quarta-feira, 28 de agosto de 2013

No escurinho do cinema, parte III: rir é o melhor remédio


O cinema é supostamente uma forma de despertar no seu público todo o tipo de emoções, e dessas uma das mais difíceis é o riso. O sentido de humor é uma das características mais subjectivas do ser humano, e o que alguns consideram hilariante, para outros não tem piada nenhuma, e por vezes pode ser considerado “de mau gosto”. Quando se faz humor, é quase impossível agradar a todos, e o risco de ferir sensibilidades é enorme. O género da comédia no cinema foi sofrendo evoluções naturais, adaptando-se às novas realidades e aproveitando um pouco de tudo o que se passa à nossa volta. A mudança de mentalidades foi permitindo aceitar tipos de humor que os nossos pais e avós considerariam ultrajante.

A meca do cinema mudo fez brilhar uma estrela: o britânico Charles Chaplin, que revolucionou o conceito com o seu personagem Charlot. O bigodinho curto, o fato preto, o chapéu de coco e a bengala deliciava os cinéfilos do início do século XX, mesmo que no contexto actual este tipo de comédia parece um tanto ou quanto arcaico. A primeira grande “equipa” de comédia no cinema foram os irmãos Marx, cuja referência foi Groucho, ainda hoje recordado e conhecido entre as gerações mais novas. Nos anos 60 o comediante Jerry Lewis inovou com o seu estilo único, do pateta alegre com cara de idiota que divertia as multidões com as suas tropelias. Nos anos 90 apareceu um tal Jim Carrey, e foram feitas algumas comparações, mas o canadiano viria a revelar-se muito mais talentoso e versatile, partindo muito cedo da imagem de atrasado mental de Lewis.

Até há 50 ou 60 anos a forma como se fazia humor era mais próxima daquilo que se designou por “slapstick”, que numa tradução aproximada para o português podemos chamar de “torta na cara”. Acidentes como quedas, queimaduras, agressões, situações embaraçosas, era o suficiente para provocar o riso. Um pouco mais tarde apareceu também o humor escatológico, ou “humor de retrete”, com recurso a flautulências, excrementos ou referências a fluídos corporais. Pessoalmente não acho muita graça a cenas onde alguém se magoa ou dá um traque, a não ser que isto se insira num context humorístico mais amplo. Já nos anos 90 os irmãos Farrelly conseguiram explorar este tipo de humor com algum sucesso, em filmes como “Something About Mary”, “Dumb and Dumber” ou “Shallow Hal”, onde recorreram mesmo ao uso de pessoas portadoras de deficiência mental. Bob e Peter Farrelly aperfeiçoaram o que se chama de “gross out movie”, um filme que contém cenas que não se recomendam à hora das refeições.

Os anos 70 marcaram uma viragem no humor, com prevalência para o cómico de situação e de linguagem, Curiosamente a América retirou muita da sua inspiração de uma equipa humorística que fez grande sucesso do outro lado do Atlântico: os Monty Python. Os Python inventaram praticamente o “sketch” humorístico, e a sua longa metragem “Life of Bryan”, uma sátira à descrição bíblica da natividade e da vida de Jesus Cristo, é considerada ainda uma das comédias mais hilariantes de sempre, apesar da Igreja lhe ter achado pouca graça. Nos Estados Unidos a comédia começava a evoluir do “slapstick” e dos musicais para um humor mais incisivo e inteligente. Mel Brooks e o seu “Young Frankenstein”, inspirado no clássico dos filmes de terror fizeram história, e um tal Woody Allen, um tipo esquisito e nervosinho, arrancava as gargalhadas da audiência com o seu “Bananas”, ou no papel de espermatozóide em “Tudo o que você queria saber sobre sexo”.

Depois da diversificação do género da comédia, as possibilidades eram imensas, e a imaginação dos humoristas dava para brincar com tudo e mais alguma coisa. Foi (e é ainda) difícil encontrar uma comédia com que a generalidade do público se identifique, e muitas comédias dos anos 80 e 90 são “americanices” com que o público fora dos EUA se pudesse identificar. Do entulho da comédia “yankee” surgiu um trio que fez rir todo o mundo, com uma espécie de humor um tanto ou quanto louco, mas que muitos ainda recordam com um sorriso. Os irmãos David e Jerry Zucker juntaram-se a Jim Abrahams e realizaram em 1980 “Airplane!”, um clássico que ridiculizava os “disaster movies”, nomeadamente “Airport 1975”, e adaptavam o antigo “slapstick” aos tempos modernos, juntando-lhe um cómico de linguagem com o uso do trocadilho. Leslie Nielsen, um veterano dos filmes de ficção científica dos anos 50 e 60, colaborou com Abrahams e os Zuckers em “Airplane!”, mas seria nos anos 80 que com eles atingiria o estrelato com a série “The Naked Gun”, no papel de Frank Drebin, um polícia que tinha tanto de destemido como de trapalhão.

Com a variedade de comédias, tudo passou a ser considerado potencialmente engraçado, dependendo do público a que se destinava. Não há nada mais frustrante do que assistir a uma comédia e não conseguir rir uma única vez, e infelizmente muitos produtores, realizadores e actores começaram a participar em longas metragens que não faziam rir nem à força de gás hilariante. A dupla Jason Friedberg e Aaron Seltzer, por exemplo, acharam que teria piada satirizar outros géneros cinematográficos, mesmo que o material não desse muita vontade de rir. Assim apareceram trambolhos como “Date Movie”, “Disaster Movie”, “Meet the Spartans” ou “Vampires Suck”, que deixaram as audiências com um Q.I. acima do nível de stupor com um sorriso amarelo. Salva-se “Scary Movie”, uma paródia aos filmes de terror que colheu a simpatia tanto de público como da crítica, mas mesmo assim a festa ficou estragada com várias sequelas que fizeram esquecer o sucesso da primeira tentativa.

Nos últimos anos surgiram alguns novos talentos cómicos, e um dos mais bem sucedidos será Judd Apatow, que nos trouxe algumas das comédias mais deliciosas dos últimos 10 anos, como “The 40-Year-Old Virgin”, “Superbad” ou “Get Him to the Greek”, bem como alguns falhanços, casos de “Year One” ou “Step Brothers”. Alguns destes comediantes mais progressistas recorrem amiúde àquilo que se designa por “drug humour”, um tipo de humor que envolve referências ao uso de drogas, algo que muito boa gente pode achar desadequado. Em 2009 saíu o filme “The Hangover”, que contava as aventuras de um grupo de amigos que foi até Las Vegas fazer a despedida de solteiro de um deles, e tomou um tipo de ácido que os fez esquecer tudo o que se passou na noite anterior. Este será até agora o filme mais cómico deste século, mesmo que muita gente não tenha o estômago para aceitar o argumento.

Cada país e cultura têm a sua interpretação de humor muito própria, e não esperam que outros países e culturas riam com eles. Além dos americanos, que “bombardeam” o resto do mundo com os seus usos, costumes e modo de vida, é difícil a outros povos absorver o sentido de humor mais “regional” dos diferentes países. Claro que há excepções, e uma delas será o espanhol Pedro Almodovar, que usou os “bonecos” da vida nocturna madrilena de um jeito que lhe valeu a aceitação de outros mercados. Seja o que for que lhe mexa com o ossinho do humor, o que lhe dê cócegas, não deixe que os outros digam que “não tem piada”. A comédia tem história, tem um pouco de tudo para todos os gostos e veio para ficar. Quem ri os seus males espanta.

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