sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Mandarim, manda-tripa, haja paciência


Também no Portugal no Coração de ontem, um dos convidados foi o Jorge Serafim. Não sabem quem é o Jorge Serafim? E se vos disser que esteve por cá ainda há pouco tempo, em Outubro, na companhia do seu parceiro Ângelo Torres a "contar histórias". Pois, são contadores de histórias, fantástico. Quando disse que tinha "voltado agora de Macau", Jorge Gabriel não resistiu a perguntar o que achou, e Jorge Serafim disse que "viu muita coisa", e deu o exemplo do patuá, que é "uma mistura do português e do Mandarim", e que "cada vez menos gente fala". Epá pois é, o gajo tem razão. É uma mistura do Português e do Mandarim, e prontos. E nós aqui a discutirmos o que é o patuá, e tal, e veio aqui este iluminado e ficou completamente esclarecido. Vá lá, do mal o menos. Pelo menos não foi ao "Cinco para a Meia-Noite", senão tinham-lhe perguntado se tinha comido cães e gatos, que o público português adora ouvir essas coisas: que as pessoas vêm aqui a Macau ou à China e não há mais nada para comer a não ser animais domésticos.

Os portugueses que viveram em Macau - e quero dizer os que "viveram" mesmo, e não ficaram aqui um ano a ir de casa para o trabalho e vice-versa de carro preto - sabem que isto são tudo disparates, e sabem que nem vale a pena contrariar essa fantasia húmida que a tuga tem do Oriente. Os que vêem aqui de férias ainda aprendem qualquer coisinha, mas encontram sempre algo completamente diferente do que estavam à espera. Permitam-me que em nome de Macau apresente as minhas mais humildes desculpas por vos termos desiludido, e que o cão que as pessoas têm em casa não tenha aparecido cozinhado para o almoço, para vossa satisfação. E sim, desculpem lá uisso das pessoa aqui serem normais, e não todas amarelas com roupões de desenhos de dragões e trancinhas.

Mas é mesmo assim, quando se pensa em Macau pensa-se na China, e quando se pensa na China pensa em chineses, e quando se pensa em chineses pensa-se em...crescimento económico? Super-potência? Oportunidades de investimento? Nada disso! Pensa-se em chineses, ora. No chinesinho Limpopo, no Pudim Flan El Mandarin, sei lá, em coisas esquisitas. É que logo a seguir ao Portugal no Coração deu um documentário sobre os chineses a viver em Portugal, e a reportage da RTP levou-nos a S. João da Madeira, distrito de Aveiro, ex-capital do calçado. Ui aquilo é que eu desaprendi com aquele riquíssimo programa. Valeu ter ficado de pé quase até às três e assistir àquele lindo espectáculo. Portugal no seu melhor.

Primeiro assistimos a um casamento muito sui generis, com um noivo português e uma noiva chinesa. Nãããooo! O mundo ao contrário. Como é possível isto? É como acasalar um polvo e uma andorinha. O noivo lá desabafa que não foi fácil, que os pais dela preferiam um noivo chinês, seus pais preferiam "outra noiva" - isto explica em parte porque os pais da noiva preferiam um noivo chinês. Os amigos dele acham "esquisito", e ficamos a saber que os casamentos entre portugueses e chineses são "pouco comuns". Também com esta atitude, como é que as lindíssimas chinesas, quase sempre originárias de Zhengjiang, provincial vizinha de Xangai, iam querer casar com uns sebosos como nós? É que o rapaz ainda casasse com uma kenga ucraniana, moldava ou brasuca, ainda vá lá, agora chinesa?

E de facto a integração dos chineses em Portugal tem que se lhe diga. Uma portuguesa que trabalha numa loja dos chineses diz-nos que "é mais fácil uma cliente entrar quando ela está lá dentro", porque se virem só chineses "têm medo". Pois é, se estivesse ali o Jack o Estripador entravam, porque "é inglês", mas chineses, vade retro, será que mordem? Pelo menos com o medo podem eles bem. O pior é quando vai um chinês na rua e um tuga marialva qualquer grita ao longe "ó chinês!". Que rica observação, que exemplo de coragem. Agora se fosse um africano, teria um pouco mais de relutância para expressar os seus dotes de bom observador, denunciando a tez de alguém que lhe é completamente estranho. Porque será? Somos uns heróis, meus compatriotas.

Diz a moça da tal loja que aprendeu a ler os números em chinês "por causa dos preços" (?). Bem, pelo menos alguém aprendeu alguma coisa nisto tudo. Ao contrário de outro ndivíduo entrevistado logo a seguir, que diz ter "aprendido Mandarim!". E o que sabe ele dizer? "Nin hao"...."Xie xie"...e...e mais o quê? Foi só. E não foi aprender em S. João da Madeira, pensam o quê? Foi na China! Aquilo é que foi uma viagem proveitosa. Mas o que é o Mandarim? Segundo este brilhante documentário, "é o DIALECTO mais falado da China". Afinfa-lhe, que é dialect. Mas que importância tem se é dialecto ou a língua oficial? Se perguntarem ao um tuga médio que língua se fala na China, eles respondem "chao chu chi chong".

O contrário é menos verdade, pois os chineses de aprendem muito mais depressa o Português dos que os portugueses o chinês...em S. João da Madeira. Ficámos a conhecer uma escola de Mandarim, com uma professora chinesa que dá aulas a meia dúzia de curiosos tugas que nunca terão a iniciativa de se mudar de armas e bagagens para a China, mas ouviram dizer que aprender a falar chinês "é que está a dar". Quando a 'stôra chega exclamam todos em coro: "nin hao, lao xie!". A jornalista que conduziu a reportagem - que se ainda não fiz esta referência, era parvinha - entrevistou um exportador de vinhos que faz negócios na China, e de tudo o que lhe podia perguntar, quis saber se os chineses sabem pronunciar "Alvarinho". O empresário, com muita paciência, explicou-lhe que não, "assim como não conseguem pronunciar muitos nomes estrangeiros". Nas entrelinhas notava-se que o lhe estava a dar vontade de mandar a menina a tal sítio, mais as suas perguntas idiotas.

Um dos participantes deste desastre foi Y Ping Chow, o aclamado líder da comunidade chinesa em Portugal, e ali residente há várias décadas. A repórter perguntou-lhe se o senhor Y se tinha adaptado bem a Portugal, aos costumes portugueses, e se "tirava férias". Ahahahah, hilariante. Não perceberam? Eu explico: os chineses trabalham todos os dias, até ao Domingo, e não fecham pontualmente às 5:30 da tarde nos dias de semana. Y Ping Chow respondeu que sim, enfim, que tira férias e tal, e coitado, até o devem ter obrigado a parar de trabalhar. Os chineses em Portugal são a antítese da anedota do Alentejano, mas é aquele tipo de anedota que só quem a conta acha uma ponta de graça.

Y Ping Chow levou a repórter ao cemitério onde estão depositados os restos mortais dos seus avós, e sem ter entrado em qualquer tipo de detalhe, assumimos que o empresário chinês terá trazido os seus familiares para viver em Portugal quando ali se radicou. A nossa cicerone não resistiu e fez a pergunta que tem atormentado os portugueses desde sempre, chegando a tirar-lhes o sono: porque é que não se vêem funerais chineses em Portugal? Y Ping Chow explicou que de facto alguns chineses voltam à sua terra natal quando envelhecem, ou se ficam doentes, e preferem morrer lá. Vejam só, isto é mesmo um povo esquisito; querem morrer na sua terra em vez de noutro sítio qualquer a milhares de quilómetros de distância. Mas Y deixou saber que sim, alguns chineses defuntos ficam enterrados em Portugal, e prova disso são os seus próprios avós, cujo túmulo se encontrava mesmo ali à sua frente. É que para os portugueses um "funeral chinês" implica que hajam danças do leão e do Dragão e a actuação da ópera de Pequim.

O documentárioa cabou com o Marco, um filho de chineses nascido e criado em Portugal há quase vinte anos, e que se sente "100% português". Não troca os "erres" pelos "eles", fala um português perfeito, e vejam só, é fã da selecção portuguesa e do Cristiano Ronaldo. Que fenómeno...porque será? Ainda existe o Jornal do Incrível? É que isto é matéria para primeira página e reportagem de quatro páginas centrais. Meus caros amigos chineses a viver e a trabalhar em Portugal: em nome de todos os portugueses, que não tiveram a dignidade de os receber como pessoas e tratam-vos como marcianos, as mais sinceras desculpas. E garanto que não somos todos assim. É da crise, sei lá.

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