Sonho de uma noite de Inverno

Faz mesmo muito frio em Macau. Hoje tivemos 4 graus celsius com 98% de humidade, e chuviscou um pouco de manhã. Foi uma maravilha. Um frio fantástico, delicioso, que dá uma tusa do caraças. E aparentemente vai continuar, com um pequeno susto lá para o fim-de-semana, e depois pimba!, mais frio a partir de Domingo.

É quando faz assim muito frio que me lembro dos dias mais felizes da minha infância, do aconchego do lar, das roupagens de lã quentinhas, do calor humano de um beijo ou de um abraço, de adormecer em lençois quentinhos, adormecer e sonhar. É assim que eu quero morrer um dia. Ir sonhar e nunca mais acordar. Não imagino que morrer seja uma coisa “quente”, pois quando penso em mortes calorentas vem-me à imagem o Inferno, um incêndio qualquer com queimaduras do terceiro grau. Lembro-me de deixar as roupas no aquecedor antes de vesti-las e sair de casa, lembro-me do vapor que pairava no ar depois do banho, que me fazia procrastinar a saída da casa-de-banho, lembro-me de acordar com as orelhas a escaldar depois de mais uma noite bem dormida no conforto do lar.

Nestes dias gelados só há três coisas boas de fazer: comer, dormir e fazer amor. Mais nada que não se relacione com encher o bucho e cair na cama interessa neste deleitoso midwinter night’s dream que vivemos agora. Enquanto estamos mergulhados na hibernação do frio, não existe o buliço do querer sair, querer refrescar-se ou andar aí pelas ruas a cometer actos de loucura, adultério ou associação criminosa. As pessoas ficam mais em casa, conhecem-se melhor, conversam à lareira (quem tem lareira...), lêem mais, e é nesta altura que os nossos amigos da imprensa trabalham mais e melhor (ou pelo menos deviam...) para nos pôr a par da actualidade dos gajos que têm imenso que fazer.

A propósito do que comer nesta altura do ano, recomendo mais uma vez a leitura da crónica do Luís Machado nas páginas do JTM de hoje (Brrr...ai que frio!. LOL). Mas sempre vou adiantando que nesta época do ano apetecem-me pouco coisas frias, como saladas ou sushis. Ainda hoje ao jantar abafei uma dobrada, e faço planos de me encher de frango picante ou bacalhau à Brás nos próximos dias. Enquanto não começo a rebentar de diabetes ainda vou aproveitando para me encher de chocolate, bolos e coisas dessas que aquecem o corpo e a alma. Procuro sempre beber coisas quentes, e mesmo aqueles iogurtes líquidos que bebo todos os dias de manhã começam a saber menos bem. Nada como mergulhar o nariz congelado num cházinho acabadinho de fazer, ou um cacau fumegante, ou uma canjinha a ferver. Ficar ali a segurar na chávena a escaldar e sentir aquela estranha sensação de dor e ao mesmo tempo de alívio. Uma experiência alucinante. Álcool é que não, que faz mal ao fígado e eu já sou velhinho.

Não sou grande adepto de ta-pin-lou, ou de pratos da época como o tacho (apesar de ser delicioso, faz bastante mal), ou a caldeirada de carneiro ou coisas assim muito violentas. Torna-se muito chato cozinhar, molhar as mãos, e depois lá fico a procrastinar com as mãos debaixo da água a ferver enquanto me decido se devo cortar a cebola semi-congelada na bancada da cozinha. Das contas do gás e da electricidade estes meses é melhor nem falar; o período dos banhos nesta altura do ano tem um span de quatro horas, pois todos querem ficar pelo menos uma hora debaixo da água quente. Somos assim como aqueles clubes que nos dias mais frios do ano gostam de mergulhar em água gelada, só que ao contrário.

Seja qual for a forma que encontrar de disfrutar este tempo maravilhoso, previna-se das gripes, agasalhe-se, e de preferência vá para dentro. Quanto a mim, vou voltar ao quentinho dos cobertores.