terça-feira, 13 de agosto de 2013

As transparências iludem


Uma notícia que deixou toda a gente de boca aberta: Eddie Wong, arquitecto local e membro do Conselho Executivo da RAEM vai receber 235,5 milhões de patacas pelo design do novo hospital público da Taipa. já e sabia desde Julho que o projecto tinha sido atribuído a Wong, mas apenas hoje ficou conhecido o preçário, através da imprensa em língua portuguesa. Já sei que muitos entenderam à primeira, mas vou deixar bem claro para que não restem dúvidas: 235 milhões de patacas para desenhar o hospital. Não para o construír, e na verdade o senhor não precisa de espetar um prego que seja. É para desenhar. Mas antes que os mais desinformados dêm uma palmada na testa estupefactos enquanto exclamam "este gajo está garantido!", perdoem-me chover na vossa parada. Desta pequena fortuna que lhe vai cair nas mãos, deverá sobrar mais ou menos metade depois de distribuir a comissão pelos "pangyaos" que lhe fizeram o frete, os de cá e mais alguns lá de cima. Mesmo os meus colegas chineses ficaram meio atordoados com estes valores, mas estranhamente não pareciam tão revoltados como da vez em que acusaram a administração portuguesa de despesismo com a construção do Centro Cultural. Como dizia uma alta patente do governo norte-americano sobre um ditador sanguinário da América Latina que os Estados Unidos apoiavam: "pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da puta".

Não sei quais são os honorários que um arquitecto cobra por um trabalho destes, nem me interessa. Qualquer pessoa com dois palmos de testa acha que 235 milhões são um um exagero, e divulgar a soma como se fosse uma coisa normalíssima evidencia um enorme à vontade com a arte da vilanagem e a impunidade que a acompanha, ao mesmo tempo que se vai gozando com a cara do Zé Povinho. O que me deixa perplexo é que uma obra desta envergadura não seja atribuída através de concurso público, optando pela melhor proposta pelo preço mais razoável. Podiam fazer a batota do costume, mas pelo menos acenavam com as boas intenções. Claro que se podem desculpar com a urgência da construção do tal hospital que toda a gente reclama há séculos, e por isso é preciso queimar etapas, coiso e tal, e a malta aceita os argumentos, com a ajuda de muito gel lubrificante que ajude a empurrar o volume do chumaço pelo buraco acima. O mais curioso é que o aquando a tomada de posse do actual secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, que tutela a área da saúde, a conversa foi outra. Fresquinho de cumprir dez anos à frente do CCAC, Cheong U disse que no seu consulado a secretaria seria dirigida "com transparência". Esta transparência é de tal ordem que ganhou contornos de invisibilidade, fazendo 235 milhões de rufas "desaparecer" num piscar de olhos. Pois é, as aparências iludem, diz-se, e pelos vistos as transparências também...

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