segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Dar-lhes o arroz


A Associação de Auto Ajuda dos Trabalhadores organizou ontem uma campanha de distribuição de alimentos, de modo a ajudar os mais necessitados a combater a inflação durante o período do Ano Novo Chinês, noticiou o Hoje Macau na sua edição de hoje. A associação em causa tinha quase 4000 sacos de arroz para distribuir, e como seria de esperar, gerou-se uma enorme confusão, com centenas de idosas e donas de casa desesperadas (lol, gostei desta) a utilizaram a única técnica que conhecem para se comportar numa fila: o empurrão. Foram gritos, pessoas no chão, choro e histeria generalizada até à habitual intervenção das autoridades. Tudo por causa de uns sacos de arroz.

Quem leia esta notícia no estrangeiro pensa que em Macau existe fome endémica. Fome daquela que vemos na televisão, durante os telejornais, durante a hora do jantar e que nos faz logo perder o apetite. Nada disso, o que existe em Macau é gente muito forreta. Não duvido que estivessem lá pessoas a quem vinte patacas (o preço de uma saca de arroz chinês comum) façam grande diferença, mas tenho a certeza que a maioria queria apenas levar arroz de graça para casa. Porque é de graça, e eles não parvos, e não perdem uma, e é por isso que muitos deles têm um ror de propriedades em seu nome e chorudas contas bancárias. Ir buscar o arroz é uma técnica de sobrevivência milenar chinesa, e se o arroz for de graça, melhor ainda. Mais dinheiro fica para outras coisas que por sua vez dão ainda mais dinheiro. O arroz não se especula nem se vende no mercado negro.

A anedota do milionário escocês que andava descalço para não gastar a sola dos sapatos aplica-se em Macau com toda a perfeição. Só quem em vez de solas de sapato aqui as pessoas preferem arroz, jornais, cartão, latas e até esmola. Existe uma senhora que costuma parar de manhã no Largo do Senado a pedir esmola de mão estendida a quem passa. Deve estar tão desesperada que se esqueceu de vender os brincos e os anéis de ouro que ostenta de modo a amenizar a situação de caristia extrema em que vive, coitada. Lembro-me de outras situações semelhantes a esta da distribuição de arroz. Existia um restaurante vegetariano na Travessa de S. Domingos que distribuía chai (um prato feito com cogumelos e outros vegetais secos) num dos tais dias do Buda, como obra de caridade. As pessoas começavam a fazer fila de madrugada, usavam os filhos e os netos para lhes guardarem o lugar, isto tudo perante o olhar atento de dois ou três polícias que eram ali colocados para evitar uma tragédia. Já falei aqui do tal jornal grátis que é distribuído de manhã no Largo do Senado, que leva a que centenas de idosos tirem o cu da cama às sete horas da manhã com este frio.

Curiosamente as mesmas pessoas que não têm dinheiro para comprar arroz, chai e jornais têm dinheiro para comprar bilhetes para o Festival de Música ou selos comemorativos. São os mesmos que se apinham de madrugada à porta dos Correios ou da Companhia Kong Seng para comprar colecções de selos comemorativas disto e daquilo, ou bilhetes para os concertos mais apetecíveis dos festivais. Não que sejam colecionadores ou amantes das belas artes, mas para depois revender aos infelizes que gostam mesmo de selos e de música, mas não têm vida para ficar dez horas numa fila. Assi sã Macau, onde já vi um pouco de tudo. Já vi duas senhoras apresentáveis a brigar por uma caixa de cartão, já fui seguido por uma idosa que queria a lata da Coca-Cola que eu estava a beber, já vi pessoas enfiadas com a cabeça dentro de um latão do lixo, sem que tenham necessidade nenhuma de o fazer. Soluções para o problema? Mas qual problema?

7 comentários:

Anónimo disse...

A pior pobreza, às vezes, é a pobreza de espírito.

Anónimo disse...

Coisa que é endémica em Macau...

Pedro Coimbra disse...

Realmente, até mete impressão esta febre com tudo o que é grátis.
Sem qualquer necessidde.
Chega a ser doentio.

Anónimo disse...

Mas sera que os broncos que tiveram a ideia, nao aprenderam com as outras vezes? Ha anos que acontecem estes episodios!
Inclusive ja foi anteriormente sugerido que se distribua o arroz directamente em casa dos velhotes, ou mesmo que se arranje um sistema de senhas.
Tambem tem de ir a Singapura para ver como e que se distribui o arroz!?

Anónimo disse...

Muita gente esquece que há tambem muitos POBRES em macau.

Anónimo disse...

Eu aqui em Portugal já vi 2 mendigos a porrada por causa das esmolas ahahah.

Anónimo disse...

e achas piada a isso, papo-cheio das 19:44?? grande animal que és, pá....