Fiquei positivamente surpreendido com o "feedback" que recebi do artigo de ontem, "Multiculturalismo (repita três vezes e depressa)", e como seria de esperar apareceu uma reação de um dos principais opositores do multiculturalismo - o meu amigo e colega Firehead
nom de guerre de Hugo Gaspar, que gosta de gelado apenas de baunilha ou apenas de chocolate, enquanto eu cá prefiro "tutti-frutti". No seu blogue "Firehead's Blog", o Hugo deixou ontem um artigo onde concorda com a ideia de que a selecção campeã do mundo, a Alemanha, tem um número de alemães "de gema" que confere homogeneidade e o conjunto reflecte sim senhor a população germânica" (sic). Mas será mesmo assim?
Vejamos, temos Jerôme Boateng, que sendo nascido na Alemanha, e filho de pai ganês e mãe alemã (o seu irmão Kevin-Prince é filho do mesmo pai e de outra mãe alemã, não a mesma); Sammi Khedira é filho de pai tunisino e mãe alemã; Shkodran Mustafi é nascido na Alemanha mas etnicamente é 100% albanês; e tanto Lucas Podolski como Miroslav Klose são nascidos na Polónia, ambos filhos de pais polacos, e cada um com uma história curiosa. Podolski herdou a cidadania alemã da parte dos avós paternos e por motivos que se prendem com um passado vergonhoso: a Polónia já havia sido anexada pela Alemanha Nazi, e o que livrou os Podolski de irem fazer de "pizza" foi o facto de não serem judeus. Klose tem uma história ainda mais complexa e interessante. O seu pai, Josef Klose, era profissional de futebol, e em 1978 - ano em que Miroslav nasceu - saíu da Polónia comunista para jogar nos franceses do Auxerre. A sua mãe, Barbara Jeż, era jogadora de andebol na posição de guarda-redes, e foi 82 vezes internacional pela Polónia. Josef Klose retirou-se da competição em 1984, e sendo um
aussiedler, ou seja, descendente de alemães étnicos que regressaram à Alemanha depois da assinatura do Pacto de Varsóvia, pediu a cidadania alemã, que foi aprovada. O pequeno Miroslav juntou-se ao pai com oito, sabendo apenas falar duas palavras de alemão. Foi aprendiz de carpinteiro antes de se tornar jogador, estreou-se numa equipa amadora, da sétima divisão, e hoje é o melhor marcador de sempre em mundiais de futebol. A sua mulher Sylwia, é também polaca, e têm dois gémeos, com quem falam polaco em casa.
Outro caso curioso é o de Mesut Özil, cujo nome a própria feição lembram tudo menos um alemão. Özil é de pais turcos já nascidos na Alemanha, portanto pertence à terceira geração, supostamente integrada, e portanto "alemã", e para muitos "não entra nestas contas". Bem, aqui falamos de multiculturalismo, e "cultura" é palavra mãe. Özil diz-se "inteiramente integrado e cometido ao seu país Natal", a Alemanha, portanto. Está tão integrado que em 2010 recebeu o prémio BAMBI, que premeia personalidades, nacionais ou estrangeiras, que sejam um exemplo para o povo alemão, e que o inspirem. Mas o jogador, que apesar de ser alemão "de gema" se chama Mesut, e não Hans, Fritz ou Otto, é muçulmano devoto, lê o Corão e reza a Alá antes dos jogos. Mais do que um exemplo de integração, é um exemplo de multiculturalismo. No passado a selecção alemão teve outros polacos, como é exemplo Dariusz Wosz, que fez parte da "mannschafft" no Euro 2000. Teve até um jogador de ascendência italiana (Maurizio Gaudino), de ascendência húngara (Zóltan Sebescen), e até um brasileiro com "costela" alemã, Paulo Rink. E foi Boateng o primeiro ganês a vestir a camisola alemã? Nada disso, pois entre 2001 e 2006, Gerald Asamoah foi internacional por 43 vezes, tendo apontado 6 golos - e era nascido no Gana, de pais ganeses, e "apenas" naturalizado alemão.
Mas isto foi no passado, e foram casos pontuais. Actualmente a Alemanha integra abertamente a sua nação completa, com respeito pelos descendentes de imigrantes e etnicamente alemães, total ou parcialmente, mas nascidos noutro país, e vejam só o resultado. Só que quando o Hugo fala em "reflectir a população alemã", os números não batem certo. Portanto temos estes seis jogadores que mencionei acima, de um total de 23, o que represente mais de 1/4 do plantel - arrendondemos para 1/4, para facilitar. A Alemanha tem 80 milhões de habitantes, e para que a selecção representasse fielmente a sua matriz étnica e cultural, seria preciso que tivessem 20 milhões de não-alemães, ou seja, 25%. É isso que acontece?
Nein! Ainda temos mais de 80% de alemães étnicos. Fica lá perto, mas aqui ganha o multiculturalismo. Mas o que importa isso, se todos vestem as mesmas cores, entoam o mesmo hino, fazem força para o mesmo lado, e quando ganham festejam juntos? É nisso que são um exemplo, e os outros países onde se registam grandes fluxos de imigração deviam imitá-los. Quantos, ou de que cor, ou de que fé, o que importa? Que se lixe.
Ich bin ein deutsche!
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