terça-feira, 27 de agosto de 2013

No escurinho do cinema, parte II: romance ou porrada?


Quem tinha namorada ou saía em grupos mistos ao fim-de-semana e resolvia ir ao cinema, debatia-se sempre com uma dúvida caso as opções fossem mais que uma: romance ou porrada? As meninas preferiam a última lamechice da moda, um filme romântico, com “um gajo booom” no papel principal. Certamente que muitos homens da minha geração nutrem pelo menos ainda uma réstia de ódio pelo Tom Cruise. Recalcamentos da adolescência. Os rapazes, a malta, queria era assistir a um bom filme de porrada, onde o herói desse prioridade a mandar uns gajos pelos ares primeiro, e depois, se restasse tempo e houvesse uma, dava umas beijocadas na tipa que acabava de salvar, ou que o tinha ajudado a mandar um número considerável de cadáveres para a morgue. Era o tempo dos Stallones, dos Schwarzeneggers, dos Chuck Norris, dos Van Dammes. Se elas levavam a melhor, era uma tarde de letargia do sono garantida para nós, se prevalecia a nossa escolha, elas queixavam-se da “violência”. Sim, no mundo dos anjinhos onde vivemos, isto é uma coisa terrível. No que estariamos nós a pensar ao ofender aquelas frágeis florzinhas de estufa?

Os filmes românticos obedecem a uma estrutura muito simplista e previsível: ele e ela conhecem-se, gostam logo um do outro, mesmo que no início não tenha existido empatia, pelo caminho têm um ou mais obstáculos, que no fim ultrapassam e vivem felizes para sempre. Quando o obstáculo é o noivo dela – o que nos leva a questionar a sua fidelidade em geral – ficamos a odiar o tipo logo que ele entra em cena. Ou é um milionário arrogante, vaidoso e lingrinhas, enquanto o nosso herói é humilde, musculoso e atlético, ou é um brutamontes que trata mal a menina, ao contrário do nosso herói, um rapaz “sensível”. O amor triunfará, eventualmente. Tretas. Os “clássicos” do género nos anos 80 e 90 incluem “Top Gun”, com o já mencionado Tom Cruise, “Pretty Woman”, “The Bodyguard”, “Dirty Dancing”, “Sleepless in Seattle” ou “Ghost”, onde aqui o obstáculo reside no facto de um dos amantes estar…morto. Ó diabo, que isso é mais complicado, e não há Viagra que resolva.

Existem filmes românticos com um respeitável valor cinematográfico, claro, e assim de repente lembro-me de dois: “Sid & Nancy”, o biópico sobre a relação entre o músico dos Sex Pistols, Sid Vicious, e a sua namorada Nancy Spungeon, e “Henry & June”, que fala do triângulo amoroso entre o escritor Henry Miller, a sua mulher e a escritora Anaïs Nin. Mas estes são baseados em acontecimentos da vida real, e não em fantasias da Terra do Nunca, portanto as românticas mais inveteradas nunca iriam gostar. Elas gostam é do “Grease”, do “Flashdance” ou do “Um oficial e cavalheiro”. E qualquer coisa com o Tom Cruise, claro, que é “boooom”…

Os filmes de porrada dividem-se em sub-géneros, sendo os favoritos da malta a acção, a guerra e as artes marciais. O primeiro teve os seus tempos de glória, e o melhor exemplo são os primeiros filmes da série “Die Hard”, onde o duríssimo John McClaine, interpretado por Bruce Willis, acaba com metade das tripas de fora e quase sem pinga de sangue. Os nossos pais tiveram John Wayne e Steve McQueen, em comum temos Clint Eastwood, mas o Bruce Willis é todo nosso. Infelizmente a acção do nosso tempo, que implicava que se gastassem milhões de dólares em cenários e adereços, começam a ser cada vez mais substituídos pela animação gerada por computador (CGI, na sigla inglesa). É especialmente naqueles filmes de super-heróis, tipo X-Men ou Justice League, ou sobre invasões por seres de outros planetas que é possível ver os CGI em acção. Quem não se recorda do raio alíegena a destruir a Casa Branca no filme “Independence Day”?

Os filmes de guerra existem um gosto mais apurado. Eu particularmente não sou grande fã, especialmente se forem sobre a guerra do Vietname, que idolisam as tropas norte-americanas e demonizam os Vietcong. Quando me perguntam qual o meu filme favorito sobre o tema, respondo sempre “Full Metal Jacket”, de Stanley Kubrick, o que leva a que me façam caretas estranhas. Não me agradam os “Platoon” ou os “Apocalypse Now”, e na realidade em termos de guerras os melhores filmes são sobre a de 39-45, aquela onde se atirava contra os Nazis. “Dirty Dozen”, “The Bridge Over River Kwai”, “Saving Private Ryan” ou mais recentemente “Inglorious Bastards”, provavelmente o melhor filme de Quentin Tarantino depois de “Pulp Fiction”. Mesmo a guerra do Golfo parece produzir material mais sumarento que o Vietname, e exemplo disso é o excelente “Three Kings”, com George Clooney no papel principal.

Finalmente quanto aos filmes de artes marciais, a porrada por excelência, com murros e pontapés. Bruce Lee foi pioneiro do estilo no Ocidente, e o malogrado “pequeno dragão” criou mesmo a sua própria variante de “kung-fu”, o “Jeet Kun Do”. Depois da sua morte surgiram Chuck Norris e Steven Seagal, versões mais americanizadas e bélicas, até que em finais dos anos 80 aparece um tal Jean Claude Van Damme, um culturista belga que crious uma espécie de fusão entre o boxe tailandês e a ginástica contorcionista. Os filmes de Van Damme eram muito pobrezinhos no departamento da escrita, e o belga compensava com repetições atrás de repetições em câmara lenta do seu famoso “pontapé de helicóptero”, sem que para isso fosse necessário representar – ou sequer falar bem inglês. No virar do século deu-se o reconhecimento internacional de Jet Li, um dos mais celebres alunos da famosa escola de artes marciais de Shaolin, mas foi pouco depois que se deu a conhecer um tal Tony Jaa, um pequeno actor tailandês que reinventou o “muay thai” para o grande ecrã, com os filmes “Ong Bak” e “Tam Yum Gong”. Esse sim, um senhor da porrada.

Caso não se conseguir decidir entre um filme de porrada que o faça sair do cinema aos socos no ar, ou uma lamechice de fazer derreter as pedras da calçada que faça a sua namorada gastar a caixa dos Kleenex, o melhor é encontrar um meio-termo. Se puderem, vão ver uma comédia, que sempre é algo do agrado de qualquer pessoa normal a quem apeteça voltar a casa bem disposta. E é de comédia que vou falar amanhã. Fiquem atentos!

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