terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Os sons dos 80: Tina Turner


Anna Mae Bullock, antes de se transformar em Tina Turner.

Anna Mae Bullock nasceu em 1939 em Nutbush, no estado do Tennessee, no sul dos Estados Unidos. Num tempo em que a segregação racial era uma realidade, e como afro-americana, a pequena Anna Mae cresceu no seio de uma comunidade negra, e começou a revelar os seus dotes vocais na igreja de Nutbush, onde lhe eram dadas muitas oportunidades para cantar a solo. Aos 11 anos a mãe saíu de casa, cansada dos abusos da parte do seu pai, que voltaria a casar quando Anna Mae tinha 13 anos, e a família mudou-se para Detroit. Na "motor city" acumulava os deveres de estudante com o trabalho como empregada doméstica, e aos 16 anos mudou-se para St. Louis, no Missouri, para ir viver com a mãe. Nesse seu regresso ao sul terminou o liceu em 1958, e começou a estudar para enfermeira, a profissão com que sonhava desde pequena. Tudo mudou uma noite em 1957 quando foi com a prima a um clube nocturno chamado "Manhattan", onde actuava um tal Ike Turner e a sua banda Kngs of Rhythm, que animavam as noites com o seu reportório de "soul". Era habitual subirem ao palco algumas jovens de entre a audiência para cantar com os músicos. No dia em que Anna Mae mostrou o que valia, Ike ficou impressionado, convidou-a a voltar, e eventualmente viriam a envolver-se romanticamente. Assim nascia o duo Ike e o nome pelo qual Anna Mae passou a ser conhecida: Tina Turner.


Ike e Tina Turner, ainda na "idade da inocência".

Os dois casaram, formaram família e gravaram juntos. O seu primeiro êxito foi com "A Fool in Love", ainda em 1960, e depois disso seguiu-se uma parceria de sucesso, com 30 álbuns durante o tempo em que o duo, e o casamento, duraram. Entre os seus maiores êxitos destacam-se "Proud Mary", "Nutbush City Limits" ou "River Deep, Mountain High". Ike escrevia a música e tocava guitarra-baixo, mas era Tina a estrela, com a sua voz fortissima que arrebatava as plateias. O lado negro do casal Turner era o tratamento que Ike dava a Tina, agredindo-a fisicamente e verbalmente, enquanto desbaratava os lucros das vendas de discos e dos concertos em cocaína, amantes, festas privadas e bens de luxo. O casal viria a separar-se em 1976 e a divorciar-se em 1978, mas mesmo depois disso Ike continuou a assediar a ex-companheira, um drama que ficou documentado na auto-biografia da cantora, "I, Tina", e mais tarde na longa-metragem "What's Love Gotta Do With It", onde os actores Lawrence Fishburne e Angela Bassett desempenharam o papel de Ike e Tina Turner.


Quando chega a década de 80, Tina Turner estava na casa dos 40 e estava de volta à estaca zero. Depois do divórcio com Ike tinha prescindido de todo o património e regalias, mantendo apenas o apelido do ex-marido. Mas o potencial estava lá todo, e a indústria discográfica sabia disso. Em Novembro de 1983 a cantora regressa pela editor Capitol com o single "Let's Stay Together", e em Fevereiro lança em single uma versão de "Help", dos Beatles. O terreno estava preparado para o lançamento de um álbum, o seu quinto a solo mas primeiro sem a "sombra" de Ike, e em maio surge finalmente "Private Dancer", cujo single de maior sucesso foi "What's Love Gotta do With It", o tal que baptizou o filme autobiográfico de Tina Turner. Para este disco a artista rodeou-se dos melhores músicos, compositores e letristas, além de uma produção excepcional. O single que dá nome ao LP foi escrito por nada mais nada menos que Mark Knopfler, dos Dire Straits. Em termos de vendas o disco foi um sucesso, atingindo o nº 2 no Reino Unido e o nº 3 no Billboard 200.


Tal como muitos outros cantores da sua geração, Tina Turner aventurou-se no cinema, mas nunca assumidamente. O seu maior papel terá sido em 1985 no filme "Mad Max III - Beyond Thunderdome", ao lado de Mel Gibson. A crítica dividiu-se quanto à qualidade do filme e da interpretação de Tina, mas a sua contribuição incluíu ainda a banda sonora, com os temas "One of the Living" e este "We Don't Need Another Hero", que ficou no ouvido de muitos. Tina Turner estava de volta, recuperava os fãs do passado e ganhava outros entre os mais jovens. Também em 1985 participou no Live Aid, onde fez um dueto memorável com Mick Jagger em "It's only Rock'n'roll (and I like it)". Outras parcerias de sucesso foram com Bryan Adams em "It's only love", e com David Bowie em "Tonight". Tina Turner estava em alta, e o ex-marido Ike, mergulhado no anonimato e viciado na cocaine, roía-se de inveja.


O segundo disco de originais apareceu em 1986, sob o título "Break Every Rule", e conseguiu ter ainda mais sucesso que o seu antecessor, "Private Dancer" - mais por ter sido muito aguardado do que pela qualidade propriamente dita. Mesmo assim ficaram na memória temas como este "Typical Male", ou ainda "Two People" e "Paradise is Here". Mark Knopfler voltou a contribuir com "Overnight Sensation" e a dupla Bryan Adams/Jim Vallance com "Back Where you Started". O álbum voltou a ser nº 2 no Reino Unido, ficou-se pelo nº 4 do Billboard 200, e foi nº 1 na Alemanha, Suíça e Finlândia. Já com a respeitável idade de 47 anos, mas com uma figura de meter inveja a muitas mulheres jovens (especialmente as pernas), Tina Turner começava a ser conhecida por "avó do rock".


Seguiu-se a tourné mundial e em 1988 sai "Tina Live in Europe", um duplo disco ao vivo com temas do passado e do presente. Em 1989 Tina Turner acaba a década que a consagrou com mais um disco de originais, "Foreign Affair". Deste novo trabalho todos se recordarão deste "The Best", ainda hoje frequentemente usado na comemoração eventos desportivos, talvez batido apenas por "We are the Champions", dos Queen. Este "Foreign Affair" não fica tanto na memória como os registos anteriores, mas valeu a Tina finalmente o tão adiado nº 1 no Reino Unido, com uma passagem mais discreta pelos Estados Unidos, onde não foi além do nº 34 do Billboard 200. Foi ainda nº 1 na Alemanha, Áustria, Finlândia, Noruega e Suíça. Aliás na federação helvética todos os discos de Tina Turner chegaram a nº 1, e talvez isso ajude para explicar uma das opções que viria a tomar no futuro.


Depois dos anos 80, que a transformaram num monstro sagrado da música moderna, Tina Turner só viria a gravar mais dois discos de originais até hoje: "Wildest Dreams", in 1996, e "Twenty Four Seven", em 1999. Isto além, é claro, do sucesso do filme autobiográfico, que aproveitou para lançar uma colectânea e ainda juntar-lhe um original, este "I Don't Wanna Fight", que foi mais uma vez um triunfo. O milénio marcou a sua retirada dos estúdios e dos palcos, e em Setembro último casou com o empresário discográfico alemão Erwin Bach, com quem mantém uma relação desde 1985. A cerimónia foi em Küsnacht, nas margens do Lago Zurique, na Suíça, onde a cantora tem uma das suas residências desde 1994, e onde vive actualmente. Em Outubro adquiriu a nacionalidade suíça, que tinha pedido em Janeiro, talvez como forma de agradecer ao país que tornou todos os seus discos nº 1. Hoje com 74 anos, Anna Mae Bullock respira fundo, aposentou a personagem de Tina Turner que lhe deu tudo, e pode finalmente gozar a vida. E que vida!

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