Com três letrinhas apenas, se escreve a palavra, que das palavras pequenas, é a maior…foda. Pois é, como tudo muda quando nos aparece pela frente este “mas”. Este monossílabo que se pronuncia numa fracção de segundo tem o poder de apagar do rosto o sorriso dos mais optimistas, de arrasar com as ambições dos maiores sonhadores, de aniquilar tudo o que de bom se diz antes de um seco, frio e cruel “mas”. Quando tudo parecia correr bem, eis que vem o “mas” e manda tudo para o galheiro. Quando o povo diz “há mas são verdes”, é como quem diz “lá ter tenho, mas ai de ti se pões essas patas nojentas em cima”. No dicionário este “mas” devia vir com um aviso do tipo “material corrosivo, exercer cuidados extremos durante o uso”. Há vezes em que não é justo, não se faz a ninguém. Depois de tudo pelo que passámos, acabamos por levar com um “mas”?
Quando alguém começa uma frase com “eu não sou racista, mas...”, normalmente segue-se uma afirmação tão racista que faria o maior xenófobo corar de inveja, e pedir lições. Quando se opta por produzir comentários de índole racista, o melhor mesmo é assumir esse preconceito, e não começar a frase com “eu não sou racista”, e depois acrescentar um “mas”. O “mas” invalida tudo o que se diz antes dele. É o elemento absorvente. É como escrever um número com muitos dígitos e multiplicá-lo por zero. Só interessa o que se diz depois de “mas”, e não antes. Tudo o que vem antes de “mas” é apenas um engodo, um isco que nos prepara para o pior. É a anestesia antes de uma pancada violenta. No caso do racista, é mais prático dizer “não sou racista, mas…”, do que expôr o pensamento racista primeiro e no fim dizer “…mas não sou racista”. Aí o “mas” não vale nada, até porque muito provavelmente o seu discurso foi interrompido, ou quem o escutava virou as costas indignado.
Um discurso de duas horas, cheio de boas intenções e ideias brilhantes pode ser arruinado com um simples “mas”. O “mas” é o despertador, e depois dele os sentidos ficam alerta: “mas o quê?”. Numa exposição de um artista aspirante, pode haver quem diga “o seu trabalho é bom, mas…”; este “mas” significa na verdade “o melhor é mudares de carreira, e tens bom corpinho para trabalhar nas obras”. Um artista de renome, que passou a fase do “mas”, não conhece senão a lisonja. Mesmo que a sua exposição seja uma bela merda, não vão faltar os bajuladores que lhe dizem que é “genial”. Quem se atrever a dizer “não é mau, mas…”, arrisca-se a que lhe digam que não percebe nada de arte. Isto acontece com muitos escritores conceituados; qualquer porcaria que escrevem é imune aos “mas”. O prémio Nobel, então, é a vacina mais eficaz contra a febre do “mas”. O “mas” é a expressão máxima da hipocrisia. Quando se pergunta a alguém se gostou de um filme e este responde “gostei, MAS podia ser melhor”, está na realidade a dizer “destestei, e dou o meu tempo e dinheiro por perdidos”. Com a aplicação de um simples “mas”, fica a ideia de que não gostou lá muito, mas não quer falar sobre o assunto.
Para um sacana com bom coração, o mas é a ferramenta de trabalho de eleição, a arma para que possa exercer a sacanice sem problemas de consciência, ou sem se arriscar a levar um soco. Um candidato a um emprego qualquer que não preencha os requisitos leva mais depressa com um diplomático “gostei de si, MAS não corresponde ao perfil que procuramos” do que um sincero “vai-te embora, ó melga”. Um trabalhador que é despedido por motivos de economia de recursos é amaciado com uma resma de elogios antes de ser esfaqueado com o “mas”: “Você é eficiente, competente, pontual e obediente, MAS vamos ter que o despedir”. Mais valia dizer “toma lá o cheque e desaparece da minha vista”. Um guionista que apresenta o seu último trabalho, o arquitecto que entrega um projecto, o músico que submete a sua nova peça, todos se arriscam a ouvir um chorrilho de elogios fingidos, e depois um “mas”: “Isto está muito bom, MAS…”. Aí o melhor é interromper o discurso, pegar na papelada e ir embora. “Obrigado por nada, e vai-te lixar”.
Esse veneno que é o “mas” é quase sempre revestido de crueldade.
Um jovem apaixonado que se propõe à namorada, a custo da sua dignidade e colocando em xeque a sua liberdade, e pede-lhe a mão em casamento, arrisca-se ainda a ouvir algo como: “Eu amo-te, e darias um bom marido, MAS…”. Mas nada! A reacção indicada a esta situação só pode vir na forma de “Não me amas nada, sua pêga! Pensas que eu não sei que te embebedas aos sábados à noite e andas por aí a oferecer-te nas esquinas?”. O “mas” nunca serve para redimir os defeitos, mas sim para apontar os senãos. Nenhuma moça diria “Não tens onde cair morto, o meu pai emprenha-me pelos ouvidos para te dar com os pés, e tenho que simular os orgasmos quando nos deitamos juntos, MAS caso contigo”. A excepção ocorre quando os pós, mesmo que em inferioridade numérica, pesam mais que os contras: “O Tomás é gordo, feio, tem mau hálito e tresanda dos pés, MAS é rico”. Só falta acrescentar “…e eu sou uma puta reles” para a narrativa ficar completa.
Eu próprio uso o “mas”, MAS de forma responsável (viram?). Nunca se deve usar o “mas” em vão, e se beber, definitivamente não use o “mas”. O “mas” dá imenso jeito para encher chouriços para quem escreve um blogue, como eu. Tal tal, assim assado, MAS! E lá tenho paleio para mais meia dúzia de parágrafos. O “mas” é como o adiamento dos julgamentos por falta de comparência de uma das testemunhas, normalmente da parte do causídico que sabe que o caso está perdido, e assim engonha mais um mês ou dois, a ver se alguma coisa muda, alguém morre ou o mundo acaba. Como conclusão, devia pedir desculpa por alguma da linguagem menos própria que aqui usei, MAS não me apetece. Podem acusar-me de ser vulgar, obsceno, um porco ordinário da pior espécie, MAS na verdade não passam de falsos puritanos.
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