sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Os blogues dos outros


Poucas foram as vezes em que me referi, neste extraordinário blogue, aos hábitos mais rebuscados dos habitantes de Macau. Não o tenho feito umas vezes por decoro, outras por achar que o melhor é cagar pra isso para não agravar o desiquilíbrio mental e, por fim, por considerar que outros blogues lusos de Macau - ligeiramente mais extraordinários que este - têm-no feito na perfeição. No entanto, hoje atrevo-me. O hábito um pouco desagradável que actualmente me acossa é o corte da unha no local público e no local de trabalho. Estar concentrado de forma profundíssima nos afazeres e de repente ouvir o tic do objecto flagelador é chato. Mas há locais de trabalho e locais de trabalho. Não é que ouvi dizer que há um deputado da Assembleia Legislativa que o faz com alguma regularidade nas sessões plenárias. Dormir ainda se tolera agora cortar a unha.... Sendo este ilustre representante do povo eleito pela via directa era de apelar ao voto higiénico, na campanha eleitoral (?) que se aproxima, para que democraticamente o passe a fazer em casa.

Pseudo-Livreiro, A Leste da Solum

Nos primeiros setes meses do ano, Macau teve um superavit orçamental de 14.210 milhões de patacas (1251 milhões de euros) enquanto as receitas públicas ascenderam 29.548,5 milhões de patacas (2601 milhões de euros). Embora os valores não sejam tão elevados quanto em 2008, traduzem bem a invejável saúde financeira de que goza o território. Tanto dinheiro podia e devia ser aplicado na melhoria da qualidade de vida da população, mas isso se calhar já é pedir muito…

El Comandante, Hotel Macau

A sul-africana Caster Semenya, vencedora dos 800 metros nos mundiais de Berlim, tem sido notícia em todo o mundo. Isto porque há quem duvide do seu sexo. Ora, devido à sua aparência pouco feminina, há quem defenda que se trata de um caso de hermafroditismo. Se tal se confirmar, a atleta verá a medalha de ouro ser-lhe retirada e será proibida de voltar a correr em provas oficiais. O assunto não é pacífico, mas vejamos: deverá uma mal-formação embrionária impedir a rapariga de voltar a competir? Julgo que não (e que me desculpem as restantes atletas). O conceito de normalidade é muito subjectivo e, não raras vezes, tem sido a antecâmara ou a desculpa para os mais variados atropelos humanos. Aliás, é hoje um dado comprovado que Phelps é possuidor de diversas características que, num sujeito dito normal, seriam apenas anormalidades. Porém, todas somadas, fazem dele imbatível quando entra numa piscina. Alguém se lembrou de pedir a sua desclassificação? Não. Tal como o atleta norte-americano, a sul-africana não se dopou ou cometeu qualquer ilegalidade: a provar-se que sofre de hermafroditismo , apenas nasceu assim (julgo eu, que não sou especialista na coisa e desconheço quem seja). Logo, a meu ver, o conceito de normalidade – repito - não deverá ser usado para afastar a jovem da competição. Independentemente do que possam pensar sobre a minha opinião acima, há algo que acredito que repugnará todos os que aqui botam os olhos. De facto, o mediatismo, o espectáculo, a selvajaria e as opiniões canalhas de grande parte dos responsáveis pela modalidade são dignas do maior repúdio. A jovem tem sido verdadeiramente humilhada em público. Se entendem que a sul-africana deverá ser sujeita a testes para averiguar a existência de alguma anomalia, façam-no discretamente! O que não podem é achincalhar a jovem de 18 anos, utilizando os jornais para atingir fins despudorados e contra o mais básico respeito pela dignidade humana. A indiana Santhi Soundarajan teve o mesmo tratamento em 2006 e, depois de uma campanha ultrajante movida contra si pelos mesmos de agora, tentou suicidar-se. Os responsáveis pelo atletismo não aprenderam a lição e parecem esquecer-se que há coisas bem mais importantes do que uma medalha. Gente de merda, apetece dizer!

VICI, MACA(U)quices

Lembram-se daquela historinha da criança que ia comprar um bonequinho de chocolate? Quero um bonequinho, não quero uma bonequinha — dizia ela quando chegava à loja. E porquê? Por saber que o bonequinho tem mais um bocadinho de chocolate. Veio-me isto por causa da vitória nos 800 metros femininos que está a agitar o Campeonato do Mundo de Atletismo. Se a campeã em causa for hermafrodita, é verdade que tem mais um bocadinho de avanço para atingir a linha de chegada antes das adversárias.

João Carvalho, Delito de Opinião

Isto não interessa apenas a quem gosta de futebol. Diz respeito a todos, pois evidencia uma certa paranóia do politicamente correcto da qual devemos proteger-nos antes que, por um destes dias, a experiência da liberdade individual seja confinada a rituais iniciáticos praticados em lugares ermos. Victor Pereira, o presidente da Comissão de Arbitragem da Liga de Clubes, acaba de afirmar que «os muçulmanos são, por motivos, religiosos, contra a exibição do corpo nu», esclarecendo, com invejável perspicácia, que «isso acontece parcialmente quando um jogador tira a camisola ou a puxa para cima da cabeça». Nestas condições, e como o futebol é um jogo global, «devem respeitar-se estas crenças religiosas.» Punam-se então os jogadores que tiram o jersey num gesto de alegria (já acontece, saibam os mais distraídos), impeça-se o insolente público de vibrar com eles, e, já agora, estude-se seriamente a possibilidade de forçá-los a usarem collants durante os jogos. Mas como as praias são também lugares públicos, e pode encontrar-se em alguma duna um mirone fundamentalista de binóculos, exija-se aos banhistas um fato completo de homem-rã. Naturalmente, fora de água as mulheres-rã deverão abster-se de tirarem os óculos. E assim viveremos em paz. Ou quase.

Rui Bebiano, A Terceira Noite

Há cerca de duas horas registou-se uma derrocada de uma arriba na praia Maria Luísa, Albufeira. Segundo as últimas informações morreu um banhista, dois estão em estado grave e quatro encontram-se desaparecidos debaixo dos escombros. A propósito deste grave acidente, é hora de lembrar aos eleitores que não devem votar em autarcas que aprovem empreendimentos de construção civil junto às praias.

João Severino, Pau Para Toda a Obra

Qualquer partido que prometa que vai combater o desemprego ou que vai criar emprego está a mentir. As medidas que os partidos portugueses normalmente defendem nesta matéria não têm, na melhor das hipóteses, qualquer consequência no emprego. Note-se que há mais de 8 anos que o desemprego cresce e há mais de 8 anos que tanto PS como PSD prometem reduzir o desemprego.

João Miranda, Blasfémias

É tudo muito grave em Portugal. O gesto do ministro Pinho foi muito grave, tinha de ser demitido. O caso da bandeira do 31 da Armada foi muito grave, quiseram prender os terroristas. O desabafo do João Galamba sobre o genealogista Gonçalves foi muito grave, quiseram castigar o candidato a deputado. Agora foi a vez de umas declarações de uma fonte de Belém serem muito graves e por isso o Chefe de Governo tinha o dever de considerar o caso como outra coisa que não um mero disparate de Verão. Claro que é um disparate de Verão. Um enorme disparate. Admitir que há escutas em Belém só porque alguém no PS disse que há assessores do Presidente a escrever o programa do PSD é um grande disparate. Não é muito grave, é muito disparatado.

José Costa e Silva, Lóbi do Chá

A capa da Sábado, 13 a 19 de Agosto, diz que Solnado tinha um lado mulherengo. Solnado era heterossexual, actor e celebridade. Talvez o contrário é que fosse de espantar: não ter sido mulherengo dadas as circunstâncias. António Lobo Antunes tem um lado mulherengo. Fala das mulheres como um mulherengo, um esteta, um guloso. Aos 66 anos, diz-se que vai casar com uma mulher de 31, com quem namora há dois meses. Miguel Sousa Tavares tem um lado mulherengo. Terá sido um dos machos mais cobiçados pelo mulherio. Ser escritor, e escritor de sucessos, só aumentou o fenómeno, porque o mulherio adora escritores, vá lá saber-se porquê. Alexandre O’Neill tinha dois lados mulherengos. Pelo menos, a fazer fé em Maria Antónia Oliveira, que passa duas metades da sua biografia a dizer que o Xana foi um incansável marau com as damas. Miguel Esteves Cardoso e Pedro Paixão rivalizavam em mulherenguismo. Chegou a ser um circuito fechado, um viveiro de musas. Pedro Mexia tem blogues mulherengos. E também uma escrita. E um lado, claro. Deve haver muitos actores, escritores, pintores, escultores e músicos que sejam, ou tenham sido, mulherengos hiperactivos, daqueles que antigamente ficavam tísicos, mas que hoje, graças aos complexos vitamínicos à venda em qualquer farmácia e à política de preços do McDonald’s, lá se vão aguentando, e eu não tenho tempo, nem pachorra, para os estar a nomear agora. Quero é perguntar o seguinte: tirando Pessoa, que se casou com a Pátria, e Saramago, que fugiu para uma ilha espanhola ― do Camões à Ana Zanatti, haverá algum português famoso que não tenha sido mulherengo?

Valupi, Aspirina B

O primeiro comboio do dia chega à capital apenas às 8:20. No aeroporto as partidas começam às 7 da manhã (o check in faz-se uma hora antes). No resto da Europa qualquer capital começa a fervilhar de transportes públicos provenientes do resto do país a partir das 5 da manhã. Um dia, um investigador alemão indignado com os nossos horários perguntou-me "como faz um empresário para chegar a tempo a uma reunião a Lisboa?". Isto é muito culpa da apatia dos municípios da região centro e do norte. Há uma falta de sensibilidade tremenda para perceber que os transportes públicos são um factor essencial de desenvolvimento. A maior parte nossos autarcas continuam deslumbrados com os estofos de viaturas de alta cilindrada, nem sequer se apercebem do ridículo, do terceiro-mundismo que representa essa atitude.

Rui Curado Silva, Klepsýdra

No domingo entrou em vigor, no Afeganistão, a lei que permite ao marido privar de alimentos a mulher quando não o satisfaz sexualmente. Em questão de heranças uma mulher herda metade de um homem. Nota: Deus é bom e as religiões são óptimas.

Carlos Esperança, Diário Ateísta

Não sabendo alemão, acho sempre que "abram alas pró Noddy" em alemão se diz "uber alles von Noddy"

João Moreira de Sá, Arcebispo de Cantuária

3 comentários:

joãoeduardoseverino disse...

Com um abraço, obrigado pela referência.

Leocardo disse...

Genial. Gostei do novo look. Um abraço :)

Samuel disse...

Isto já o li noutro lado:
"do Camões à Ana Zanatti, haverá algum português famoso que não tenha sido mulherengo"