnny Guitar”. A versão de 1989 foi incluída na colectânea oficial “Dá-me Lume”, de 2000.

“Bairro do Amor” é um dos temas mais requisitados nos concertos de Jorge Palma, e é uma daquelas canções que não me canso de ouvir. Atente-se ao calibre destes versos: “O Bairro do Amor/É uma zona marginal/Onde não há hotéis, nem hospitais/No Bairro do Amor/Cada um tem que tratar/Das suas nódoas negras sentimentais”. Arrepiante. No outro dia descobri no YouTube uma raridade: Jorge Palma e Lena D’Água a interpretarem o tema em dueto, com Palma ao piano, e que não pude deixar de partilhar com o leitor. Desconhecia esta colaboração entre ambos, e a julgar pela juventude de Palma este dueto será datado de meados dos anos 80.

Fiquei surpreendido que tanta gente conheça e consiga cantar este tema, que não é muito conhecido fora do círculo dos Palmaníacos – os fãs mais atentos de Jorge Palma. Os programas anteriores foram dedicados a canções mais populares, como “Dunas” dos GNR, ou “Chiclete” dos Táxi. Não é preciso ser fã dos GNR para saber a letra de “Dunas”, e tirando duas ou três canções, não conheço o trabalho dos Táxi, mas ouvi “Chiclete” centenas de vezes. “Bairro do Amor” é um santuário que julgava eu ao acesso de poucos. Congratulo-me que há quem conheça a canção, mesmo não sendo um fã de Jorge Palma. É importante ouvir boa música, e melhor música que Jorge Palma, pelo menos em português, é difícil encontrar.

Ainda a propósito de Jorge Palma, começo a ficar um pouco irritado com um certo “humor” que é feito a propósito do cantor quanto aos seus hábitos, nomeadamente a bebida. Ainda há pouco foi no programa “Anti-Crise” (pois…), onde se insinuou mais uma vez que Jorge Palma é um alcoólico. A piadola sem graça nenhuma tinha qualquer coisa a ver com o cantor ter bebido um litro de whiskey, enfim, não interessa. Para quem anda menos atento, gostava de recordar que Jorge Palma tem 62 anos, mantem-se no activo e gravou cinco discos de originais nos últimos dez anos, fora colaborações com outros artistas. Tem uma agenda de concertos respeitável, e desconheço se alguma vez precisou de cancelar algum por qualquer motivo, mas duvido. Não sei se esta insistência com o alegado alcoolismo do cantor tem algo a ver com este video, em que aparece na cerimónia dos Globos de Ouro da SIC visivelmente alterado (se virem o video ficam com a ideia que o Palma bebeu, mas foi o Herman que fez a figura triste). Se bebe muito, se bebe pouco, se bebe terpentina, água de colónia ou apenas água, não sei, mas quem dera a muitos músicos a sua forma, coerência e produtividade com aquela idade. Um artista com uma carreira de respeito que não merece ser achincalhado por indivíduos sem talento.


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