sexta-feira, 15 de março de 2013

Com os dois pés em Macau


É sexta-feira, e como é habitual aqui no Bairro do Oriente, deixo-vos com o artigo publicado na edição de ontem do Hoje Mmacau. Bom fim-de-semana!

Tenho um amigo que viveu em Macau durante o tempo da administração portuguesa, e que regressou ao território há alguns anos, onde permanece até hoje. Sobre a situação em Portugal na altura disse-me estas palavras que nunca esquecerei: “Aquilo não tem nada de mal, nós é que estamos mal habituados”. Com este “mal habituados” referia-se naturalmente à vida de Macau, e queria dizer obviamente “bem habituados”. Atendendo à actual situação de desgoverno que o nosso país de origem atravessa, este meu amigo teria hoje uma opinião diferente, mas é um facto: quem vive em Macau durante alguns anos sente a diferença quando regressa à Pátria lusitana. Mesmo eu próprio, que passei aqui a maior parte da minha vida, noto esta diferença quando vou a Portugal de férias. Sinto-me um estranho na minha própria terra.

Não preciso de me gabar de ter tomado a decisão certa quando chegou a hora de escolher entre ficar ou partir, até porque não foi uma decisão bem ponderada. Foi sobretudo o comodismo que me levou a adoptar Macau. Não me apetecia mesmo nada recomeçar e passar por um processo de readaptação, mesmo na pujança dos vinte e poucos anos que tinha na altura. Fui ficando apenas porque sim. Nunca me passou pela cabeça que a transição fosse reeditar os erros da descolonização em África. Nunca me senti numa “colónia” propriamente dita, e sempre dependi do meu trabalho para sobreviver. Nunca receei que me expulsassem, e foi com algum humor que registei as opiniões dos mais pessimistas e demais profetas da desgraça. A forma como a transferência de poderes foi executada é actualmente um dos poucos motivos de orgulho que tenho do meu país. Pasme-se, que nos tempos que correm fizemos qualquer coisa bem feita. Para variar.

Não falo sem conhecimento de causa. Cheguei a viver e trabalhar em Lisboa antes de vir para Macau há quase vinte anos, e não há distância, saudades ou preocupações de natureza cultural ou política que me dificultassem a decisão de ficar. A exiguidade, a tranquilidade e a serenidade desta terra foram a “água do Lilau” que bebi e que me prenderam aqui. Não desprezo quem optou pelo regresso, e desejo-lhes a melhor sorte do mundo, mas para mim não, obrigado. Não troco isto por nada. É bom saber que lá longe há quem nos vá receber de braços abertos, é sempre reconfortante ter um segundo lar, mas para mim o primeiro e até ver o único é este. Mesmo quando Macau me trai, quando se comporta como uma amante caprichosa, as raízes que me prendem impendem-me que lhe vire as costas. É mais que um simples compromisso. É uma cumplicidade.

O facto de poder deslocar-me a pé praticamente para todo a parte, a conveniência de andar para o serviço em menos de 15 minutos, sem precisar de depender de transportes públicos, sem a condicionante dos engarrafamentos, greves e tudo mais, a vantagem de poder atravessar a rua e jantar numa tasquinha qualquer por uma módica quantia, tudo isto é o que faz de Macau um local perfeito. Aqui não sabemos o que é precisar de dormir cedo durante a semana para depois acordar ainda de madrugada e apanhar o autocarro, o barco ou o comboio, e se os pequenos passam mal durante a noite em menos de cinco minutos estamos nas urgências. Por aqui não há maternidades ou centros de saúde a encerrar por falta de verba. Em Macau é possível sair do trabalho às sete da tarde e ainda comprar tudo e mais alguma coisa, e nem precisa de ser nas lojas dos chineses – que diabo, aqui todas as lojas são “dos chineses”.

São cada vez mais os portugueses que escolhem Macau para viver, uns que chegam pela primeira vez, outros que regressam. Muitos que por aqui passaram sentem saudades e querem voltar – e do que estão à espera? Não quero adoptar um tom paternalista, nem ensinar nada sobre Macau. Cada um deve estar e ser nesta terra da forma que muito bem entender. Mas se me permitem gostava de deixar um pequeno conselho: ponham os dois pés em Macau, pelo menos enquanto aqui estão, enquanto o território vos servir de casa. Basta de chorar pelo leite derramado lá longe, suspirar por um Portugal melhor onde um dia choverá dinheiro, o mel jorrará das fontes, cães e gatos serão finalmente amigos. Chega de promessas vazias. Não é proibido sonhar, mas já que aqui estão aprendam a amar esta terra, escutem com atenção as lições que ela tem para ensinar. Como disse um dia um grande homem: “Não queiram mudar Macau. Deixem antes que Macau vos mude”.

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