domingo, 6 de outubro de 2013

Mas se


Como já vimos, o “mas” e o “se” podem querer dizer um monte de sarilhos, e quando se juntam no “mas se”, a combinação é explosiva. É como meter um cão e um gato juntos num saco de sarrapilheira. É como convocar elementos dos Super Dragões e dos No Name Boys para uma festa num celeiro, trancá-los lá dentro e fugir. Quem usa e abusa dos “mas” e dos “se” não é flor que se cheire, e quando se dá a infelicidade de encontrar quem os junte num “mas se”, é mau sinal. Raramente um “mas se” é usado com boas intenções ou de forma positiva. Quando ouvimos da boca de alguém “mas se”, estamos tramados.

Este “mas se”, e façam o sinal da cruz cada vez que lêem ou ouvem esta conjugação diabólica, é usado para contornar uma situação aparentemente complicada, ou para realizar uma tarefa que implica uma boa dose de desonestidade, de malícia, de pouca-vergonha. Usa-se “mas se” depois dos categóricos “não pode ser”, “lamento”, “não o posso ajudar” ou “não é possível”, entre outros. Ajuda ao autor da sacanagem se fizer cara de carneirinho morto, e depois abrir os olhos como quem de repente se lembrou de uma solução para o problema, e depois sugerir com arzinho de maroto “mas se…”, seguido de uma proposta indecente, ou um convite à cumplicidade num acto ilícito.

No caso dos corruptos, o “mas se” funciona às mil maravilhas. Atendendo a um pedido, mesmo que mais complicado, que não é mais do que a sua obrigação e para tal recebe um salário no fim do mês, o malandrim explica que “o seu caso é complicado, MAS SE me pagar uma quantia extra, despacho o assunto”. É claro que a disposição para alinhar neste esquema depende da urgência, da jurisdição e da temperatura das costas do autor da proposta. É claro que está dentro das possibilidades do corrupto cumprir com a sua obrigação, com ou sem a motivação suplementar, mas aqui tudo depende de 1) as condicionantes que já referi 2) a vontade de denunciar o crápula e perder tempo em tramá-lo e 3) o próprio grau de honestidade do corrompido. Naqueles países onde grassa a corrupção e nada se faz sem uma compensação suplementar por debaixo da mesa, nem se coloca a hipótese de lutar contra o sistema. Não há lugar a “mas ses”, apenas a “come e cala-te”.

Para quem pensa que este exemplo é já de si doentio e merecedor da mais firme repulsa e reprovação, ainda não viu nada. Imaginem um tipo que tem por função receber as candidaturas a um concurso público, daqueles onde se inscrevem dez mil candidatos para vinte vagas. Agora imaginem que uma bela recém-licenciada chega dois minutos depois da hora no dia limite para a inscrição, e o tal tipo recusa receber os papéis, alegando o evidente atraso. Aceitar a candidatura fora de horas seria injusto para os restantes concorrentes que se dignaram a cumprir o prazo, MAS SE a bela colegial lhe fizer um bico, o problema fica resolvido. Esta moeda de troca, o “bico”, oscila em termos de valor conforme a situação económica. Tempos houve em que um bico era mais que suficiente para conseguir um emprego, mas hoje em dia só chega para remediar uma candidatura tardia, mesmo que acompanhado de uma canzana ou de uma rapidinha. As gorduchas e as feias ficam de fora, e quanto aos homens, depende da sorte, se é que percebem onde quero chegar.

Este “mas se” não é sempre humilhante, mas é inevitavelmente frustrante. Há casos em que é utilizado no campo das probabilidades, adquirindo um tom paternalista. É o exemplo dos casos em que alguém meteu o pé na argola, MAS SE tivesse pensado bem ou agido de outra forma, teria evitado problemas. O patrão que despede o funcionário e ainda o reprime com um “Fizeste merda da grossa, MAS SE tivesses falado comigo antes, nada disto tinha acontecido”. Ora bolas, a sério? E que tal ir à procura do Dr. Emmet Brown, e viajar no DeLorean preto de volta ao passado e evitar o erro? Obrigado pela sugestão, ó chefe, MAS SE me tivesse avisado antes, prevenido o meu erro ou ajudado a sair da fossa, teria sido muito mais simpático.

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