Foi exactamente há 50 anos. Estamos em 22 de Março de 1959. Hoje é conhecido o campeão nacional. São três da tarde e a bola começa a rolar em todos os estádios. Em todos não. Na Luz, o Benfica recebe a CUF e sobe ao relvado dois minutos antes do início do jogo. A estratégia é retardar a partida o máximo possível, de forma a saber o que se passa em Torres Vedras, no Torreense-F. C. porto.
Os dragões estão a um pequeno passo do título: são líderes com os mesmos pontos do que os rivais da Luz, mas com vantagem na diferença de golos. Para ser campeão, o Benfica precisa de marcar mais cinco golos do que aqueles que os portistas marcassem.
No Campo das Covas, já se contam oito minutos de jogo, quando na Luz, Inocêncio João Teixeira Calabote, árbitro internacional de Évora e com passado infeliz nos jogos com o F. C. Porto, faz soar pela primeira vez o apito. A primeira parte corre de feição às águias que chegam ao intervalo a vencer por 4-0, com os dois primeiros golos de penálti, o segundo dos quais considerado inexistente por toda a crítica.
A vantagem era insuficiente, uma vez que os portistas já tinham inaugurado o marcador. Na segunda parte, já depois do golo de honra da CUF, o Benfica não demoraria a dilatar a vantagem com mais dois golos, um deles de penálti. Os encarnados são virtualmente campeões. Festeja-se na Luz, sofre-se nas Covas.
Não por muito tempo. O portista Noé faz o segundo golo e a festa volta a Torres Vedras. Por pouco tempo também. De rajada, os benfiquistas fazem o 7-1, já o guarda-redes Gama, da CUF, tinha sido substituído, a pedido dos colegas, num tarde muito infeliz...
Porém, em cima do minuto 90, Teixeira faz o 3-0 e volta a entregar o título ao F. C. Porto. O jogo termina a seguir, mas não há campeão. Na Luz, ainda faltam jogar oito minutos, mais os quatro de compensação concedidos por Calabote - que ainda expulsou três jogadores da CUF -, quando, na altura, não era normal dar-se mais do que dois. Foram 12 longos minutos de sofrimento em Torres Vedras, enquanto o Benfica desespereva por mais um golo, que não veio a acontecer. A festa mudava-se, de vez, para as Covas.
Poucos dias após o mais dramático epílogo dos campeonatos, Calabote é alvo de inquérito federativo e acusado de ter mentido no relatório, escrevendo que o jogo principiara às 15 horas e terminara às 16.42 horas. O árbitro de defende-se e diz que o seu relógio é que vale. Nada feito. É acusado de corrupção, mas diz que nunca recebeu um tostão. É irradiado uns meses mais tarde.
O livro sobre o "Caso Calabote", da autoria do jornalista João Queiroz, será editado brevemente pela Quidnovi.
"Ainda que pareça mentira Valdivieso (treinador adjunto do Benfica) orientou o Torreense", noticiava o JN. Era mesmo verdade. O técnico argentino tentou passar despercebido, mas em vão.
Segundo o próprio, foi observar um jogador do Torreense com vista a futura contratação e foi convidado a sentar-se no banco da equipa. Um pretexto, segundo os jornais: Valdivieso ministrou uma palestra no balneário e deu instruções várias durante o jogo.
Mais tarde, António Costa, defesa do Torreense, negava tal acusação: "Esteve na cabina a conversar connosco (...), mas não nos deu quaisquer indicações. A verdade é esta: receberíamos, por intermédio dele, um prémio [cinco contos a cada jogador] se vencêssemos ou perdêssemos com o Porto por margem escassa. E quero esclarecer um ponto: Valdivieso não chorou na cabina, por termos perdido. Limitou-se a regressar a Lisboa com o dinheiro"...
In Jornal de Notícias
Nota: Achei interessante publicar este artigo do JN, que explica o nascimento da expressão "Calabote" na gíria futebolística. E curiosamente depois de outro calabote ter acontecido ontem no Estádio do Algarve...
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