A homossexualidade é um facto que nunca me foi estranho. Desde que me tenho consciência do meu próprio ser que sei que existem homens que preferem a companhia íntima de outros homens, e mulheres que só sentem atração física por outras mulheres. Não deparei com situações flagrantes nem tenho qualquer conhecimento de causa. Sei que é assim porque sim. Não sou baptizado, não fiz catequese nem tive uma educação remotamente religiosa. Nunca me foi imposto que uma relação amorosa teria de ser obrigatoriamente entre um homem e uma mulher. E porque teria que ser assim? Não tenho conhecimento de nenhum homosexual na minha família, pelo menos a mais próxima, mas desconheço por completo o historial de irmãos, tios, tias, primos e cunhadas no que toca às relações pessoais. Este não é propriamente um tema que se discuta à mesa durante a consoada. Sobretudo gosto de me reger por um princípio fundamental: cada um sabe de si.
Quem teve a curiosidade de saber, ler, ver e pesquisar a motivação dos homossexuais não tem motivos para ficar chocado. O sexo vai muito além da penetração do pénis na vagina, e mesmo entre os casais heterossexuais se verificam práticas que os mais conservadores (ou pseudo-conservadores) consideram “imorais”, ou “contra-natura”. Qualquer adulto saudável é livre de exercisar os mais variados tipos de delírios que o levem a disfrutar o sexo com mais prazer, desde que conte com o consentimento do seu parceiro. O que se faz em privado não cabe a ninguém julgar, e não carece de divulgação obrigatória. As Finanças não precisam de saber em que posição decorreu a cúpula na noite passada, ou quem dormiu com quem. As “taras” de cada um não estão escarrapachadas na testa. A orientação ou preferência sexual não consta dos dados do bilhete de identidade ou da carta de condução. Cada macaco no seu galho.
O movimento “gay”, que levou à formação de um poderosíssimo “lobby” com que muitos de nós não concorda na forma e no género (eu próprio incluído), surgiu na América nos anos 60, e teve no activista Harvard Milk, um politico “gay” de San Francisco, uma das vozes mais activas. Milk viria a pagar com a vida a forma como defendeu os seus princípios, mas a causa tem adeptos um pouco por todo o mundo. Em todos os países de todos os quatro cantos do mundo há homossexuais que lutam pelo direito de ver reconhecida a sua orientação, tantas vezes confrontados com a oposição de grupos que pelejam pelo conceito de “família tradicional”, ou seja, um homem e uma mulher que se juntem, tenham filhos de forma natural e “produzam” a geração seguinte. Os casais “gay” são uma ameaça a esta continuidade. Dois homens e duas mulheres não podem procriar, obviamente, uma vez que falta um esperma que encontre um óvulo. Isto faz imensa confusão a muito boa gente. Há quem alinhe na teoria do contágio, e que se toleramos a existência de casais do mesmo sexo, a continuidade da espécie estará de alguma forma ameaçada.
Não sei porquê, mas não encontro qualquer cabimento nesta teoria da extinção da espécie. Assisti ao evento dos cinco mil milhões de habitantes na Terra, menos de vinte anos depois chegámos aos seis mil milhões, e apesar de não estar a par do actual número, penso que caminhamos a passos largos para os sete mil milhões. E isto mesmo com o crescente número de gays e lésbicas. Quer dizer, em termos de ameaça, esta deixa muito a desejar. Preocupa-me muito mais a escassez de recursos que acompanhem o aumento da população, o fosso cada vez maior entre ricos e pobres, que leva a que hajam cada vez mais pobres e crianças em risco. Os homossexuais são o que menos me preocupa. Até penso que alguma contenção nesta “ordem natural” da continuação da espécie seria recomendável, e não condenável.
Em Macau os direitos “gay” têm estado na ordem do dia nos últimos tempos, muito por culpa do surgimento de um grupo que luta pelo reconhecimento das uniões civis de casais do mesmo sexo. O jovem Jason Chao, membro do Novo Macau Democrático, deu a cara pela causa, e para tal até se assumiu como homossexual. Não surpreende que a “revolução” tenha chegado ao território tantas décadas depois de outros pontos do globo (até muito depois de Hong Kong, que é mesmo aqui ao lado), pois vivemos numa sociedade que é composta por um misto de paroquialismo católico e “harmonia” confunciana, onde se privilegiam os valores da família tradicional: um homem e uma mulher, que produzam filhos e já agora que acatem os trâmites impostos pela ordem social sem levantar muitas ondas.
Num território tão exíguo como é Macau, é praticamente impossível ocultar a orientação sexual. Os homossexuais estão perfeitamente identificados, ou no limite têm dificuldade em manter a sua orientação em segredo. Basicamente qualquer homem que permaneça solteiro até aos 40 anos e não seja frequentemente visto com companhia do sexo oposto é “suspeito”. O aspecto positivo – que me deixa agradavelmente supreendido – prende-se com a tolerância que existe com os homossexuais. Não conheço casos de descriminação para com estes indivíduos, que não têm qualquer dificuldade de integração na sociedade. Mais uma vez, o que fazem em privado, ou que companhia preferem debaixo dos lençois, é completamente irrelevante. É salutar que não se façam julgamentos ou que se imponham condutas, nem que se faça a apologia da “normalidade” ou do “natural”.
Perante este clima saudável de tolerância e convivência, é mais que normal que um dia estes indivíduos queiram ver reconhecidas as suas uniões, e que sejam legitimados os seus relacionamentos, independente das convenções. Aqui é que a porca torce o rabo, pois a mesma sociedade que os tolera coloca obstáculos a que se afirmem – façam lá o que quiserem, mas não julgem que isto se coloque como “opção”. Os opositores às uniões civis entre casais do mesmo sexo, ou seja, que não podem procriar e por isso não gozam dos direitos à sucessão hereditária, testamentária e afins, socorrem-se de argumentos diversos, muitos deles baseados numa eventual corrupção dos valores e degradação do tecido social. A fundamentação que apresentam é muito pouco sólida, se me permitem a ousadia.
Em primeiro lugar, reconhecer a união civil de casais do mesmo sexo não leva a uma epidemia de homossexualidade, como alguns defendem. Equiparar os casais homossexuais e mistos em termos de direitos não é o mesmo que criar “mais uma opção” em termos de civilidade. Quem é homossexual não se vai sentir inibido por não usufruir de direitos sucessórios, e quem é heterossexual não vai reconsiderar a sua orientação simplesmente porque os casais “gay” gozam dos mesmos direitos. Cada um vai continuar a ser como é. Há ainda os que temem que exista uma agenda que leve mais tarde ao evento do casamento “gay” ou da adopção. Temer o quê? Cada coisa a seu tempo, e o simples reconhecimento de uma união civil entre duas pessoas que partilham as suas vidas, indiferente do seu género, não vai gerar nenhum efeito dominó. Se a sociedade estiver suficientemente amadurecida para que se tomem os passos seguintes, certamente que não será contra a vontade da maioria.
E quanto ao tema da adopção por casais homossexuais, tenho escutado muitas opiniões, a maioria contra ou “com muitas reservas”. Uma vez que não existe uma forma natural de gerar uma vida, é normal que se pense na adopção, e o que não falta são crianças que esperam por uma família que lhes providencie um lar, carinho e educação, infelizemente. Em primeiro lugar considero que uma criança em risco estará melhor entregue a um casal “gay” do que institucionalizada, mas ainda assim prefiro que os pais adoptivos sejam um homem e uma mulher. Essa é apenas a minha opinião. O que não posso concordar é com a ideia que uma criança que seja adoptada por homossexuais se venha a tornar ela própria homossexual. Por essa lógica não existiriam homossexuais, uma vez que todos tiveram um pai e uma mãe, e muitos deles cresceram no seio de famílias funcionais e perfeitamente heterossexuais. Quem defende que os casais homossexuais pretendem adoptar crianças com fins predatórios, bem, esses nem merecem qualquer espécie de comentário. Prefiro abster-me de validar argumentos deste tipo na forma de comentário.
Devido à natureza periférica do território e a gritante falta de poder decisório completamente independente, é de esperar que sejam outros países da região a tomar a iniciativa no que concerne a estes direitos tão progressistas, e mais uma vez se espera que seja o Japão a dar o primeiro passo – afinal é o país do sol nascente que mais se assemelha a uma democracia ocidental, apesar das diferenças que se detectam a olho nu. Em Macau não se pode esperar muito neste sentido, ou pelo menos antes que a China tome a iniciativa, o que pode levar ainda décadas. Não se sabe bem. Por enquanto vão continuar a existir homossexuais, e não vai ser o conservadorismo ou a tradição que os vai abater. Com ou sem leis que equiparem a sua união à dos casais heterossexuais, eles vão andar por aí, e é mais que certo que vão ser cada vez mais. Se isto é fruto da evolução ou da mudança de valores, cabe aos especialistas analisar. Mas que os há, há.
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