terça-feira, 13 de agosto de 2013

O príncipe e os seus eunucos


O caso de Bo Xilai é um dos mais mediáticos da actualidade, e um dos melhores exemplos das fragilidades do xadrez politico chinês. A omnipresente retórica de Mao Zedong, o grande timoneiro e fundador da R.P. China aplica-se na perfeição ao político caído em desgraça: “os heróis de hoje são os vilões de amanhã”, e vice-versa. O que Mao não tinha em mente quando cunhou esta máxima seria a forma como foi aplicada a um dos seguidores do seu pensamento, e especialmente dos valores que estariam em causa, pouco condizentes com os seus ideais revolucionários baseados na ditadura do proletariado. Bo Xilai pode ser tudo e mais alguma coisa, mas certamente não se incluí na definição de “proletariado”.
A ascensão meteórica de Bo Xilai deveu-se sobretudo ao seu pai, Bo Yibo, um dos oito fundadores da República Popular, e homem de confiança do próprio Mao. Bo Yibo teve como um dos seus delfins Jiang Zhemin, que liderou o país desde os anos 90 até à transição para o novo século. Jiang retribuiria o favor dando a mão ao herdeiro do seu mestre, e depois de um longo estágio entre as elites do partido único, onde exerceu cargos menores, Bo Xilai chegava em 2007 a secretário do PC em Chongqing, já durante o consulado de Hu Jintao. Numa demonstração de gratidão ao seu padrinho, Bo tomou como uma das suas primeiras medidas o aperto do cerco aos elementos da Falun Gong, culto religioso que Jiang Zhemin elegeu como inimigo de estimação.

Apesar da perseguição à Falun Gong, que lhe valeram a censura de organizações defensoras dos direitos humanos em todo o mundo, Bo Xilai tornou-se popular graças a outras medidas mais pertinentes e às reformas que lhe valeram elogios de várias facções do partido, e o cognome de “príncipe vermelho”. A sua campanha contra o crime organizado que grassava em Chongqing e a forma destemida com que colocou os seus membros mais influentes atrás das grades foram recebidos com um alto nível de aprovação, e as suas políticas económicas valeram à província um crescimento económico anual na ordem dos dois dígitos, ao mesmo tempo que se mantinha atento aos factores de ordem social e defendia valores equalitários, o que lhe valeu a simpatia de maoistas e social-democratas, desiludidos com o caminho que o país ia levando, imitando muitos dos vícios do capitalismo ocidental.

Bo Xilai gozava de uma popularidade tremenda, e preparava-se para se consagrar como um dos elementos da elite do partido no 18º congresso a realizar em 2012, mas a marcha veloz deste tigre foi interrompida com um espinho que pisou pelo caminho, que o envolveu a si e à sua família. Este “espinho” dá pelo nome de Wang Lijun, o vice-presidente da câmara de Chongqing, que foi demitido abruptamente após ter revelado ao Consulado dos Estados Unidos detalhes sobre a morte misteriosa do empresário norte-americano Neil Haywood, alegadamente envolvido em negócios com Bo Xilai e sua família. Desconhecem-se os motivos quelevaram Wang a “partir a loiça” e cometer as incofidências que levaram à desgraça de Bo Xilai e da sua família. Fala-se de uma luta interna pelo poder, de um conluio entre opositores de Bo Xilai de dentro do PC, ou ainda de um ajuste de contas por parte dos poderosos sindicatos do crime organizado que Bo desafiou durante o seu consulado em Chongqing. Nunca se saberá ao certo.

Os factos conhecidos sobre a morte de Neil Haywood implicam Gu Kailai, a segunda mulher de Bo Xilai, que terá matado ou mandado matar o empresário britânico, que estaria a chantagear a família mais poderosa de Chongqing. Haywood teria mesmo feito ameaças a Bo Guagua, o filho do casal, um personagem de que vou falar mais à frente. Gu acabaria por se tornar na principal suspeita da morte de Haywood, e já depois de Bo Xilai ter efectivamente caído em desgraça no seio do partido, confessou a responsabilidade pelo assassinato do inglês. O julgamento foi realizado à boa moda da justiça chinesa, com uma série de factos complexos carecendo da falta de provas concretas a serem analisados em poucos dias, com a confissão da arguida a acelarar uma condenação à pena de morte…suspensa. A diplomacia britânica reclamava justiça, e terá ficado moderadamente satisfeita com o veredicto, se bem que torcendo o nariz aos trâmites processuais que a ele conduziram.

O próprio Bo Xilai encontra-se a braços com uma acusação de corrupção que lhe pode valer o mesmo castigo que a sua mulher. O seu julgamento vai-se realizar em breve, e alguns interpretam a submissão de um dos elementos mais poderosos da nomenclatura do regime um exemplo da firmeza do executivo de Xi Jingping no combate à corrupção nas altas esferas da direcção do Partido Comunista. Contudo poucos ficarão convencidos das razões que levam Bo Xilai à barra do tribunal, e dos valores de que se terá apropriado indevidamente . A quantia de 25 milhões de renminbis em causa parece muito pouco para a actual realidade chinesa, onde alguns empresários com menos ligações obtêm com facilidade. Bo Xilai terá lucrado muito mais do que estes valores graças à sua posição privilegiada sem que se dê qualquer importância ao facto. Maoistas ou outros “istas”, é apenas perfeitamente normal que o façam, tal é o estado de cleptocracia vigente.


Falta falar do terceiro elemento deste complicado enredo. Bo Guagua, filho do regente e da sua primeira dama, é o exemplo dos vícios adquiridos pelos filhos dos actuais dirigentes de topos, que se estão nas tintas para as tricas da política e só se preocupam em gastar a sua fatia do bolo da maneira que acham melhor. Guagua tem 25 anos, e apesar de muitos jovens da sua idade terem já terminado um curso universitário, este vai saltando de universidade cara em universidade cara nos Estados Unidos à custa do dinheiro do pai, ostentando a riqueza através de carros de luxo, festas privadas e a companhia de putéfias “yankee” que só vêem cifrões.

Se há algo que estes dirigentes desonestos deviam eleger como prioridade era educar os filhos de forma a que não só não os denunciassem, mas que também não fizessem pouco dos milhões e milhões de pobres do seu país de origem, que não tiveram a sorte de ter um paizinho dentro da elite dos salteadores do erário público. Nem que fosse pela mais básica das razões: nunca se sabe se o estado de graça dos progenitores que os sustentam dura para sempre. Gostava de dizer que este é um bom exemplo de como não há bem que sempre dure, mas estaria a ser ingénuo. O que vai provavelmente acontecer depois de Bo Xilai receber uma condenação igual à da sua esposa terá pouco a ver com justiça poética. Após meia dúzia de anos numa gaiola dourada, surgirão problemas de saúde que só podem ser resolvidos no exterior, enquanto a opinião pública liga pouco ou nada ao caso, e assim varre-se o lixo para debaixo do tapete. Bo Guagua pode dormir descansado ao lado das suas meretrizes loiras e mamalhudas. É assim a China, a da política e do resto.


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