Decorre desde hoje e até ao dia 13 na baixa do Porto o Festival da Francesinha, dedicado ao sanduíche mais famoso de Portugal, e que consta de qualquer lista de “10 melhores sanduíches do mundo” que se preze. A origem da francesinha é o que menos importa quando chega à hora de comê-la, mas é na invicta que se encontra a capital do petisco, e onde alegadamente se encontra a francesinha original, a genuína. Em Macau podemos encontrar a francesinha em dois ou três restaurantes portugueses, e não sendo a mesma coisa, sempre dá para suavizar a saudade.
A francesinha é a versão revista e aumentada da tosta mista, que comida ao pequeno-almoço ou ao lanche chega para atordoar o ratinho que temos no estômago, mas não para o matar, e duas horas depois lá está ele a mexer como quem pergunta o que há para o jantar. Aqui a francesinha é um eficaz raticida, a alternativa ao pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar e ceia. Uma overdose de calorias, na boa tradição portuguesa da gastronomia “enfarta-brutos”, e recomendada pela indústria do anti-ácidos e medicamentos para a azia e para os gases. Consumida poucas horas antes de dormir, é um convite à congestão, e a possibilidade de quinar durante o sono de paragem cardíaca pode ser entendido como um desporto radical.
Para preparar esta orgia calórica começa-se com duas fatia de pão de forma, ao que se junta um bife de vaca, toucinho, linguiça e outros enchidos a gosto. Aconchega-se a sanduba com uma fatia de fiambre, e depois cobre-se de queiho, levando-se então ao forno. No fim junta-se um molho “secreto” e um ovo estrelado, para garantir que se consome a quantidade de proteínas suficiente para uma semana inteira, e serve-se com batatas fritas, não se vá alguém queixar que ficou mal servido. O pão inicial, na sua simplicidade branquinha, quadrada e insonsa, nunca imaginariam fazer parte desta autêntica arca de Noé de animais de quintas. Temos a vaca, o porco e a galinha, e se o queijo for de ovelha, temos a ovelha, também.
Um dos participantes do festival, o chefe Eduardo Marques, do restaurant “The Grill”, diz que a francesinha “é um prato gastronómico” – concordo, e permitam-me acrescentar: é uma comida comestível sólida que se mastiga. Quando a repórter do programa “Portugal em directo” lhe perguntou se o segredo era o molho, o chefe respondeu: “é sim, e é o bife, e as outras carnes”. E o queijo…e o pão…e o ovo. O forno onde entra a francesinha pré-fabricada é uma verdadeira Casa dos Segredos. Sobre o que pensam os estrangeiros desta iguaria, o chefe Marques diz que gostam muito, que tem fregueses ingleses, espanhóis e franceses, que lhe dizem que é “gûde”. Estes estrangeiros higienistas, com a mania dos molhos “light” e das saladas, tiram um curso de “comida como deve ser” quando provam a francesinha.
Quem quiser dar um pulinho ao festival só precisa de pagar uma entrada de 3 euros com direito a uma cerveja, e escolher de entre 20 tipos diferentes de francesinha, desde a original, a outras feitas apenas com carnes brancas, e até a inovadora versão vegetariana – não faz muito sentido existir uma francesinha vegetariana; é como pedir um frango assado com batatas fritas às rodelas e salada, “mas sem o frango, fáxafôr”. O preço das francesinhas varia entre as 80 e as 120 patacas (8 e 12 euros), o que é praticamente dado, pois para quem não come muito, chega para alimentar a sua família inteira. Para quem opta por comer sozinho, vai-se lembrar desta experiência que é comer uma francesinha. Pelo menos durante os quatro ou cinco dias seguintes, até que as suas entranhas a expulsem por completo do seu sistema.
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