Fong Chi Keong a fingir que sabe ler.
be·ne·fi·cên·ci·a
substantivo feminino
1. Hábito e acto de fazer benefícios.
2. Auxílio.
3. Prática de obras de caridade ou filantropia.
clep·to·cra·ci·a
(grego klépto, roubar + -cracia)
substantivo feminino
Sistema político que admite a corrupção.
Aqui está a "caixa" jornalística do ano. A edição de hoje do Jornal Tribuna de Macau (JTM),
trouxe uma reportagem sobre o encerramento de mais um estabelecimento tradicional de Macau, uma loja de artigos eléctricos situada na Av. Almeida Ribeiro, que operava há sete décadas no mesmo local. O espaço era arrendado pelo comerciante à Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu, que agora pretende cessar o contrato e realizar obras de renovação. O lojista queixa-se de que isto significa o fim do seu negócio, e reclama uma indemnização. As explicações ficam a cargo de Fong Chi Keong, empresário da construção civil e deputado da Assembleia Legislativa desde 1996, que acumula ainda as funções de presidente da associação que gere o espaço na origem de mais uma polémica. O comércio tradicional e as pequenas e médias empresas vão dando lugar ao comércio orientado para os turistas do continente, que pode suportar as rendas astronómicas actualmente praticadas nas lojas perto do centro da cidade. Mas deixemos de lado a loja de fotografias, pilhas e lanternas, e foquemo-nos das declarações de Fong Chi Keong.
Nomeado para a V legislatura da RAEM há apenas dois dias, Fong Chi Keong bate um recorde digno de constar do "Guiness Book". A sua fama de debitar disparates cada vez que abre a boca precede-o, e desta vez nem foi preciso aguardar pelo início dos trabalhos do hemiciclo para vê-lo em acção. Mais do que isso: em apenas duas páginas de um jornal o patrão da Man Kan, empresa de construção que herdou do seu pai Fong Man Kan, patriarca de uma das famílias "bem" do território, consegue exceder-se em termos de parvoíce e de surrealismo. Se há algo de positivo da reportagem de Viviane Chan e Hélder Almeida, que merecem um prémio Pulitzer pelo seu trabalho, é a sinceridade com que Fong, aqui no papel de presidente da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu conta como o território está a ser governado por "patos bravos" e pelos seus amigos, na mais pura das cleptocracias. Do que diz o empresário, o que dá para ler nas entrelinhas é: "Pois é, isto é tudo nosso, se não sabiam ficam agora a saber, e o que vão fazer quanto a isso?". Para quem apenas desconfiava, fica agora com a certeza absoluta.
Presidente da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu desde 2010, Fong Chi Keong tem tomado conta da loja de onde grande parte do executivo tem a sua quota. A associação é proprietária de 324 imóveis em Macau, grande parte deles na Rua Cinco de Outubro, uma das mais antigas e tradicionais do território.
Explicando a política do orgão que dirige, que passa por cessar os contratos com muitos dos seus inquilinos, Fong explica que "alguns dos edifícios são centenários, e requerem obras de renovação". Porquê? "Por razões de segurança", afirma. E depois? "Depois de renovadas, voltam a entrar no mercado, e podem ser alugadas". Ai sim? E por quem? "Por quem pagar mais". Uh? Mas...e que tal dar um descontozito aos pobrezinhos, amigo? "Temos que respeitar as regras do mercado", responde o pragmático Fong. Se não respeitarem "as regras do mercado", os administradores da Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu acabam na rua a pedir esmola, coitadinhos.
Mas esperem lá, não é esta Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu uma associação de beneficência, como o nome indica? Como se explica este apetite voraz por competir nos mercados, nomeadamente no imobiliário? Fong explica que sim senhor, que beneficência é uma coisa muito porreira e tal, mas que "é impossível estar sempre a ajudar as pessoas", que são umas chatas, sempre a pedir rebuçados. Pensam que aquilo é uma instituição de caridade ou quê? Ah esperem, mas é mesmo, e se calhar é isso que beneficência quer dizer. Ora bolas. Mas olhem, sabem uma coisa? A Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu ajuda "os doentes que não conseguem pagar as contas médicas por falta de dinheiro", e para tal, chega a gastar "sete milhões de patacas por ano"! Um balúrdio. Na reportagem do JTM recorda-se que apenas no segundo trimestre deste ano, a Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu recebeu da Fundação Macau fundos na ordem dos 20 milhões de patacas, sendo uma das mais beneficiadas do "bolo". Isto para não falar das contribuições feitas por particulares, gente ingénua que pensa que está a fazer o bem, e o rendimento dos tais 324 imóveis. E fora o resto. Qual resto? Vocês sabem muito bem do que estou a falar, como dizia Octávio Machado, o raçudo palmelão.
Questionado sobre a possibilidade do pequeno comércio desaparecer, Fong Chi Keong passa a bola: "a tarefa de proteger as pequenas e médias empresas cabe ao Governo". O descarado Fong fala de "Governo" como se não fosse nada com ele, como se estivesse a falar de um ente distante e inalcançável. É uma boa altura para recordar que o próprio Chefe do Executivo é o manda-chuva desta Associação de Beneficência do Hospital Kiang Wu, e dos sete deputados que nomeou na segunda-feira, quatro pertencem aos seus quadros. Já estão a ver bem onde estamos metidos, verdade? Ah sim, esta é também uma boa oportunidade para dar os parabéns ao eleitorado de Macau que foi às urnas no último dia 19 de Setembro eleger mais empresários para a Assembleia Legislativa. É que tinhamos falta, sabem, e mesmo assim 26 entre 33 mais três dos sectores ditos tradicionais, que normalmente pactuam com a maioria, parece pouco. Perante este cenário dá mesmo vontade de afirmar que a população (?) de Macau tem uma elevada cultura democrática, e não nos resta senão "respeitar a vontade da maioria". Quem inventou a democracia, não preveu a possibilidade de um dia vir a existir um lugar chamado Macau.
Estas associações de beneficência são instituições centenárias, uma espécie se agências seguradoras que tinham por função salvaguardar os bens dos clãs chineses. Os patriarcas destes clãs temiam que os seus descendentes desbaratassem o património da família no jogo, em concubinas ou em ópio, e confiavam parte desse património a essas associações, que o geriam, ficando com uma parte e disponibilizando outra parte aos herdeiros dos clãs, sempre que necessário. Muitas das propriedades que actualmente detêm foram doadas por beneméritos, muitos deles convencidos a doá-las no seu leito de morte, que assim podia ser que encontrassem lá em cima o deus-macaco ou aquele boneco de barba. Além do referido Kiang Wu, existem ainda a Tong Sin Tong, sua concorrente de respeito, e nas divisões secundárias outras como o Templo de Kun Iam ou o Pagode Lin Fong. Existe ainda um tal Fundo de Leitores do jornal Ou Mun, uma empresa milionária que mesmo assim consegue convencer milhares de residentes a tirar o cu da cama num Domingo em Dezembro e participar na famosa "Marcha do milhão", convencidos que estão a ajudar os pobrezinhos. E estarão mesmo? Não duvido, mas é como alguém que tem um vasto pomar de limoeiros e de quando em vez expreme metade de um limão marado que caíu no chão.
Recordo-me há uns anos de passar por uma pequena loja de loiças na Rua dos Mercadores, gerida por um simpático senhor que infelizmente já não se encontra entre os vivos. Para manter o seu ganha-pão pagava uma módica renda à Associação de Beneficência Tong Sin Tong, que um belo dia, e sem lhe dar nenhuma satisfação, vendeu o espaço a uma companhia de fomento imobiliário de Hong Kong. Passados uns tempos, o louceiro recebe a visita do novo proprietário, que lhe propõe a renogociação do contrato de arrendamento para valores astronómicos. Nem vendendo todos os pratos, canecas e figurinos três vezes pelo dobro do preço o pobre homem conseguiria suportar este valor, e achou por bem "enrolar a lula", que é como quem diz por cá, fechar as portas. Enquanto isso a Tong Sin Tong assobiava a caminho do banco com um saco de patacas, nas tintas para quem precisa de trabalhar de sol a sol, de domingo a domingo, para se sustentar a si e aos seus. E fizeram bem? Claro que sim! Segundo o deputado Fong Chi Keong, "respeitaram os mercados", e se não o fizessem, ainda se arricascavam a que os mercados lhes mordessem os tomates.
Numa nota mais pessoal,
o artigo do JTM recolhe a opinião de Fong Chi Keong sobre o novo elenco do hemiciclo para os próprios quatro anos. Fong congratula-se com a presença em massa do sector empresarial, pois "o Governo quer estimular a economia", que como se sabe anda muito deprimida, e "o sucesso depende dos empresários". Ora lá está, estes gajos são autênticas máquinas de fazer dinheiro...para eles. Quando é para discutir assuntos directamente relacionados com a qualidade de vida da população, como o salário mínimo, andam quase ao estalo por causa de uma pataca ou duas: - "deve ser 27 patacas por hora"; - "eu acho que deve ser 28"; - "'tás maluco pá? queres levar-nos à falência ou quê?". A este propósito Fong Chi Keong deixa mais uma vez a nu a sua faceta de humorista: “Eu não vejo nenhum empresário a defender só o seu interesse, o seu negócio, na AL. Se tu fores à AL podes perceber. E nós, empresários, também vamos diminuir a distância entre os pobres e os ricos”. Ahahahahahahahah...muito boa. Ahahahahahahahahahahahahahah!!!!
Para terminar com chave de ouro, Fong dá a sua opinião sobre um tema fracturante, a união civil entre casais homossexuais: “não faz sentido e nem é moral” e por isso “é melhor não discutir mais o tema na AL”. Só lhe faltava dizer que o melhor era encostar a paneleiragem toda a um muro, fuzilá-los e enterrá-los numa vala comum, com a pilinha enfiada nas peidas uns dos outros, formando uma carruagem bicha. Acrescenta que alguns deputados - que agora são cada vez menos - põem essa lei em cima da mesa "para chamar a atenção". Ou se calhar gostam de piça, nunca se sabe. Para terminar diz que "os académicos são muito parciais", isto para não os chamar de estúpidos, e que ele os seus amiguinhos, que nunca sentaram o rabiosque nos bancos de uma universidade, são os maiores. É isto que temos, meus amigos, e foram vocês que pediram. Estão contentes com a "vontade da maioria"? Ainda me recordo do tempo do pré-1999 quando os residentes se queixavam que os malandros dos portugueses "pegavam no dinheiro e levavam-no para Portugal". Estes preferem as Ilhas Virgens Britânicas e outros paraísos fiscais. Sabem onde ficam as Ilhas Virgens Britânicas? Eu sei, mas não passo apenas de um "academico parcial". O tio Fong é que sabe.
1 comentário:
Muito bom!!! Bravo.
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