sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Recordações da casa amarela


Em primeiro lugar gostava de dizer que nunca fui ao restaurante Lvsitanvs, situado no segundo andar de um edifício histórico perto das Ruínas de S. Paulo desde meados de 2011. Quer dizer, minto, estive lá uma vez num Domingo à tarde, e bebi um café. Deixou-me pouco impressionado, muito devido à sua exiguidade e simplicidade. De facto era um espaço com um certo toque português, mas muito longe de nos inspirar qualquer tipo de sentimento mais rebuscado, do tipo saudade, ou que nos fizesse sentir num estabelecimento de restauração português, numa casa de pasto, ou sequer numa daquelas tabernas que antes eram frequentadas por bêbados mas depois foram reformatadas para o século XXI e agora são petisqueiras "castiças" com uma decoração "tradicional". Que me perdoem os adeptos do Lvsitanvs, que tem um nome que faz lembrar a capa dos livros do Astérix, mas nunca achei aquilo nada de especial.

Apesar de não se inserir no meu gosto, o Lvsitanvs atraía alguma respeitável clientela, e organizava a espaços alguns eventos remotamente interessantes. Recordo-me das comemorações do 25 de Abril de 2012, numa sexta-feira à noite, se não estou em erro, e lembro-me de não ter ido devido a um casamento a que fui convidado no Four Seasons. Recordo-me ainda de ter voltado para casa de táxi, e de como chovia a potes. Mesmo assim não se pode dizer que o Lvsitanvs fosse um local que pulsasse de motivos culturais, seria um disparate afirmar que contribuíu de alguma forma para a solidificação da cultura portuguesa na RAEM, ou que fosse sequer um ponto de encontro da nossa comunidade. Nem pouco mais ou menos. Nem sequer despertou a curiosidade dos milhares de turistas que frequentam aquela zona do centro histórico de Macau. No dia que lá fui, num Domingo à tarde com sol e temperaturas amenas, estava praticamente "às moscas".

Na génese do Lvsitanvs está uma coisa que prefiro ficar à parte e que considero um defeito da nossa comunidade: o elitismo. Quer dizer, não espero que os srs. doutores e restantes figurões tugas da nossa praça me cumprimentem na rua quando me vêem ou que me dêm palmadinhas nas costas só pelo facto de sermos compatriotas, nada disso. Mas se eles acham por bem levar para a frente "o seu" projecto, com "o seu" toque, que corresponde "à sua" visão, isso é com eles, e eu tenho todo o direito de gostar ou estar-me a borrifar - neste caso opto pelo último. Adoro almoçar ou jantar num restaurante português onde se coma bem e exista um ambiente descontraído, beber um café bem tirado numa esplanada onde se leiam jornais portugueses e seja frequentado por uma maioria de portugueses, e não sofro de nenhuma alergia nem tenho qualquer espécie de complexo com os nossos compatriotas. Só que o Lvsitanvs não me enche as medidas. Sabe demasiado a plástico para o meu paladar.

Nos dois anos e qualquer coisinha desde o arranque do projecto, o caminho tem sido sinuoso. Tivemos demissões, substituições e confusões, que levaram mesmo a que se falasse de um eventual encerramento do espaço. Depois não gostam quando os locais nos mandam "bocas", e dizem que os portugueses gostam é de muito paleio e pouco trabalho. Escudando-me no pragmatismo indígena que se rege pelo princípio "money talks and bullshit walks", ou ainda "não há dinheiro, não há palhaços", é observável a olho nu que o Lvsitanvs é um espaço cujo potencial em termos de lucro não justifica o lugar privilegiado que ocupa. Talvez tenha existido um erro de "marketing". Duvido que a maioria dos turistas que visitam diariamente e fotografam as ruínas de S. Paulo soubessem da existência de um local de traça colonial mesmo debaixo dos seus narizes. Não consta dos guias da cidade, e nem os operadores turísticos o mencionam por mera curiosidade. E porque o haviam de fazer? Quem não é português em Macau não sabe que o Lvsitanvs existe. Não há sequer uma tabuleta que dê conta da sua existência.

A maior ingenuidade terá sido a de confiar ao lobo que tomasse conta do rebanho. O espaço onde se situa o Lvsitanvs é propriedade do grupo Future Bright, cujo director-geral e sócio maioritário é um tal Chan Chak Mo. Para quem não sabe, este senhor, natural de Hong Kong, é um conhecido empresário da restauração do território, e pasme-se, deputado na Assembleia Legislativa, eleito pela via indirecta em representação dos interesses empresariais. Um daqueles tipos muito espirituosos que estão no hemiciclo a tratar da vidinha e garantindo que ninguém mete a colher na sua sopa. O sr. Chan Chak Mo é um bonacheirão, que ostenta sempre um sorriso de orelha a orelha, reflectindo a sua satisfação com a forma como lhe correm os negócios e os algarismos na sua conta bancária. Tem muito dinheiro, o fulano? Então se calhar está satisfeito, de barriga cheia, e certamente não se importa de alugar aquele cantinho do seu vasto império por um preço módico à malta. Puro engano. Aquilo é dele, ele é que manda, e enquanto estão para ali os tugas com os fados e as petiscadas, ele está a perder massa, e naquele lugar por onde passam milhares e milhares de turistas do continente por dia, quem sabe se é melhor substituir o Lvsitanvs por uma loja de "souvenirs" ou outros pechisbeques de plástico?

A estratégia é sempre a mesma: o contrato cessa em Dezembro, e como condição para o renovar exige-se o triplo ou o quadrúpulo da renda actual, o que obrigaria o Lvsitanvs a vender pastéis de bacalhau a 500 patacas a unidade, e haver quem os compre na ordem das centenas por dia. Os responsáveis pelo restaurante (!) até são uns tipos endinheirados, mas o dinheiro é deles e faz-lhes falta. Então o que é isto? Amigos, amigos, negócios à parte. E agora? Agora nada, fim da dinastia. Foi bom para alguns, poucos, enquanto durou, e o Lvsitanvs ficará como uma nota de rodapé no historial dos empreendimentos que "afirmam a presença portuguesa na Macau pós-transição". Quem sabe se alguém se lembra e aproveita o nome para abrir um tasquinha algures na Areia Preta ou em 10 metros quadrados na Taipa, onde se pode comer choco frito e chouriço assado enquanto se mamam umas imperiais? Parece mais acolhedor que o actual Lvsitanvs. E quanto a Chan Chak Mo? Adivinha-se um "future bright" para ele, pois faz parte dos 12 "imortais" que concorrem às 12 vagas da via indirecta para a próxima legislatura. Mais quatro anos na mesma, como a lesma.

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