sábado, 22 de fevereiro de 2014

Os sons dos 80: Herman José


Se o leitor estava agora a comer um cachorro-quente, deixou cair a salsicha e sujou as calças de mostarda, tal é a surpresa: "O Herman José, numa rubrica dedicada à música dos anos 80? Agora é que o Leocardo perdeu de vez o juízo". Ora e porquê? O "nosso" Herman, que no último dia 27 de Janeiro assinalou os 40 anos desde que apareceu pela primeira vez na RTP, no programa "No tempo em que você nasceu", de Artur Agostinho, começou por ser um artista de variedades, e além da faceta de humorista - que nem era o seu forte no início de carreira - era ainda actor e músico. A música foi sempre uma das suas paixões, e a juntar à voz, que até é bastante interessante, tocava também viola-baixo. Herman José vom Krippal, filho de pai hispano-alemão e mãe portuguesa, nasceu em Lisboa em 1954, estudou no Colégio Alemão e foi por essa nacionalidade que optou quando completou 18 anos, para evitar ser mandado para a Guerra do Ultramar. Posto isto a PIDE expulsa-o do país, e estuda na Escola Superior de Cinema e Televisão em Munique, mas ficou pelo 2º ano, pois em Portugal dava-se o 25 de Abril e Herman regressava ao seu país do coração.


Iniciou-se no Teatro de Revista, e foi durante o tempo do PREC, em 1975, que teve a sua grande oportunidade em televisão, ao lado de Nicolau Breyner no programa de humor "Nicolau no País das Maravilhas". Incidentalmente, teria aí o seu primeiro êxito discográfico ao lado do "padrinho", com o dueto "Sr. Feliz e Sr. Contente". O pequeno ecrã dava-o a conhecer então ao país. Entre o teatro de revista e os espectáculos que dava um pouco pelo país fora, tinha a vantage de se dar com toda a gente do mundo do espectáculo, desde actores, encenadores, realizadores, músicos, compositores, maestros, coristas, até à senhora da limpeza ou do chá. Era um "vivaço". Em 1977 apresenta no programa "A Feira" o tema "Saca o saca-rolhas", que seria o seu primeiro single, e em 1980 grava "Canção do Beijinho", que chegaria a disco de ouro. Nesse mesmo ano aparece no programa "Passeio dos Alegres", de Júlio Isidro, interpretando um personagem curioso, um tal Tony Silva. Auto-intitulado "el grande criador de toda la musica ró". Este Tony Silva era assim um misto entre cantor de "lounge", cigano e dava a entender que seria filho de emigrantes, não se sabe bem. Foi a primeira grande personagem de Herman, e fez perdurar a sua ligação com a música. Começavam em beleza, os anos 80.


Entre 1981 e 1982 acumulava com a sua participação no Passeio dos Alegres a carreira de cantor, com um sucesso moderado. Lançou o single "Canta Música Ró / A Técnica do Pulmão" com o aliás de Tony Silva, e outros como "Bailarico", "Tôfartudeti" e "Virodisco", além da versão em português do êxito "Da Da Da", dos alemães Trio. O ano de 1983 foi decisivo, e Herman é obrigado a optar por um dos caminhos da encruzilhada: ou seria humorista, ou cantor. Na RTP faz "O Tal Canal", que se torna um ponto de viragem no panorama do humor português, trazendo para a comédia nacional influências externas, nomeadamente dos ingleses Monty Python, inicialmente com uma recepção mista. Os mais jovens assimilavam melhor o "nonsense" de Herman, enquanto os mais velhos, habituados a um tipo de comédia mais ligeira com a teatro de Revista a ser considerado o mais "rebelde" qque conseguiam digerir, torciam-lhe o nariz. E foi também de nariz torcido que receberam Herman no Festival RTP da Canção desse ano, onde ficou em 2º lugar com o tema "A Cor Do Teu Baton", um tema de António Pinho e Tozé Brito. A canção é muito bonita e a interpretação foi de grande qualidade, mas ninguém parecia levá-lo a sério, e o vencedor foi Armando Gama com "Esta Balada que te Dou". Herman teria que partir de "O Tal Canal" e fazer carreira como humorista - em boa hora, diga-se de passagem, pois do Herman como comediante é o que se sabe, e do Armando Gama como músico é um daqueles itens há muito guardados no fundo da caixa dos perdidos e achados.


Em "O Tal Canal", Herman não abandonou a sua paixão pela música e pelo canto, e além de assumir o tema do genérico, transportou do "Passeio dos Alegres" o personagem de Tony Silva, que cantou ao lado de convidados como Sergio Godinho, Paulo de Carvalho e Dina, entre outros. No ano seguinte, e na sequência do êxito do seu primeiro programa, regressa com a série "Hermanias", onde aposenta o personagem de Tony Silva e cria um tal Serafim Saudade, que se torna uma espécie de "alter-ego" fe Herman. Nitidamente inspirado no cantor Marco Paulo, que gozava de uma enorme popularidade em meados dos anos 80 (os caracóis e os malabarismos com o microfone denunciavam-no), este Serafim Saudade era a caricatura do artista popular português, que pouco mais sabia do mundo do que a a vida artística a que se dedicava na totalidade. O sentido de humor antiquado, os pontapés no Português, a voláptia que o fazia envolver-se com uma das coristas, e a pose muito, muito "superstar" tornaram Serafim Saudade num caso sério, e valeu a Herman mais alguns singles, como "O Verdadeiro Artista", "Tango para Portugal", "Mulher, Mulher", este "Mentirosa", e outros momentos altos, como...


...esta participação ao lado do seu amigo Carlos Paião, que esteve por detrás deste personagem. Num dos programas foi convidado no papel de índio, e interpretou com Serafim Saudade uma versão de "To All the Girls I Loved Before", de Julio Iglesias e Willie Nelson, que ficou graciosamente intitulado "Prás Sogras Que Encontrei na Vida". Uma parceria que nunca partiu das boas intenções, e que poucos anos depois tornar-se-ia impossível, pois Carlos Paião viria a perder a vida num acidente de automóvel em Agosto de 1988, aos 30 anos. Nesta altura Herman debatia-se com um problema de obesidade, chegando a pesar 110 quilos.


Depois de "Hermanias", Herman retira-se durante uns tempos para repensar o reportório, e já agora para perder peso. Dedica-se a trabalhar mais na rádio, volta à estrada e aos espectáculos ao vivo, e em 1986 reencarna o personagem de José Estebes para gravar o tema "Bamos lá Cambada", ao lado de outros artistas de nomeada. O tema serviu para apoiar a selecção portuguesa que participou esse ano no mundial de futebol do México, e apesar daquilo que se sabe da prestação dos "infantes" e do famigerado caso Saltillo, o single chegou ao nº 5 do top de singles nacional (tive pena de não conseguir encontrar o videoclip original). Em 1987 regressa à televisão com "Humor de Perdição", que lhe fez provar o amargo sabor da censura, e dois anos depois é reabilitado com "Casino Royal", seguindo-se a apresentação do concurso "Roda da Sorte", e nos Sábados à noite "Parabéns", um media que se apresentava como concurso mas servia de balão de ensaio para o que futuramente seria a sua aposta de carreira, os "talk-shows". Em comum a tudo isto, o facto de nunca ter deixado de exibir os seus dotes vocais. Em 2005 compila (ele ia fazer uma piada com isto, de certeza) trinta anos de canções em "És tão linda", que também dá nome ao seu novo single desse ano. Inspirado pelas "big bands" de meados dos século passado, com o sentido de "oneshowmanship" de Frank Sinatra, Cary Grant ou Tony Benett, o que se pode dizer de Herman José numa frase é apenas isto: perdeu-se um cantor decente, ganhou-se um excelente humorista.

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