sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Os sons dos 80: palavras para quê?


Uma boa canção é supostamente a combinação perfeita entre a prosa ou a poesia e a melodia. Ou nem sempre. O primeiro som gravado em toda a história foi a canção folclórica france "Au Claire de la lune", em 1860, através de um aparelho chamado fonoautógrafo, e cujo cilindro com o registo está guardado num museu em Paris. No início do século XX e com a reprodução dos discos em vinil, nascia a indústria discográfica, e nos anos do pós-guerra, em meados da década de 50, começa a ser acessível ao cidadão médio ter um aparelho que tocasse discos em casa. Nem por acaso, na mesma altura aparece uma coisa chamada "rock'n'roll", e até aos anos 70 música instrumental é praticamente sinónima de música clássica, jazz ou orquestral. Com o desenvolvimento da tecnologia, é possível fazer e gravar novos sons e efeitos, e começa a haver um mercado para a chamada "música electrónica". Abriam-se também novos horizontes a instrumentalistas, que com as novidades em termos de programação, produção e mistura não ficavam obrigados a pertencer a uma banda para ter visibilidade, e mesmo alguns dos grupos do universo "rock", onde a mensagem falada é essencial, passaram a incluir uma faixa instrumental de quando em vez nos seus álbums ou EPs. Este capítulo é dedicado ao melhor que se fez em matéria de música instrumental nos anos 80.


E nada como começar por cima; Evángelos Odysséas Papathanassíu, mais conhecido pelo seu nome artístico Vangelis, deixou a sua Grécia natal em 1968 e foi para Paris, onde fundou juntamente com o seu compatriota Demis Roussos, outro nosso conhecido, o grupo de rock progressivo Aphrodite's Child. Inicia a carreira a solo em 1973, e ganha reconhecimento internacional ao compôr a música para a série "Cosmos", e em 1975 obtém sucesso comercial com o álbum "Heaven and Hell", tornando-se assim uma referência da música electrónica. No início dos anos 80 dá início a uma parceria com Jon Anderson, vocalista dos Yes, formando o duo Jon & Vangelis, que grava quatro álbums entre 1980 e 1991. Mas era com o seu trabalho a solo que atingia o ponto alto da sua carreira, quando em 1981 faz a música para o filme "Chariots of Fire", que lhe vale o Oscar para Melhor Banda Sonora Original. O tema principal de "Chariots of Fire" é uma das melodias mais reconhecidas do mundo, e garantiu a Vangelis um lugar na história. O compositor continuou a trabalhar para televisão e cinema, ao mesmo tempo que se dedicava aos seus próprios projectos. Actualmente com 70 anos, encontra-se retirado, e o seu último registo é a banda sonora do filme "Alexander", de Oliver Stone, do ano de 2004.


Ryuichi Sakamoto é um compositor japonês (duh...), que é ao mesmo tempo pianista, cantor, escritor, produtor discográfico e activista, um verdadeiro "renaissance man". Há quem lhe chame o "Vangelis oriental", e de facto as semelhanças são muitas; ambos iniciaram a carreira num grupo, ganharam um Oscar e têm um portfolio respeitável, se bem que a temática asiática das composições de Sakamoto possa ter sido um obstáculo para uma maior penetração no mercado ocidental. Sakamoto formou-se na Academia de Música e Belas Artes de Tóquio, para onde entrou em 1970 aos 18 anos, e desde logo revelou um grande interesse nas sonoridades étnicas de todo o mundo, tendo-se distinguido na cadeira de etnomusicologia. Treinado classicamente em piano, demonstrou sempre uma tendência para o experimentalismo e uma paixão pela música electrónica, e em 1977 fundou o trio Yellow Magic Orchestra, que hoje são considerados pioneiros de vários sub-géneros como o electropop, technopop,synthpop, cyberpunk e house, influenciando muitos artistas que se seguiram, tanto japoneses como ocidentais. Em simultâneo com os YMO, deu início a uma carreira a solo, e em 1983 ficou conhecido além-fronteiras com a banda sonora do filme "Merry Christmas, Mr. Lawrence", onde também foi actor, contracenando com outro músico, David Bowie. Este lindíssimo tema, "Forbidden Colours", é o cartão de visita do som de Sakamoto, uma aromática mescla de influências assentes numa base da música tradicional japonesa, mormente da região de Okinawa, de que o compositor diz ser a sua maior inspiração. Com "Merry Christmas, Mr. Lawrence" venceu um BAFTA, mas o Oscar escapou-lhe - nem sequer foi nomeado. Vingar-se-ia da Academia em 1988 com a música de "O último imperador", que seria também o filme que mais estatuetas douradas gnharia, incluíndo a de melhor filme e realizador. Nos últimos anos Sakamoto tem-se dedicado ao seu instrumento de eleição, o piano, mas continua a trabalhar para cinema e televisão, sendo o sei mais recente contributo para uma trilha sonora datado de 2011, para o filme japonês "Hara-Kiri: Death of a Samurai".


E entretanto, cresce o interesse da juventude alemã pela aviação sem motor, quer dizer, pela música electronica. Não se encontra uma explicação plausível para este fenómenos, mas os alemães adoram dançar ao som dos sintetizadores, e nos anos 70 e 80 os grupos de música electrónica multiplicaram-se como coelhos. As noites nos clubes eram animadas por bandas como os Einstürzende Neubauten, ja?, os Oeldorf Group, ich gut, ou os Die Tödliche Doris, schtoll! Apareceriam mais tarde alguns números que obtiveram alguma projecção internacional, como os Propaganda, os Alphaville e os Modern Talking (fundadores do sub-género "homotronic gayhouse"), mas quem liderava esta charanga eram os Kraftwerk e os Tangerine Dream. Os primeiros imortalizaram-se graças ao tema "Das Model", de 1978, e os segundos têm nos seus créditos este "Love in a real train", da banda sonora do filme "Risky Business", um dos primeiros da carreira de Tom Cruise. Enquanto que os Kraftwerk so a Coca-Cola da música electrónica alemã, os Tangerine Dream são a Pepsi, mas diga-se em seu abono que andam por aí desde 1967, antes da "techno" ser moda, e o líder do grupo, o teclista Edgar Froese, continua aí para as curvas, apesar de completar este anos a bonita idade de 70.


Mérde! C'est Jean Michel-Jarre! Não é nada, não se preocupem; eu é que sempre quis anunciar assim um artista francês. Este compositor nascido em 1948 em Lyon tem duas composições de música electronica que toda a gente reconhece com toda a certeza: "Oxygène IV", do seu álbum de 1976 "Oxygène", e "Rendez-Vous IV", do seu trabalho de 1986, "Rendez-Vous" - é caso para dizer que Jean Michel-Jarre "só engata à quarta". Este "Rendez-Vous" acabaria por ter um significado especial por motivos trágicos. O quinto e último tema do disco era para incluír um trecho de saxofone, a ser tocado no espaço pelo astronauta Ron McNair, a bordo do "space shuttle" Challenger. Como se sabe o bólide especial viria a explodir no dia 28 de Janeiro de 1986, pouco mais de um minuto depois do seu lançamento, matando os seus sete tripulantes. Jarre dedicou o disco às vítimas aquando do concerto que marcou o 25º aniversário da NASA em Houston, no Texas. Este vídeo foi gravado durante uma interpretação ao vivo aquando da visita do Papa João Paulo II a Lyon, sua terra natal, em Outubro do mesmo ano.


Herb Alpert é um tipo que conheço desde pequeno, pois o meu pai tinha uma caixa com todos os seus discos desde os anos 60 até finais dos anos 70. Alpert nasceu em 1935 em Los Angeles numa família de músicos, e aos 8 anos aprendeu a tocar trompete, instrumento que o passou a acompanhar desde então, como se fosse uma extensão dele próprio. No início da sua carreira musical fez uma visita a Tijuana, no México, e foi a uma tourada, onde ficou encantado com a música dos "mariachi" que acompanhavam o espectáculo, e daí tirou a inspiração para fundar a Tijuana Brass Band, que o acompanharia durante os anoS 60. Nos 56 anos que leva como instrumentalista, vendeu 72 milhões de discos, ganhou nove grammy e teve cinco álbums no nº 1 da Billboard. Este tema que aqui vos deixo, "Rise", chegou ao nº 1 da tabela de singles, e é instrumental. Em 1968 chegou também ao topo dos "charts" com "This Guy's in Love with You", o que faz dele o único a levar um tema vocal e outro instrumental a nº 1 da tabela de singles mais vendidos nos Estados Unidos. É de se lhe tirar o chapéu.


Joe Satriani nasceu em 1956 em Nova Iorque, e foi aos 21 anos para a Califórnia prosseguir uma carreira musical. Começou como professor de guitarra e entre os seus alunos estão músicos como Steve Vai, Kirk Hammet (Metallica) ou David Bryson (Counting Crows). Em 1986 optou por começar uma carreira discográfica com "Not of This Earth", em 1986. No ano seguinte seguiu-se "Surfing with an alien", em dois anos depois "Flying in a Blue Dream". Estes registos têm em comum o facto de serem completamente instrumentais, apenas Satriani, a sua guitarra e os habituais arranjos. Foi em 1989 que obteve as suas duas primeiras nomeações para os Grammy na categoria de melhor intérprete instrumental, as primeias de um total de 15, e nunca conseguiu vencer numa única ocasião - um recorde apenas superado pelo músico de R&B Bryan McKnight, que foi 16 vezes nomeado sem vencer. Satriani gravou 14 originais até "Unstoppable Momentum", de 2013, contribuindo para o trabalho de vários outros artistas, para cinema e para televisão. A razão que escolhi este "If I Could Fly", do seu disco de 2004 "Is there love in Space" é interessante: os Coldplay ganharam em 2010 o Grammy para melhor canção "rock" com o tema "Viva la Vida", que segundo Satriani contém uma parte substancial de um solo de guitarra da sua canção. As semelhanças são por demais evidentes.


Quem olha não dá nada por ele, mas Richard Cleyderman é um dos mais produtivos e bem sucedidods músicos da história. O loirinho que de vez em quando viamos surgir nos tempos mortos da RTP no s anos 80 gravou mais 1300 melodias e perto de 400 álbums (!!!) durante os seus 37 anos de carreira, vendendo mais de 70 milhões de discos. Nascido Philippe Pagès em Paris em 1953, entrou para o Conseratório da cidade-luz aos 12 anos, e quando se formou em piano clássico viu uma potenc carreira artística atrasar-se devido a problemas de ordem financeira. Para ganhar a vida trabalhou como caixa num banco, e nos tempos livres acompanhava músicos como Johnny Hallyday ou Michel Sardou. Os compositores Paul de Senneville e Olivier Toussaint repararam no seu talento, e convidaram-no para gravar um tema que tinham feito dedicado à filha recém-nascida de Senneville, Adeline. Mudaram-lhe o nome para Richard Ceyderman, para evitar que o seu nome fosse mal pronunciado fora de França, e assim nasceu "Ballade pour Adeline", que vendeu 22 milhões de cópias em 38 países. Quem não reconhecer isto, ou é surdo ou nasceu ontem. Depois disso Cleyderman somou e seguiu, compos arranjos musicais para cinema, televisão e teatro, adaptações para piano de música popular, composições de música étnica e outros trabalhos. Está no Guiness Book of Records como sendo...o maior pianista do mundo, claro.

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