O WikiLeaks é uma organização sem fins lucrativos criada em 2006 com o objectivo de divulgar informação tida como confidencial que pudesse eventualmente “transpirar” de serviços secretos ou canais diplomáticos de todos os países do mundo, e começou a andar nas bocas de toda a gente em 2010, quando revelou uma série de documentos comprometedores, que deixaram embaraçadas as autoridades governamentais dos Estados Unidos e não só. O “webmaster” deste WikiLeaks era então um tal Julian Assange, um australiano que passou de virtual desconhecido a celebridade mundial, e cujo atrevimento o forçou ao exílio, longe da justiça americana, que lhe quer deitar os tentáculos em cima. O caso WikiLeaks foi um maná para a imprensa, e foi motive de risota para os anti-americanistas crónicos, normalmente gente oriunda de países que cometem atrocidades e atropelos gritantes aos direitos humanos, mas que se consolam com o facto dos americanos “também serem uns malandrecos, aqueles hipócritas”.
Se Assange entrou na História como um herói e o WikiLeaks manteve o povo entretido por uns tempos, no fim alguém tinha inevitavelmente que pagar a conta, e esse alguém foi Bradley Manning, um personagem intrigante. Manning, actualmente com 25 anos, forneceu ao WikiLeaks informação sensível a que teve acesso durante o período que esteve estacionado em Bagdade, em 2009. Qualquer coisa como 250 mil comunicações secretas entre diplomatas, 500 mil relatórios e ainda dois videos que mostravam bombardeamentos das forças norte-americanas a posições no Iraque e no Afeganistão. Sem a mesma sorte que Assange, o soldado enfrentou a justiça do seu país, que o acusou de 22 crimes, entre os quais traição e auxílio às forças inimigas, além da evidente violação do sigilo a que se comprometeu quando se alistou no exército do Tio Sam.
O julgamento foi no mês passado, e Manning foi condenado a 35 anos de prisão, com direito a “parole” ao fim de um terço da pena – um mecanismo legal que lhe pode valer a liberdade condicional, dependendo de um painel que o entrevista e analisa o seu grau de capacidade de reintegração na sociedade. Juntando a isto amnistias e bom comportamento, poderá sair daqui a oito anos, na melhor das hipóteses.
Como se isto não lhe tivesse dado protagonismo quante baste, Manning surpreendeu tudo e todos quando revelou há poucos dias ser um transsexual, estar a planear uma cirurgia de mudança de sexo, e para tal vai começar um tratamento hormonal nesse sentido – se isso lhe é permitido na prisão, desconheço. Acrescentou ainda que se considera uma mulher, e prefere que o tratem por Chelsea, o seu nome feminino, em vez de Bradley, o nome que os pais lhe deram quando perceberam que tinha nascido com pila. O soldado declarou tudo isto através de um comunicado que o seu advogado deu a conhecer no dia 22, e assinou mesmo por Chelsea E. Manning.
A revelação desta confusão de géneros levanta sérias suspeitas, dado que foi feita depois de uma condenação a uma pena pesada de prisão, e leva a concluir que Manning poderá estar a querer alegar insanidade, para ver se ainda se consegue safar. Pode ser que esta seja mesmo a razão, mas não era necessário uma razão tão elaborada que muitos podem considerar até humilhante, a não ser…que seja mesmo verdade. E de facto Manning é “uma mulher presa no corpo de um homem”, como se diz na poética versão do politicamente correcto, e em 2010 mandou a fotografia acima ao seu sargento-major. De facto como gaja fica muito mais giro…ou gira…sei lá.
Culpado ou culpada, réu ou ré, maluco ou maluca, Manning não está só, e existe mesmo um movimento a exigir a libertação do soldado. Aquilo que alguns chamam de traição à pátria, outros consideram apenas exercício da liberdade de expressão, e simpatizam com a iniciativa de Manning em divulgar informação que é do interesse público, mesmo que confidencial. Uma questão complicada, um tema que dava pano para mangas: dever de obediência ou dever de informar? Resta saber se o Manning que passou os documentos ao WikiLeaks foi o Bradley, cidadão zeloso, ou a Chelsea, uma bisbilhoteira que não sabe guardar um segredo.
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