segunda-feira, 16 de março de 2009

Ter fé na Sé


Como muitos dos leitores já devem ter percebido, não sou um indivíduo religioso. Não acredito em milagres, muito menos em aparições, em jejuns, sacrifícios ou autos de fé. Para mim as coisas são o que são, e nada se resolve através da oração. Sempre achei que a Igreja Católica teve mais poder do que devia ao longo da História, e acredito piamente (ao menos isso) na separação do Estado da Igreja. Aliás como tem ficado provado em alguns posts recentes. Admiro a faceta humanitária da Igreja, do seu passado de auxílio aos pobres nas alturas mais difíceis. É bom saber que se pode contar com um prato de sopa quente em troca de um pouco de devoção.

Macau é a cidade da Ásia onde se podem encontrar mais igrejas por metro quadrado. Só aqui a cem metros de casa existem três. Apesar de considerar a a arquitectura sofrível (existem igrejas muito mais deslumbrantes em aldeias de Portugal), tenho que reconhecer que estas igrejas dão a Macau características muito especiais. É com grande satisfação que observo a forma ávida como turistas fotografam este património que tanto contribuíu para a entrada de Portugal na tal lista da UNESCO. Numa cidade onde muito pouco de excitante acontece, sempre há qualquer coisa que se veja.

E as igrejas não estão lá apenas para servir de isco aos turistas. A fé das gentes de Macau é grande, muito grande mesmo. A Igreja Católica teve no território uma penetração incrível, que nem de longe nem de perto se compara com as suas "primas" protestantes. É extraordinária a forma como cristãos e budistas convivem em harmonia, e como se encontra em algumas zonas da cidade um templo budista a poucos metros de uma igreja cristã. Manifestações religiosas como a Procissão do Senhor dos Passos ou o 13 de Maio passam incólumes pelas ruas da cidade e continuam a ter uma adesão significativa, o que mostra que a liberdade de culto está bem e recomenda-se.

A zona da Sé, onde está localizada a principal igreja de Macau é um verdadeiro mimo. Já alguém se deteve para contemplar a Casa do Bispo, plantada ali à esuqerda da igreja? É belíssima. A zona é idílica, quase sem trânsito, com uma calma e um sabor religioso que o silêncio de quem a visita a qualquer hora do dia, no Verão ou no Inverno, lembra quase um santuário. É na Sé que todos os Domingos os portugueses de Macau professam a sua fé, num serviço sempre igual a si mesmo, com honras de transmissão televisiva e tudo. É lá que se realizam as missas, as homenagens, os agradecimentos. A Sé é a expeditora da fé dos católicos portugueses de Macau.

O que seria se a Igreja Católica entrasse finalmente no século XXI? Que atendesse de uma forma mais aberta e menos conservadora às necessidades da juventude, o maior segmento de cabecinhas a moldar, e futuros fiéis? Já se sabe que as recentes polémicas noticiadas neste espaço e as dores de cabeça do Papa Bento XVI não são problemas exclusivos da igreja. Os bispos não são autómatos programados para pregar. Têm opiniões próprias, mas falam em nome da Igreja que representam. O mundo assiste, por vezes em estado de choque, e torna-se cada vez menos fiel.

A propósito da recente polémica da menina de 9 anos que abortou no Brasil e no caso das excomunhões, um leitor deixou um comentário em jeito de "so what?", a excomunhão é um exclusivo da igreja, não aquece nem arrefece. Isso não é bem assim. Para um católico devoto e praticante a excomunhão dói. É quase como se o nosso pai ou a nossa mãe não quisessem falar mais connosco. É uma questão de fé, não palpável, mas que se sente de forma diferente para quem segue uma crença. A igreja não devia de forma tão obstinada de afastar desta forma elementos do seu rebanho, mesmo os mais contumazes.

É urgente a Igreja começar a adaptar a sua doutrina para os tempos modernos. É irrealista e abjecto rejeitar categoricamente o aborto, a homossexualidade, a contracepção, a investigação científica que pode levar uma melhor qualidade de vida a pessoas com doenças incuráveis. É ilusório acreditar que se pode exigir a todos os católicos que sejam castos, monogamistas e fiéis. A natureza humana é mesmo assim, sempre engenhosa, inerentemente pecadora e muitas vezes soez. E é preciso sobretudo não esquecer que a misericórdia de Deus é, afinal, infinita.

6 comentários:

playmaker 10 disse...

Boas!
Também não sou "religioso" - seja lá o que isso for - mas não confundir Igreja com o resto (Divino?).
Oração leva-nos a muitos sítios e bem longe, diria mesmo que se estamos "aqui" foi porque desde muito cedo o Homem orou.

Grande abraço.

Anónimo disse...

Eu sou o leitor que disse que a excomunhão não aquece nem arrefece

E disse-o porque outro leitor confundiu a lei civil, á qual TODOS NÓS estamos sujeitos e somos punidos se a violarmos e formos considerados culpados, com a lei de origem religiosa baseada em argumentos basedos na fé e em nada mais.

Eu tambem não concordo com certos preceitos religiosos, mas não adianta argumentar utilizando argumentos lógicos, científicos, pois a "lógica" religiosa é outra.

Pior era se a lei religiosa fosse "transposta" para a lei civil, como já aconteceu em tempos recuados.
Se fosse assim não haveria divórcios para ninguem e o aborto seria sempre um crime em qualquer circunstância.

Mas isso já não acontece, e portanto a lei canónica apenas tem o valor que cada um quiser atribuir.

E não creio que a Igreja tenha assim tanto poder sobre as consciências.

É só ver o numero de divórcios, abortos e o uso generalizado de métodos anti-concepcionais.

Anónimo disse...

A Fé é um dogma, é algo que não se discute nem se explica. Ou se acredita ou não.
Que você não acredite, é aceitável, há muitos milhões na mesma condição.
O que é grave é que fale com extrema propriedade de assuntos que não domina, não compreende, nem tão pouco se esforça por ficar esclarecido.

A ligeireza com que aborda determinados temas chega a ser constrangedora, o percuro da igreja católica na história da humanidade, é apenas mais um exemplo.

Leocardo disse...

O último anónimo deve ser daqueles que considera que quem não tem algum tipo de autoridade por escrito não pode/deve opinar sobre os temas. Teho visto muito disso por aqui, é um tique a que já estou habituado.

Não é preciso ser nenhum teólogo para falar (ainda por cima de forma tão superficial) sobre a igreja e a doutrina (repito, superficialmente). E como aqui já disse, isto é um blogue, não uma tese de doutoramento.

Não é preciso ter fé para se falar de fé, nem o facto de ter fé o torna um especialista na matéria. Se o problema é a "ligeireza", recomende-lho então literatura mais pesada.

Sei que não estou sozinho entre os que não acreditam, e também não sou um ateu. Talvez seja por isso que gostava que a Igreja se pudesse transformar de modo a atender às necessidades do Homem de hoje.

Quanto à questão do "percurso", não sei se se refere às atrocidades cometidas ou à forma como a Igreja impôs a fé - às vezes à força - entre os "selvagens" que não lhes pediram nada. Mas por essas e outras até já pediram desculpas, e a malta aceitou e não foi por isso que lhes virou as costas.

Ainda sou do tempo em que a Educação Moral e Religiosa era obrigatória no ensino público. Encheram-me a cabeça de inverdades (eufemismo) mas sobrevivi. Até já esqueci.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Apesar de o seu blogue não ser uma tese de doutoramento, o Leocardo não se pode esquecer que o seu blogue é publico e até deveras visitado. Isso acarreta algumas responsabilidades para aquele/aquela que nele escreve.

A ligeireza a que eu me referia diz respeito à forma redutora como você resume a actividade da Igreja Católica. Autos-de-fé, Inquisicão e cruzadas desapareceram há séculos.

Aliás, do ponto de vista estritamente institucional, saiba que o Papa João Paulo II, pediu formalmente desculpas ao Povo Judeu pelas perseguições de que aquele foi alvo por parte da Igreja Católica. A si, o "Leocardo de Macau" isto até é capaz de lhe dizer pouco, mas em termos institucionais não deixa de ser uma atitude inédita.

Hoje a Igreja católica pauta a sua conduta pela defesa do Homem, pelo auxílio aos mais desfavorecidos, pela prestação de cuidados de saude, pelo ensino e pela difusão na paz no mundo.

Esta é a verdadeira postura da Igreja e aquela que vale a pena recordar e salientar.

O poder a mais e a alegada caridade em troca de devoção são juizos de valor redutoramente subjectivos e, permita-me a honestidade,falsos.

Cumprimentos

Anónimo disse...

Se o Leocardo não pode falar da Igreja porque não percebe nada disso, o Papa também devia estar calado quando o assunto é sexo. Ou perceberá ele disso?