segunda-feira, 23 de março de 2009

A língua e o estômago


1) Miguel Senna Fernandes tem-se destacado à frente do grupo Doci Papiaçam di Macau, um grupo teatral que se dedica à divulgação do patuá, ou dialecto maquista. Existe uma enorme discussão sobre o que é o patuá. Uma língua de código? Português mal falado? Um dialecto semelhante aos crioulos que se falam em África (no caso do Português) ou das Caraíbas (no caso do Patois inglês)? Uma coisa é certa: está a ser difícil a promoção do dialecto a património intangível da humanidade. A memória de Inocêncio dos Santos Ferreira, ou "Adé", é uma presença, e os mais puristas consideram que o patuá acabou com a sua morte. É uma pena que um dia este lindo linguajar, que pessoalmente acho bastante divertido, possa acabar. A troupe dos Doci Papiaçam vai tentando mantê-lo vivo, ora com mais umas peças aqui, umas músicas ali, e até no Verão passado uma "workshop" da língua. Miguel Senna Fernandes pretende agora, juntamente com a EPM, incluír o patuá como currículo alternativo. Acho uma brilhante ideia. Tenho a certeza que os pais vão aderir, os alunos vão gostar, e bem ou a mal, é uma forma de manter a língua viva.

2) Tal como o patuá, também a genuína cozinha macaense corre o risco de extinção. É já mesmo objecto de museu, como a fotografia comprova. Como é rica e original a culinária macaense. A melhor do mundo por quilómetro quadrado. É a sopa lacassá, o porco bafassá, o porco taraminho, o minchi, o tacho, o diabo, a capela, o bolo menino, um nunca mais acabar de paladares "east meets west", cheio de particularidades muito especiais. Existe uma Confraria da Gastronomia Macaense, uma óptima ideia, mas de que se tem ouvido falar muito pouco recentemente. Existe uma concepção estranha de que tudo o que se faz no que diz respeito à compilação de receitas da cozinha macaense "é mau", ou que cada casa cozinha à sua maneira, que é sempre "a melhor". Quem fazia "bem" era sempre o pai ou a mãe do "outro", que já faleceu faz uns 20 anos. Tanto negativismo. O ideal é que as receitas não fossem "para o caixão" com os seus legítimos donos e donas. É preciso parar de falar em "salvar" as coisas e começar a tratá-las como se fossem eternas. E são muito boas também!

4 comentários:

Anónimo disse...

Conhecem este Blog?
Tem algumas receitas e bastantes comentários feitos em Patuá.
Clique no título.

Gotícula disse...

Pois é! A Dona Geca morreu e as receitas foram com ela, tenho alguns livros de receitas macaenses mas todos com os segredos guardados, há pratos que lá consigo fazer perguntando aqui e ali e vou descobrindo mas outros...que não consigo mesmo lá chegar porque falta simplesmente qualquer coisinha, seria mesmo uma pena, perdermos estas iguarias para sempre por mero egoísmo...

Anónimo disse...

há dias provei um doce que nunca tinha visto por cá...doce de mandioca...muito bom...no riquechó

Anónimo disse...

O riquexó e a sua dona deveriam publicar um livro. Os 90 e tais anos de saber culinário que essa senhora tem necessitam ser protegidos!

Excelente artigo, caro Leocardo. Era importante a malta jovem se interessar pelo Patuá. E não o restringir aos Doci Papiaçam. Os média, como a Rádio e a TV, por exemplo, poderiam apostar em programação com produção local a explorar o tema. Se não entendem, que falem com o Miguel. Parece que esse homem não se cansa com nada...