A multinacional "Forever 21", uma cadeia de roupa de marca norte-americana abriu a sua primeira loja em Macau no último Sábado, dia 5 de Julho, na Casa Amarela, junto das Ruínas de S. Paulo. A Casa Amarela esteve no centro de uma polémica no ano passado, quando os proprietários daquele imóvel, a Future Bright Ltd., empresa cujo sócio maioritário é o deputado Chang Chak Mou. Os proprietários exigiram ao Governo, que alugava o espaço através da Direcção dos Serviços de Turismo (DST) o dobro da renda então praticada, que era de 1,2 milhões de patacas, ou seja, 2,4 milhões. A DST considerou a verba "incomportável" - ou irrazoável, porque dinheiro é coisa que não falta - e optou por abandonar a Casa Amarela. Quem acabou por pagar as favas foram os projectos apoiados pela DST que se encontravam ali instalados, sendo o mais mediático o Restaurante Lvsitanvs, uma parceria com a Casa de Portugal, onde quem acabou por "perder a face" foi a associação de matriz portuguesa, que do dia para a noite se viu atirada borda fora da Casa Amarela, sem apelo nem agravo. "O mercado é livre", foi a coisa mais próxima de uma justificação que se pôde arranjar, e é preciso não esquecer que vivemos numa espécie de cleptocracia declarada.
Não acredito por um segundo que seja que o Governo ou a DST ou seja lá quem for pagasse um centavo de renda à Future Bright, mesmo que oficialmente o valor da renda fossem os apregoados 1,2 milhões, o que mesmo assim é um valor absurdo. A Future Bright é uma das empresas que o Executivo leva ao colinho, e já era assim desde os tempos da Administração Portuguesa, e assim sendo como é que vamos acreditar que existiu realmente uma desavença em termos de valores quanto a uma eventual renovação do contrato de arrendamento? Já sei que isto que estou a fazer é mera especulação, e pode ser até que esteja a fazer insinuações mais ou menos graves sem qualquer fundamentação, mas quem está em Macau há tempo suficiente para saber o que a casa gasta, acredita mesmo que Chan Chak Mo, um dos "cavalos" da nomenclatura, ia duplicar a renda ao seu próprio "patrão"? É óbvio que os tipos da Forever 21 queriam entrar no mercado de Macau, pagariam o quer fosse necessário, e até acho que o fim nem é o lucro propriamente dito. Mais uma loja de roupa,
so what? Quantos pares de calças, camisolas, vestidos, sapatos, cintos e acessórios vão precisar de vender para cobrir o preço da renda? E já agora, quem são estes gajos, e o que vendem eles?
Esta camisa, por exemplo, vem mesmo a propósito, agora que o Boavista regressou à primeira liga e tudo. E quanto custa? Encomendando "online" fica por 19,50 dólares americanos, qualquer coisa como 160 patacas, mais pataca menos pataca. E toda a gama de produtos da marca Forever 21 andam mais ou menos por esse preço assim acessível, e arrisco que em Macau esta mesma camisa não ficará por mais de 250 patacas. A Forever 21 está mais ou menos ao nível da Mango, ou da Zara - um bocadinho abaixo desta, talvez. Duvido que sairão da Casa Amarela 10 mil camisolas "à Boavista" que dêm pelo menos para pagar a Chan Chak Mo
y sus muchachos da Future Bright. Os sapatos desta marca, por exemplo (e falo dos sapatos de senhora, que se elas pudessem converter no estado líquido e injectar na veia faziam-no), ficam na ordem das 400-500 patacas, os mais caros. Portanto não se trata aqui de nenhum negócio de luxo. Longe disso.
Mas, mas, mas...a Forever 21 é uma das empresas mais bem sucedidas da indústria do pronto-a-vestir, com lucros de 3,7 mil milhões de dólares em 2013, mais de 500 lojas nos cinco continentes, que dão a mais de 30 mil pessoas. A revista Forbes considerou-a a 122ª maior empresa privada dos Estados Unidos - e isso é obra. O segredo do sucesso? Roupa de qualidade, com variedade, a um preço acessível, mesmo que o custo desta boa relação preço-qualidade não seja de todo pacífica, como já vamos ver a seguir. Seja como for, uma loja em Macau, mesmo que dê prejuízo, fica inserida numa estratégia de implantação da marca em mais um mercado, neste caso Macau. Um restaurante da cadeia McDonald's que abrisse numa zona de Macau onde ficasse sempre às moscas (muito improvável, mas façamos essa suposição) não fecharia, com toda a certeza. Ficava-lhes mal.
E quem são os rostos por detrás deste exemplo acabado do "sonho americano". Curiosamente nem sequer são americanos, mas um casal coreano: Don Won Chang e a sua mulher Jin Sook, em cima na imagem. Já agora, estão sentados? Senão estão sentem-se, pois podem cair de cu no chão com isto que vos vou dizer agora. Sabem que idade têm estes dois? Ele completou 60 em Março, e ela não quer dizer, mas anda lá perto. Estes tipos andam pela casa dos 60? Fosga-se. É verdade que os asiáticos enganam na idade, e a Coreia do Sul é famosa pela cirurgia cosmética, mas quem dava 60 anos a qualquer um deles? O casal ocupa o 90º lugar da lista dos 400 mais ricos da Forbes, com um património estimado em 5,7 mil milhões de dólares e Jin é uma das únicas seis bilionárias "self-made" nos Estados Unidos. E ainda por cima têm um ar simpático e tudo. Muito fotogénicos.
Don e Jin imigraram para a Califórnia em 1981, e três anos mais tarde abriram em Highland Park, Los Angeles, a primeira loja da Forever 21, um espaço com menos de cem metros quadrados que ainda hoje tem as portas abertas, sendo considerada a "catedral" da marca. Inicialmente a Forever 21 visava apenas a comunidade coreana, mas a qualidade dos produtos aliada aos preços competitivos e aos "designs" originais atraíram um mercado muito mais vasto. Uma das estratégias de "marketing" utilizadas pelo casal foi a das "edições limitadas", ou seja, cada colecção da Forever 21 tinha um estoque limitado, e quem vacilou, chorou - os famélicos da moda ocorriam à loja cada vez que saía uma novidade. Como a imaginação também tem limites, a Forever 21 tem sido alvo de vários processos judiciais por violação dos direitos de autor, com pelo menos 50 desenhadores, entre famosos e quase desconhecidos, a acusarem o casal coreano de se apropriarem individamente das suas criações.
E essa não é a única polémica em que a Forever 21 está involvida. Desde acusações de exploração de mão-de-obra, com resmas de processos interpostos por ex-funcionários que incluem "violação de direitos laborais graves", até uma investigação do The Center for Environmental Health que encontrou vestígios de cádmio, um metal tóxico e potencialmente cancerígeno em algumas peças de joalheria da marca. As próprias criações originais da Forever 21 não estão isentas de polémica; em 2011 lançaram uma camisola onde se lia "Allergic to Algebra" - "alérgico a álgebra" - o que foi condenado como uma mensagem pouco educativa. São acusados ainda de ter uma agenda cristã oculta, fazendo frequentemente o uso de palavras como "Deus", "Cristo", "Paraíso" ou "Céu", muitas vezes ilustrando com imagens que remetem para o divino.
Há dois anos Carolyn Kellman, uma advogada da Florida, meteu uma acção cível contra a empresa depois de ter reparado que lhe faltava um "penny" (1 cêntimo de dólar, ou seja 8 cêntimos de patacas, o que nem chega a dez avos) quando foi reembolsada após a devolução de alguns produtos que adquiriu ao retalhista. Isto pode parecer uma parvoíce, mas a verdade é que a causídica ficou desconfiada quando soube de clientes a quem aconteceu o mesmo, e suspeita de que a Forever 21 estaria a levar a cabo um elaborado plano de obtenção ilícita de lucro - "grão a grão enche a galinha o papo", pode-se dizer deste "esquema". O problema é que para o caso ser investigado, a fraude teria que ser cometida num valor acima de 15 mil dólares, e para isso seria preciso encontrar 750 mil clientes defraudados num "penny".. Isto seria como procurar uma agulha num palheiro, e o processo acabaria por cair.
E mesmo em Macau, onde só estão desde há uma semana, já fizeram "estragos", colocando publicidade não autorizada no exterior da Casa Amarela, monumento classificado, integrado no património histórico do território, reconhecido pela UNESCO. O Instituto Cultural assobia para o lado, o IACM diz que nada sabe e nada viu, e a única reacção à medida veio de Maria Amélia António, presidente da Casa de Portugal e responsável pelo Lvsitanvs, parte lesada de todo este processo. A presidente da CP, que é também advogada, diz "que não se cala" enquanto a Forever 21 não retirar a publicidade, e recorda que cada vez que o Lvsitanvs tentava colocal qualquer publicidade, por mais pequena que fosse, aparecia de pronto a fiscalização e a edilidade lusa era multada. O que mais posso dizer senão que Maria Amélia António está coberta de razão, e transmitir-lhe todo o meu apoio? Desejo-lhe ainda boa sorte, pois vai precisar.
É cada vez mais evidente que em Macau vigora a máxima do "money talks, bullshit walks", ou em português, "dinheiro na mão, cu no chão". Chegam aqui estas multinacionais, ou seja quem for, para esse efeito, com milhões para investir, upa, upa, e fazem o que lhes dá na real gana. Basta lembrar o que fez a Swarowski, que quando abriu a sua loja junto do Largo do Senado realizou as obras que entendeu serem "mais adequadas ao seu projecto", descaracterizou um edifício também ele classificado, e ninguém piou. Sã assi Macau. Os gajos podiam até andar por aí com uma picareta a fazer buracos no chão ou nas paredes, onde quisessem, que se alguém os tentasse impedir havia sempre uma mão amiga que os seguraria pelo braço e dizia: "deixa-os, eles têm rios de massa". E o outro respondia: "Ah pronto, peço desculpa. Já cá não está quem falou". A dignidade, essa, é que foi a primeira a saltar borda fora. E já faz tempo.
Sem comentários:
Enviar um comentário