quarta-feira, 2 de julho de 2014

No domínio dos condomínios


Logo que se levantou a lebre do salário mínimo em Macau, lei entretanto ontem aprovada, e se estabeleceu o valor da hora de trabalho em 30 patacas, foi um "ai Jesus" nas companhias de gestão de condomínios, que falaram logo de "aumentos brutais" nas respectivas mensalidades da segurança e limpeza dos edifícios. Sendo este valor mínimo estabelecido feito à medida do pessoal da segurança e da limpeza, tem escrito "condomínios" em cada entrelinha da lei, e pronto, saem estes gajos da toca aos pulos com o rabo a arder e aos urros "aqui d'el rei, que me estão a ir ao bolso" - ou a um sítio pior, enfim. É um daqueles fenómenos típicos de Macau, e se juntarmos a isso o facto dos gajos que gerem os condomínio serem da mesma estirpe dos das agências de fomento predial e afins, então mais fácil fica de entender a "gravidade" da situação. Não é difícil perceber, portanto, porque custou tanto esta lei a sair, e porque se andou a discutir pataca a pataca o valor a atribuír pela hora de trabalho, ao ponto do somitismo: "ai 27 está bem, 28 é muito, 29 nem pensar, etc, etc". Na rectaguarda deste miserabilismo estavam uns gajos que têm milhões no banco mas estão convencidos que trabalhar para eles "é uma honra", e que isso já é paga mais que suficiente.

Mas refeitos do alarido, vamos fazer contas: o que significa trinta patacas por hora? Portanto se o leitor, pessoa certamente com um nível de escolaridade na ordem do secundário completo ou incompleto, ou equivalente, estiver desesperado, e não se importar de se sujeitar a trabalho semi-escravo, trabalhar nove horas por dia todos os dias menos os quatro mensais obrigatórios para descanso, isto equivale a um salário de 6750 patacas por mês. Arrendondemos a coisa para seis mil patacas mensais, como fizeram as cabecinhas pensadoras que elaboraram a lei. Pronto, os tipos trabalham oito horas por dia, e não nove, o que dá exactamente seis mil rufas limpinhas ao fim de 25 dias de jorna. É caso para dizer que os tipos que nos guardam o edifício dos amigos do alheio nunca teriam possivelmente dinheiro para alugar um apartamento nesse mesmo edifício, mas atendendo a que se tratam normalmente de pessoas com uma certa idade, compraram casa própria há vários anos, quando os preços das casas eram "normais". Mas atendendo a que alguns deles têm filhos na universidade e outras despesas, é um aumento mais que bem-vindo, já para não falar do aspecto da dignidade. Sinceramente, quem é se dispõe a trabalhar por menos de seis mil patacas por mês? Excepção feita aos não-residentes, é lógico, para os quais as três ou quatro mil patacas que auferem fazem toda a diferença quando multiplicadas por pesos, rupias ou dongs.

Isto equivale por dizer que as companhias de gestão de condomínios pagam menos do que seis mil patacas mensais - mas não pagarão muito menos, pois quando digo acima semi-escravo, há aquele "semi" que impede que regressemos ao tempo do chicote, dos grilhões e das correntes. Pagarão 5 mil, talvez, ou 4500 quem sabe, e com este "brutal aumento" de que vão beneficiar estes pés-rapados, toca a aumentar também as mensalidades do condomínio aos inquilinos. Alguém vai ter que pagar esta diferença, e não vão ser eles, com toda a certeza. Era bom não era? Assim quem paga actualmente 500 patacas mensais de condomínio, arrisca-se agora a pagar 1000. Pois, isto é absurdo, atendendo a que os encarregados da manutenção e da limpeza do prédio onde o leitor mora não vão ser aumentados para o dobro, com toda a certeza, mas já que o Governo tem de quando em vez estas chico-espertices, porque não aproveitar e mudar de Mercedes? Fazem lembrar certos senhorios, que mal sabem que os inquilinos vão receber um subsídio de mil paus para habitação, aumentam-lhe e renda em 1200. Se lhes perguntamos porquê, eles começam a bufar "pff...pff..." e a agitar as mãos como se lhes estivessemos a pedir para contar como passam fome, e a vida está cara para todos, as tretas do costume. Todos esfolados, pendurados de cabeça para baixo e besuntados com sal era pouco, para estes parasitas de cócó.

Mas falando do meu caso particular, do meu condomínio. Penso que pago 410 patacas mensais. Digo "penso" porque não sou eu que trato disso, mas da última vez que deparei com um recibo - e já lá vão uns bons dois aninhos - posso jurar que eram 410 patacas. Basicamente é isto que pago pela recolha do lixo e limpeza, e pela conta de electricidade, que inclui o uso do elevador. Não fossem estas 410 lecas mensais que a minha mulher deixa na contabilidade do rés-do-chão, e lá tinha eu que subir 18 andares às escuras, a tropeçar na porcaria dos outros e arriscando-me a ser mordido por uma ratazana. E por falar nisso, achei interessante que tivessem investido numa câmara de segurança do último grito para instalar no elevador, mas não façam o mesmo com o sistema de ventilação, que faz com que cada vez que lá entre me sinta numa espécie de forno de padeiro, especialmente agora, no Verão. Antena para a recepção de sinal de telemóvel, nem por sombras; ao entrar no elevador, abandone toda a esperança de prosseguir uma conversa telefónica que esteja a meio, mandar uma mensagem ou aceder à internet, pelo menos durante um ou dois minutos. Se estiver a seguir um dos jogos do mundial num desses canais gratuitos "online" e estiver para ser marcado um "penalty", o melhor é esperar pelo próximo elevador.

A "segurança" do meu prédio fica a cargo de uns tipos que, coitados - quando escrevo segurança entre aspas, quero dizer que nem um puto gordo de oito anos com a birra do sono seriam capazes de deter. São uns velhinhos tão esqueléticos que quando estão no seu posto sem camisa (o que é a maior parte do tempo) dá para lhes identificar e contar as costelas uma a uma. Os do turno da noite vêm sobretudo para dormir. Compreende-se, pois a ganhar menos de seis mil patacas por mês é normal que acumulem empregos, e ao contrário do que pensam os tipos que acham que as pessoas "ganham mais se trabalharem mais" mas não fazem a ponta de um corno e vivem dos redimentos, estes também precisam de dormir. Se isto é "segurança" vou ali e já venho, mas como não moro no Bronx nem na Cova da Moura, ainda vou dormindo mais ou menos descansado. O maestro de toda esta banda é uma maestra, uma senhora cujo nome desconheço por completo mas que trato(amos) por "ah-yí" (tiazinha), e que é facilmente identificável pelos seus traços físicos, nomeadamente pelo facto de ser anã. Não sei se é anã no sentido da pessoa que sofre de nanismo, mas é tão baixa que se lhe perguntarem o que pensa do mundial que está a decorrer no Brasil, ela responde que "gosta do nº 10 da Argentina, rapaz alto e espadaúdo". É tão baixa que quando a sua filha tinha seis anos já era da sua altura. Em suma, é baixa, e abelhuda. Detesto o raio da velha; sempre que me vê a voltar do serviço ao fim da tarde pergunta-me "saíste do emprego?" dá-me vontade de lhe responder "não, na verdade estou a ir trabalhar agora, são oito da manhã e tu pensas que é tardinha porque as tuas pílulas para a esclerose múltipla passaram do prazo". Quando me vê a chegar cansado com os bofes a sairem-me pela boca e a suar em bica comenta "está calor...". Ai sim? Obrigadinho pela informação. Penso que já não vai ser necessário ir à lavandaria buscar a samarra de pele de urso.

Esta "ah-yí" controla todos os aspectos do condomínio; é ela que recolhe o lixo, começando no 20º andar e depois de um em um, em ordem descendente, apanha os sacos deixados em cada andar pelos simpáticos residentes, qual anão que apanha os diamantes da mina, e canta "ai-oh, ai-oh". E a que horas se processa a recolha do lixo, que deixa um dos elevadores, e logo aquele que para em todos os andares, inoperacional? Não sei, mas acho que depende da hora que eu entro ou saio de casa, pois não há santo dia em que não encontre o elevador "fora de combate" pelo menos uma vez. Se lhe perguntar "a que horas é que V. Exa. em miniatura recolhe o lixo, por obséquio?", arrisco-me a ouvir "depende da hora que tu saires de casa, palerma". Mas teorias da conspiração à parte, a senhora até desempenha competentemente o trabalho de limpeza; por alguma razão que me ultrapassa, o corredor do meu andar cheira sempre a pêlo de cão - penso que sabem a que cheiro me refiro, e não, não é nada agradável. A minha mulher diz que este cheiro se deve à "lixívia". Ora, lixívia cheira a lixívia, e cão cheira a cão, bolas. Sei muito bem distinguir o odor da lixívia, que por muito desagradável que possa ser, não se compara ao cheiro rançoso a cão. Suspeito que a culpa é da esfregona, que ou muito me engano, testemunhou a transferência de soberania, e se falasse tinha certamente uma opinião formada entre o período do pré e do pós-1999. É um utensílio de limpeza secular, no fundo, milenar até. É "vintage", como se diz agora.

Mas nada contra a "ah-yí", coitadita, que só faz pela vida. Devia aprender a meter menos o nariz onde não é chamada, com do seu metro e quarenta de altura, ou algo que lhe valha, não deve conseguir farejar nada que eu recomendasse a alguém. Nem contra ela, nem contra todo o pessoal dos condomínios, que é gente que trabalha a valer - sim, isto chama-se trabalhar, ó manganada que passa metade do tempo útil de trabalho entre o café, o Facebook e o Candy Crush, ou a mandar e-mails não-relacionados com aquilo para que vos pagam. Eles merecem uma remuneração digna, coitados. Só é pena é terem uns patrões tão sacanas...

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