quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Macau: quando o negócio corre mal


O que têm Ao Man Long e Alexandre Ho em comum? Primeiro tudo, e depois nada. Nada porque o ex-presidente do Conselho de Consumidores, um homem que muito fez por Macau nos últimos 25 anos, um democrata e uma personalidade da história recente de Macau optou pela saída mais trágica. Não vai haver julgamento, não vão haver revelações bombásticas, não vão haver primeiras páginas sobre o assunto. Agora acabou. Se era inocente ou culpado não interessa. Tudo nesta vida tem solução menos a própria morte, a ausência da vida.

O que me custa a perceber é o que se passa hoje em dia em Macau com os nossos governantes, com os nossos empresários, com quem de direito. Em vésperas do 10º aniversário da criação da Região Administrativa Especial, a tal que tinha um futuro radiante pela frente, Macau é cada vez mais a cidade adiada. Tornou-se um El Dorado do desespero, das negociatas, da opacidade. Muito longe de outras cidades da região, como Hong Kong e Singapura, onde apesar de tudo ainda se vive com alguma qualidade. Macau é hoje basicamente uma máquina de fazer dinheiro. Uma oportunidade de negócio para vazar e deitar fora.

Tudo em prejuízo dos residentes, com cada vez menos qualidade de vida. Não é que estejam realmente satisfeitos com isso, mas lá se vão habituando, infelizmente. Protestam? Claro que protestam, mas depois atiram-se-lhes umas migalhas e lá vão eles cantando e rindo, e pelos vistos contentam-se com muito pouco. É difícil compreender a psicologia de quem decide por Macau. É verdade que quem ganha muito dinheiro com o negócio prefere vê-lo lá fora, nas offshores e nas contas no estrangeiro. Quem se matou a trabalhar para amealhar um rechonchudo pé-de-meia quer uma reforma tranquila, de preferência a tratar de um jardim nas traseiras de uma casita na Austrália, do Canadá ou dos E.U.A.. Outros preferem perpetuar-se nos cargos de poder, até ao ponto de caírem no ridículo, para manter o status quo para si e para os seus. São as tais “famílias tradicionais” do território.

Em Macau os único jardins são de cimento, perdidos entre a extravagância sem sentido do betão idealizada pelos tubarões da construção civil. Quanto aos outros que não podem aspirar a um idílico jardim além-mar? O que não faltam são locais onde podem fazer tai-chi, wushu, ou cafés onde possam comer um chu-pa-pao ou beber um lai-cha. Não chega? Onde vivo e não só vejo cada vez mais pessoas doentes, tristes, desiludidas. Hoje vi uma senhora, vendedora de tao-fu-fa, carregando uma pinga sobre os ombros, que corria numa passadeira para evitar o sinal vermelho. Vi outro senhor coxo que voltava do Mercado com um saco de vegetais deprimidos, daqueles que nem se dá de forragem aos porcos nos países mais desenvolvidos.

Esta manhã passei pelo Mercado de S. Domingos, onde estavam dúzias de velhos, alguns de pé, à espera que abrisse o Centro de lazer. Ao fim da tarde outro Mercado, o de S. Lourenço, onde vejo uma senhora a empilhar caixas de esferovite muito acima da sua altura, num exercício heróico de força, tudo para ganhar mais alguns cobres. Todas as manhãs os velhos apinham-se nos hospitais e nos centros de saúde, às vezes sem necessidade, chegando horas antes das consultas, e esperando mais horas para ser atendidos. Parece o destino para que estavam talhados. Enquanto em Macau uns vivem, outros sobrevivem.

Quando o negócio corre mal, quando a ambição se sobrepõe à razão, existem as tais opções: fugir, submeter-se à humilhação da justiça, ou pôr um fim a tudo. Se isto é um jogo, então estamos no local certo, não fosse Macau a terra dos jogos de azar e de apostas desde tempos imemoriais. O grande prémio deve valer mesmo a pena. Mas isso não interessa. O que interessa mesmo é que se construam mais silos para arrumar os automóveis, esse inegável símbolo do sucesso, ou que se controlem os cybercafés. Sim, porque é preciso que a malta ande aí muito certinha, para não atrapalhar a vida a ninguém.

12 comentários:

Anónimo disse...

Centro de Lazer

Anónimo disse...

Parabéns! Muito bem escrito! O que não falta em Macau são dinheiros públicos para esta terra se tornar num paraíso para os seus cidadãos. Infelizmente, por incompetência de uns, falta de visão de outros e "egoísmo" de muitos (os principais dirigentes políticos e homens de negócios), o território é gerido em função dos interesses de poucos. A esmagadora maioria que se amanhe. Recebem as tais migalhas e já não é mau.

Vamos ver em quem votam no dia 20 do mês que vem.

Anónimo disse...

Obrigado Leocardo. Voce nao precisa de se afastar de Macau para ver isso tudo. É bom mas também se sofre mais.

Cumprimentos,

Anónimo disse...

Parabéns. Foi o seu melhor post de sempre.

El Comandante disse...

Muito bom post. Quando Macau é gerido em função da ganância e dos interesses de uma escassa minoria, pouco há a fazer.

Lúcio disse...

Excelente.
Infelizmente para muita genta Macau é uma terra de "usar e deitar fora".

Irene Fernandes Abreu disse...

Como sempre, admiro a sua visão bem realista, para tudo o que o rodeia. Sinceramente, esta sua opinião sobre Macau, não pode estar melhor descrita, e acredite que, (quase) todos partilhamos do mesmo sentimento: Macau perdeu a qualidade de vida e estamos a tornar-nos "cinzentos" pela desilusão de muitos acontecimentos bastante negativos, os quais nos sentimos impotentes de alterar...
Apesar de ter estado de férias, sempre que tinha oportunidade,nunca deixei de ver o seu blog, pela excelente informação e qualidade a que nos tem habituado. Um bem haja!
Abraço!

Leocardo disse...

Obrigado, dra. Irene. Abraços a todos.

Gotícula disse...

Infelizmente Macau já não existe, o pouco que resta vai desaparecendo também...foi bom tudo o que vivemos e o que tivemos...se não fizemos o que podia ser feito enquanto Macau era nosso, por melhor intenção que alguns tenham, não vai ser agora feito...é triste para quem nasceu e cresceu aí...a vida continua...nem todas as mudanças são más, há qualidade de vida noutras parte neste nosso universo, é só querer agarrar o modo de vida que quer seguir...a liberdade acima de tudo, a liberdade da escolha! Na R.A.E.M. não me parece que seja possível. e só passaram 10 anos! Em Macau eu era alguém mas prefiro ser a gotícula neste universo, é muito melhor assim...

Anónimo disse...

antes de 1999 macau havia muito mais corruptos especialmente com os portugueses que viviam em macau,quem não se lembra dos faxes do corrupto do melancia,da "mala de macau",dos quadros dos governadores roubados pelo rocha vieira etc etc??Era so corruptos mas os portugueses não podiam ser investigados.Agora que macau é dos chineses muitos chineses ja foram investigados e presos por corrupção.os portugueses é que tiveram sorte porque nao existia o CCAC,Comissariado contra a Corrupção

Anónimo disse...

"O que me custa a perceber é o que se passa hoje em dia em Macau com os nossos governantes, com os nossos empresários, com quem de direito."
O Leocardo fala e bem, apenas como um residente de Macau. Bravo.

Anónimo disse...

Para que comparacoes.
Qualquer Homem num momento x pode ser falivel.
Devemos contribuir para diminuir essas ocorrencias enquanto tivermos capacidade para tal.