Foram ontem anunciados os aumentos na Função Pública de Macau, que este ano serão de 6,06%. Na prática isto significa que o factor de multiplicação da tabela indiciária passa de 66 para 70 pontos. Um funcionário que aufira o índice 300 da tabela passa a ganhar mais 1200 patacas mensais, um aumento que se pode considerar antes uma “actualização”, uma vez que pouco mais de mil patacas mensais no orçamento não será propriamente motivo de festejo. Para quem aluga uma casa, por exemplo, poderá esperar um aumento da renda mais ou menos dessa ordem – na melhor das hipóteses. É um pouco como chover no molhado. E isto sem contar com o aumento do custo de vida derivado da inflação, aumento esse que muitas vezes leva a fazer contas que não batem muito certo. Como é que uma refeição num restaurante que antes custava 50 patacas passa a custar 60? Este não é um aumento de 6 ou 7%, números oficiais da inflação. É um aumento de 20%! No que ficamos, afinal?
Tal como no ano passado, os aumentos não têm rectroactividade ao mês de Janeiro, o que para o tal funcionário que aufere o índice 300 serão menos cerca de cinco mil patacas que entram no orçamento. Recordo-me que o ano passado a justificação para não haver retroactividades passou pelo facto do orçamento não ter sido previsto nas linhas de acção governativa para 2012, mas se a memória não me falha, o próprio Chefe do Executivo anunciou aumentos para a Função Pública (ou “actualizações”, para não ferir sensibilidades) em Novembro último. A realidade é que não há retroactivos “porque não”, e uma vez que no ano passado “já foi assim”, não é preciso nenhuma justificação. As actualizações ainda carecem de aprovação da Assembleia Legislativa, mas uma vez que a proposta é apresentada pelo Executivo, será aprovada com toda a certeza. Mesmo o sector empresarial que ocupa uma parte significativa do hemiciclo aprovará a proposta, se bem que lá no fundo sintam que os funcionários “levavam aumento era o tanas”.
Em Macau não falta dinheiro, já se sabe, mas quem se lixa é sempre o mexilhão. Não interessa aos tais sectores empresariais que os trabalhadores da administração sejam aumentados de forma concomitante, pois isso implica que eles próprios tenham que aumentar os seus empregados, e isso dói-lhes no bolso, é claro. A necessidade de aumentar vencimentos para dar resposta ao evidente encarecimento dos bens de consumo, mesmo os mais básicos, é considerada hoje uma inevitabilidade, mas esta correlação entre o público e o privado já serviu de argumento para que os salários na Função Pública tivessem ficado “congelados” durante vários anos depois de 1999. Assim uns não mamam, e os outros não choram. Como não existem sindicatos propriamente ditos e o direito à greve é uma daquelas coisas que “não vale a pena” legislar, esta é a “concertação social” que vamos tendo por aqui.
É ideal, como aliás foi sugerido pela ATFPM e a sua congénere chinesa, que se adopte um mecanismo que permita que as actualizações sejam feitas automaticamente e de acordo com os números da inflação, e no início de cada ano. Assim era mais prático e menos “teatral”, e os funcionários não ficavam reféns de interesses externos ao Executivo, que afinal tem o dever de cuidar dos seus. A distribuição da riqueza não passa por dar cheques a meio do ano por dá cá aquela palha, sem olhar a quem, mas sim por recompensar o esforço e pagar o que é justo. Os aumentos não devem ser visto como uma dor de cabeça, “ai que aí vêm eles pedir mais, estes chatos”. Devem ser antes entendidos como uma resposta à evolução da economia, sempre com a atenção a uma eventual perda do poder de compra. A tal “harmonia” de que tanto se fala não se atinge com cada vez mais contas para pagar e de barriga vazia.
1 comentário:
Tudo muito bem, mas esse palavrão da "concertação social" é que é uma grande treta mesmo nos países que a dizem ter. É que se aqui os aumentos ficam aquém da inflação, em sítios onde há a tal de "concertação social" é muito pior ainda: em vez de aumentos, há redução de salários e mais impostos várias vezes por ano...
Enviar um comentário